terça-feira, 28 de janeiro de 2014

AMÁLIA E O PANTEÃO NACIONAL

Republico artigo escrito após a morte da grande fadista Amália Rodrigues, escrito em 14/7/2001.
Nele se equacionava a questão do Panteão Nacional e se antecipou o que se passaria com a morte do não menos "grande" Eusébio. Se a gestão do meu tempo mo permitir, voltarei ao assunto.
 
A vida tem destas coisas e como o povo bem diz: “vale mais tarde do que nunca”. Vem isto a propósito das justas homenagens a Amália Rodrigues, parte das quais feitas por muitos daqueles que não só a maltrataram nos idos de 74/75 (chegando a proscrevê-la!), como também atacavam o Futebol, Fátima e o Fado como “sustentáculos” do Estado Novo, visando obviamente o deu ideólogo, o Dr. Salazar [1].
 
E é curioso ver como hoje em dia os três “F” voltaram em forma: o futebol, infelizmente, com um cortejo de contínuas poucas vergonhas, como os “média” documentam e ganhando preponderância sobre o que de realmente importante se passa; Fátima, consagrada como verdadeiro altar do mundo, recebendo em pouco tempo, por três vezes, a visita Papal, e o Fado, perfeitamente consolidado, sem falta de artistas e de público de que o musical em cena há largos meses, no Politeama é sinal indesmentível.
 
A vida tem destas coisas.
 
Amália, que não precisou de ser reabilitada [2] pois nada tinha feito para tal e nunca saíra do coração dos portugueses, acabou por ser condecorada e o seu corpo transladado para o Panteão Nacional – o que se supõe constituir a homenagem oficial maior, passível de ser feita. Partimos do princípio (não está em causa a nossa opinião), que Amália merece a distinção. E é sobre os termos “se supõe” e “partimos do princípio”, atrás empregados, que queremos elaborar.
 
De facto, a Nação e o Estado Português, antigos de quase nove séculos, não tiveram, até hoje, uma doutrina definida relativamente a quem deve ou não, ter acesso a uns metros quadrados de Panteão.
 
São todos os Presidentes da República? Os Primeiros-Ministros? Só, de entre estes, aqueles que se distinguem? E quais as formas dessa distinção? Que feitos têm de cometer? E os restantes portugueses que altos serviços têm que prestar para serem objecto de tão subida Honra? Eusébio está a caminho do Panteão? Os túmulos têm de ser todos iguais? Qual o processo legal a seguir até à decisão final?
 
Muitas questões se podem e devem levantar. Aqui se deixa o alvitre para os senhores deputados se dignarem debruçar sobre este tema, de modo a encontrar uma solução, que vá para além das conveniências políticas de momento. Não dá nas vistas, é certo, mas é importante.
 
Uma ideia mais: estamos em crer que o estipulado no regulamento da Medalha Militar, seria uma boa base de partida para o trabalho a realizar.
 
Dado que a história do Panteão, já foi suficientemente dilucidada pelos diferentes órgãos de comunicação, para voltarmos a ela, queremos abordar um último aspecto e que é este: Partindo do princípio que aqueles que repousam no Panteão merecem lá estar, os mesmos não merecem, por certo, o Panteão.
 
Ou, por outras palavras, o Panteão tal como está – visitámo-lo há poucas semanas, antes da transladação de Amália. O que vimos?
 
Um edifício imponente, arquitetonicamente equilibrado e limpo. Adequado a Panteão Nacional. As boas notícias acabam, porém, aqui.
 
Toda a área circundante do Panteão, não condiz com o mesmo. Está degradada, suja, em desalinho. Aproximando-nos, verifica-se que a porta de entrada, por pequena e discreta, não está em consonância com o resto do edifício. Lê-se, ao lado (com dificuldade) as palavras “Panteão Nacional” com as letras mais pequenas que, certamente, havia no mercado.
 
Entrámos, deixando ao critério dos leitores, decidirem se acham bem que se pague para entrar em semelhante local, que devia funcionar como uma espécie de “Altar da Pátria”. A atmosfera era soturna. A iluminação muito deficiente, talvez porque naquele momento, o Panteão albergava uma exposição de arte sacra – o que de facto também não se entende! Espalhados pela nave principal e por salas menores laterais, uns poucos túmulos, alguns dos quais nem sequer dispondo de uma pequena biografia de quem, pelos seus feitos “se foram da lei da morte libertando”.
 
De resto, apenas salas vazias, paredes nuas, ambiente frio, incaracterístico. Para podermos usufruir de uma das mais belas vistas sobre Lisboa, tivemos que perguntar onde nos levaria um elevador com que topámos.
 
O Panteão como está é uma ofensa à memória dos que lá estão, um péssimo exemplo cívico e uma chaga patriótica. Nem uma Bandeira Nacional existe!
 
O edifício está subaproveitado, os empregados são cinzentos; a atmosfera não é respirável; vários dos túmulos existentes têm os corpos ausentes (caso de Camões, Nuno Álvares Pereira e outros), além de que são pouquíssimos; não há indicações sobre o que visitar, etc.
 
Numa palavra, o conjunto tem apenas a dignidade da pedra, não tem recheio e não tem alma!
 
E, estamos certos, de que era um nome desconhecido antes de Amália ir lá morar, para a grande maioria dos portugueses.
 
Tudo isto nos parece lamentável. E mais lamentável se torna quando existem termos de comparação. Não falemos sequer dos grandes países. Sejamos mais modestos.
 
S. Domingos é a capital da República Dominicana onde a actividade profissional, nos levou um destes dias. Sabem que mais, a República Dominicana, país paupérrimo, sem expressão no concerto de países e com uma História que ninguém conhece e, sem desprimor, sem qualquer relevância – tirando a que lhe é dada por nela terem permanecido Colon e seu filho [3] - possui um Panteão Nacional que envergonha o nosso.

Querem saber porquê? O edifício, um antigo convento dos Jesuítas, tem dignidade. Neste âmbito, estamos empatados. Mas só neste. A polícia obriga as senhoras a cobrirem-se e os homens a usarem calças para poderem entrar. À entrada um militar impecavelmente uniformizado está em sentido; há luz natural, para além da iluminação interior e incenso, no ar; obras de arte ornamentam a ampla nave, bandeiras em profusão, vitrais e túmulos em sequência lógica e acabamento esmerado. O espaço está preparado para serviços religiosos e um itinerário marcado orienta os visitantes, pelo monumento.
 
Discrições sóbrias identificam as diferentes personalidades distinguidas com a homenagem de ali estarem. O “local” está vivo, porque o presente se vive dia a dia, mas projecta o passado no futuro.
 
Escrevemos em 14 de Julho de 2001 e a vida tem destas coisas.


[1] Que, por acaso, não apreciava o futebol nem o Fado e que sempre soube separar muito bem o que dizia respeito à Igreja e o que tocava ao Estado.
[2] Precisava era que alguns figurões da cena política portuguesa lhe pedissem desculpa, e ao povo português, do que fizeram!
[3] Por acaso um notável navegador português (ver Mascarenhas Barreto, “O português Salvador Gonçalves Zarco, agente secreto de El Rei D. João II”)

3 comentários:

Unknown disse...

Caro Brandão Ferreira,

ultimamente tenho visitado algumas cidades europeias e é com tristeza que verifico, em comparação connosco, que nós não temos "orgulho" no nosso passado e presente. Isto falando de uma forma geral. Basta olhar para as outras cidades e rapidamente nos deparamos com bandeiras e referências a esses países e cidades. Nós cá, muito timidamente hasteamos uma bandeira... outros têm vergonha de o fazer, como já uma vez tive o "prazer" de comprovar.

Dou um exemplo que se passou enquanto estudante de Engenharia Electrotécnica e de Computadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Eu alertei, no fórum virtual da referida faculdade, que a bandeira nacional não se encontrava em condições por estar demasiado degradada, as primeiras respostas foram de que era dinheiro mal gasto. Quando temos uma instituição pública que não sabe transmitir valores e símbolos da pátria, ainda para mais num estabelecimento que forma a futura "nata" nacional (ou não), que mais poderemos ter... um vazio.

Unknown disse...

Caro Brandão Ferreira,

ultimamente tenho visitado algumas cidades europeias e é com tristeza que verifico, em comparação connosco, que nós não temos "orgulho" no nosso passado e presente. Isto falando de uma forma geral. Basta olhar para as outras cidades e rapidamente nos deparamos com bandeiras e referências a esses países e cidades. Nós cá, muito timidamente hasteamos uma bandeira... outros têm vergonha de o fazer, como já uma vez tive o "prazer" de comprovar.

Dou um exemplo que se passou enquanto estudante de Engenharia Electrotécnica e de Computadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Eu alertei, no fórum virtual da referida faculdade, que a bandeira nacional não se encontrava em condições por estar demasiado degradada, as primeiras respostas foram de que era dinheiro mal gasto. Quando temos uma instituição pública que não sabe transmitir valores e símbolos da pátria, ainda para mais num estabelecimento que forma a futura "nata" nacional (ou não), que mais poderemos ter... um vazio.

Vítor Catulo disse...

A propósito da traladação dos restos mortais de Sophia de Mello Breyner Andresen ocorrida hoje - ou antes, ontem, dia 2 de Julho - para o Panteão Nacional, reli esta peça e constatei que continua pleno de actualidade tudo o que escreveu o autor do blogue a quem a palavra "lucidez" se aplica como uma luva.