A BRONCA DAS
MESSES DA FORÇA AÉREA
26/11/16
“As Instituições do
passado não são boas por serem antigas, mas são antigas por serem boas.”
Guilherme Koehler
Um caso recente de denúncia de
eventual corrupção na aquisição de bens alimentares para abastecer as messes
das unidades da Força Aérea, agitou a opinião pública e publicada.
Neste momento existem, ao que se
sabe, entre 30 a 40 arguidos, civis e militares, sendo que só se sabe a
identidade dos únicos seis militares, para já envolvidos e que estão presos
preventivamente.
O que configura, desde logo, alguma
estranheza.
Independentemente do desfecho do
caso o dano causado na imagem dos militares, em geral, e na da Força Aérea, em
particular, e o incómodo que tal causou na generalidade dos mesmos é
indesmentível.
Não vale a pena escamotear o óbvio,
mesmo sabendo que diariamente vem nos jornais, notícias dos mais variados
escândalos, em todos os âmbitos – uma praga que faz parecer que a sociedade
portuguesa atravessa há anos (décadas) uma falta de referências morais
avassaladora – o que é verdade….
Mas, qualquer coisa que se passe no
âmbito militar, por razões que não vou especificar agora, toma sempre
proporções inusitadas por mais pequenas que sejam, o que não parece ser,
infelizmente, o caso em apreço.
Um primeiro ponto cumpre ilustrar:
A Instituição Militar é
indubitavelmente diferente da sociedade civil, pelas suas especificidades
próprias e peculiares, mas não está obviamente imune ao que se passa na
comunidade à qual pertence e que é suposto defender de qualquer ameaça externa
e ser último garante da unidade do Estado e da soberania nacional.
O segundo ponto é o de estranhar,
que o processo em causa, apresentado pela generalidade dos “media”, como tendo
origem numa denúncia anónima feita algures, havendo até, conivência da
hierarquia.
Ora o que se passou na realidade, é
que a suspeita de que algo não estaria bem foi espoletada numa unidade da Força
Aérea, por um subalterno que levou o caso ao comandante e, a partir daqui, foi
informada a mais alta hierarquia do Ramo, que denunciou o caso à Polícia Judiciária
Militar.
Esta entidade (PJM), que esteve para
ser extinta pelo poder político, dois governos atrás, pediu ajuda à PGR e PJ –
por manifesta falta de meios – desenvolvendo-se, então, a operação mediática
que decorreu perante o nosso olhar televisivo.
Até parece que há quem ande a ver
quem se põe mais em bicos dos pés…
Para já não falar na patética e
confrangedora qualidade das notícias/reportagens, como a evidenciada por uma
jovem jornalista, a qual postada è entrada do Estado-Maior da Força Aérea,
afirmava estar junto à porta do Estado-Maior-General das Forças Armadas e
atroando o éter com imaginativos envolvimentos de “altas patentes” (o arguido
mais graduado detido, é um major).
Os órgãos de comunicação social
sofrem de muitos defeitos terríveis (que ninguém com responsabilidades aparenta
pretender modificar); vamos ilustrar dois deles que se têm refletido nas
notícias veiculadas sobre este caso.
Um deles é a especulação jornalística.
Por exemplo foi amplamente
divulgado que o Estado já teria sido lesado em 10 milhões de euros, no espaço
de dois anos.
Umas contas simples desmontam
rapidamente a atoarda. Vejamos, o orçamento anual para a alimentação na Força
Aérea é inferior a oito milhões de euros (sendo o orçamento uma previsão).[1]
A haver tais “desvios”, das duas, uma, ou toda a gente passava fome ou não
havia ninguém que não estivesse metido no esquema…
O outro comportamento inadmissível
é o facto de fazerem entrevistas com pessoas de costas, encapuzadas e com voz
destorcida. Tal prática dá direito a tudo, é equivalente a uma carta anónima e
indicia práticas delatórias e exercícios inquisitoriais, ao mesmo tempo que se
permite a pessoas ignorantes, ressabiadas ou simplesmente mal formadas, vão
destilar a sua bílis, com total impunidade.
Escusado será dizer que todo o
edifício legal em que se escoram a liberdade de expressão e de imprensa, carece
de urgente revisão, sob pena de se continuar a infligir graves danos nas
mesmas.
O tipo de problemas apontados,
porém, devem ser descobertos e investigados ao nível das Forças Armadas, mas
tal desiderato está muito prejudicado pelo facto de terem acabado praticamente
com a Justiça Militar (incluindo tribunais) e, totalmente, com o seu foro
próprio.
Restam quatro níveis de detecção de
problemas como este, como de resto de tudo o que possa correr mal ou vá contra
os parâmetros definidos, para as Forças Armadas, apesar de estarem muito debilitados,
devido à “erosão” contínua induzida pelos diferentes governos e parlamentos, na
Instituição Militar, faz décadas. Mas ainda existem.
Os níveis hierárquicos mencionados
são: o nível do comando de unidade; o nível dos comandos funcionais; o nível
Inspecção do Ramo, que era até há pouco tempo chefiado por um oficial general
de três estrelas e terceira figura da hierarquia – logo a seguir ao Chefe e
Vice - Chefe – e que uma das trinta mil “reestruturações” feitas nas últimas
décadas degradou para um general de duas estrelas; finalmente existe a
Inspecção - Geral de Defesa Nacional com jurisdição sobre todas as estruturas
do Ministério da Defesa.
Estes níveis são os necessários e
correctos, mas convinha não os degradar, em termos materiais, anímicos, de
exemplo, de moral e de estabilidade, a tal ponto que um dia destes pura e
simplesmente colapsem.
E desenganem-se também, aqueles que
julgam que o controlo por via informática resolve tudo.
Sabe-se desde o tempo do Afonso
Henriques, que a aquisição de abastecimentos para os exércitos é sempre um
ponto crítico, que exige especial supervisão e cuidado. O que é é transversal a
todos os Exércitos, desde a Antiguidade Clássica…
Por isso a cultura acumulada no
exercício do comando tem isso bem presente (ou deve ter) desde tempos
imemoriais.
O mesmo se aplica, aliás, a tudo o
que envolve “negócio” gerido por humanos, sabendo-se a facilidade com que se
pode acabar em corrupção.
Ora o que pode ser preocupante –
mesmo tendo em conta que por vezes é difícil descobrir determinadas ocorrências
– é que este caso, a confirmar-se, aparenta não ser um caso pontual, mas
configura uma organização tipo “associação de malfeitores”.
Entretanto esperamos que se faça
justiça e quem eventualmente enlameia a Instituição Militar seja punido
exemplarmente ou, como se diz na gíria militar, “devidamente beneficiado”.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] De notar que este orçamento contempla a “alimentação em espécie”; a
“alimentação em dinheiro”; as “rações de combate” e as “rações de voo”.
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