Nele se equacionava a questão do Panteão Nacional
e se antecipou o que se passaria com a morte do não menos "grande"
Eusébio. Se a gestão do meu tempo mo permitir, voltarei ao assunto.
A vida tem destas coisas e como o
povo bem diz: “vale mais tarde do que nunca”. Vem isto a propósito das justas
homenagens a Amália Rodrigues, parte das quais feitas por muitos daqueles que
não só a maltrataram nos idos de 74/75 (chegando a proscrevê-la!), como também
atacavam o Futebol, Fátima e o Fado como “sustentáculos” do Estado Novo,
visando obviamente o deu ideólogo, o Dr. Salazar [1].
E é curioso ver como hoje em dia os três “F”
voltaram em forma: o futebol, infelizmente, com um cortejo de contínuas poucas
vergonhas, como os “média” documentam e ganhando preponderância sobre o que de
realmente importante se passa; Fátima, consagrada como verdadeiro altar do
mundo, recebendo em pouco tempo, por três vezes, a visita Papal, e o Fado,
perfeitamente consolidado, sem falta de artistas e de público de que o musical
em cena há largos meses, no Politeama é sinal indesmentível.
A vida tem destas coisas.
Amália, que não precisou de ser
reabilitada [2] pois nada tinha feito para
tal e nunca saíra do coração dos portugueses, acabou por ser condecorada e o
seu corpo transladado para o Panteão Nacional – o que se supõe constituir a
homenagem oficial maior, passível de ser feita. Partimos do princípio (não está
em causa a nossa opinião), que Amália merece a distinção. E é sobre os termos
“se supõe” e “partimos do princípio”, atrás empregados, que queremos elaborar.
De facto, a Nação e o Estado
Português, antigos de quase nove séculos, não tiveram, até hoje, uma doutrina
definida relativamente a quem deve ou não, ter acesso a uns metros quadrados de
Panteão.
São todos os Presidentes da
República? Os Primeiros-Ministros? Só, de entre estes, aqueles que se distinguem?
E quais as formas dessa distinção? Que feitos têm de cometer? E os restantes
portugueses que altos serviços têm que prestar para serem objecto de tão subida
Honra? Eusébio está a caminho do Panteão? Os túmulos têm de ser todos iguais?
Qual o processo legal a seguir até à decisão final?
Muitas questões se podem e devem
levantar. Aqui se deixa o alvitre para os senhores deputados se dignarem
debruçar sobre este tema, de modo a encontrar uma solução, que vá para além das
conveniências políticas de momento. Não dá nas vistas, é certo, mas é
importante.
Uma ideia mais: estamos em crer
que o estipulado no regulamento da Medalha Militar, seria uma boa base de
partida para o trabalho a realizar.
Dado que a história do Panteão,
já foi suficientemente dilucidada pelos diferentes órgãos de comunicação, para
voltarmos a ela, queremos abordar um último aspecto e que é este: Partindo do
princípio que aqueles que repousam no Panteão merecem lá estar, os mesmos não
merecem, por certo, o Panteão.
Ou, por outras palavras, o
Panteão tal como está – visitámo-lo há poucas semanas, antes da transladação de
Amália. O que vimos?
Um edifício imponente,
arquitetonicamente equilibrado e limpo. Adequado a Panteão Nacional. As boas
notícias acabam, porém, aqui.
Toda a área circundante do
Panteão, não condiz com o mesmo. Está degradada, suja, em desalinho.
Aproximando-nos, verifica-se que a porta de entrada, por pequena e discreta, não
está em consonância com o resto do edifício. Lê-se, ao lado (com dificuldade)
as palavras “Panteão Nacional” com as letras mais pequenas que, certamente,
havia no mercado.
Entrámos, deixando ao critério
dos leitores, decidirem se acham bem que se pague para entrar em semelhante
local, que devia funcionar como uma espécie de “Altar da Pátria”. A atmosfera
era soturna. A iluminação muito deficiente, talvez porque naquele momento, o
Panteão albergava uma exposição de arte sacra – o que de facto também não se
entende! Espalhados pela nave principal e por salas menores laterais, uns
poucos túmulos, alguns dos quais nem sequer dispondo de uma pequena biografia
de quem, pelos seus feitos “se foram da lei da morte libertando”.
De resto, apenas salas vazias,
paredes nuas, ambiente frio, incaracterístico. Para podermos usufruir de uma
das mais belas vistas sobre Lisboa, tivemos que perguntar onde nos levaria um
elevador com que topámos.
O Panteão como está é uma ofensa
à memória dos que lá estão, um péssimo exemplo cívico e uma chaga patriótica.
Nem uma Bandeira Nacional existe!
O edifício está subaproveitado,
os empregados são cinzentos; a atmosfera não é respirável; vários dos túmulos
existentes têm os corpos ausentes (caso de Camões, Nuno Álvares Pereira e
outros), além de que são pouquíssimos; não há indicações sobre o que visitar,
etc.
Numa palavra, o conjunto tem
apenas a dignidade da pedra, não tem recheio e não tem alma!
E, estamos certos, de que era um
nome desconhecido antes de Amália ir lá morar, para a grande maioria dos
portugueses.
Tudo isto nos parece lamentável.
E mais lamentável se torna quando existem termos de comparação. Não falemos
sequer dos grandes países. Sejamos mais modestos.
S. Domingos é a capital da
República Dominicana onde a actividade profissional, nos levou um destes dias.
Sabem que mais, a República Dominicana, país paupérrimo, sem expressão no
concerto de países e com uma História que ninguém conhece e, sem desprimor, sem
qualquer relevância – tirando a que lhe é dada por nela terem permanecido Colon
e seu filho [3] - possui um Panteão
Nacional que envergonha o nosso.
Querem saber porquê? O edifício, um antigo convento dos Jesuítas, tem dignidade. Neste âmbito, estamos empatados. Mas só neste. A polícia obriga as senhoras a cobrirem-se e os homens a usarem calças para poderem entrar. À entrada um militar impecavelmente uniformizado está em sentido; há luz natural, para além da iluminação interior e incenso, no ar; obras de arte ornamentam a ampla nave, bandeiras em profusão, vitrais e túmulos em sequência lógica e acabamento esmerado. O espaço está preparado para serviços religiosos e um itinerário marcado orienta os visitantes, pelo monumento.
Querem saber porquê? O edifício, um antigo convento dos Jesuítas, tem dignidade. Neste âmbito, estamos empatados. Mas só neste. A polícia obriga as senhoras a cobrirem-se e os homens a usarem calças para poderem entrar. À entrada um militar impecavelmente uniformizado está em sentido; há luz natural, para além da iluminação interior e incenso, no ar; obras de arte ornamentam a ampla nave, bandeiras em profusão, vitrais e túmulos em sequência lógica e acabamento esmerado. O espaço está preparado para serviços religiosos e um itinerário marcado orienta os visitantes, pelo monumento.
Discrições sóbrias identificam as
diferentes personalidades distinguidas com a homenagem de ali estarem. O
“local” está vivo, porque o presente se vive dia a dia, mas projecta o passado
no futuro.
Escrevemos em 14 de Julho de 2001
e a vida tem destas coisas.
[1] Que, por acaso, não
apreciava o futebol nem o Fado e que sempre soube separar muito bem o que dizia
respeito à Igreja e o que tocava ao Estado.
[2] Precisava era que alguns
figurões da cena política portuguesa lhe pedissem desculpa, e ao povo
português, do que fizeram!
[3] Por acaso um notável
navegador português (ver Mascarenhas Barreto, “O português Salvador Gonçalves
Zarco, agente secreto de El Rei D. João II”)
3 comentários:
Caro Brandão Ferreira,
ultimamente tenho visitado algumas cidades europeias e é com tristeza que verifico, em comparação connosco, que nós não temos "orgulho" no nosso passado e presente. Isto falando de uma forma geral. Basta olhar para as outras cidades e rapidamente nos deparamos com bandeiras e referências a esses países e cidades. Nós cá, muito timidamente hasteamos uma bandeira... outros têm vergonha de o fazer, como já uma vez tive o "prazer" de comprovar.
Dou um exemplo que se passou enquanto estudante de Engenharia Electrotécnica e de Computadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Eu alertei, no fórum virtual da referida faculdade, que a bandeira nacional não se encontrava em condições por estar demasiado degradada, as primeiras respostas foram de que era dinheiro mal gasto. Quando temos uma instituição pública que não sabe transmitir valores e símbolos da pátria, ainda para mais num estabelecimento que forma a futura "nata" nacional (ou não), que mais poderemos ter... um vazio.
Caro Brandão Ferreira,
ultimamente tenho visitado algumas cidades europeias e é com tristeza que verifico, em comparação connosco, que nós não temos "orgulho" no nosso passado e presente. Isto falando de uma forma geral. Basta olhar para as outras cidades e rapidamente nos deparamos com bandeiras e referências a esses países e cidades. Nós cá, muito timidamente hasteamos uma bandeira... outros têm vergonha de o fazer, como já uma vez tive o "prazer" de comprovar.
Dou um exemplo que se passou enquanto estudante de Engenharia Electrotécnica e de Computadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Eu alertei, no fórum virtual da referida faculdade, que a bandeira nacional não se encontrava em condições por estar demasiado degradada, as primeiras respostas foram de que era dinheiro mal gasto. Quando temos uma instituição pública que não sabe transmitir valores e símbolos da pátria, ainda para mais num estabelecimento que forma a futura "nata" nacional (ou não), que mais poderemos ter... um vazio.
A propósito da traladação dos restos mortais de Sophia de Mello Breyner Andresen ocorrida hoje - ou antes, ontem, dia 2 de Julho - para o Panteão Nacional, reli esta peça e constatei que continua pleno de actualidade tudo o que escreveu o autor do blogue a quem a palavra "lucidez" se aplica como uma luva.
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