01/10/10
No dia 29 de Setembro último, o par político que mais músicas tem dançado junto, percorrendo o largo leque que vai do tango ao passo doble, passando pelo “chá-chá-chá” veio, com ar grave, de gatos-pingados, dar-nos os pêsames, perdão, fazer o anúncio do que já pode ficar conhecido como “PEC3” (ainda vamos ter muitos mais para contar…).
Estes prestimosos patriotas, tiveram o cuidado mediático de se fazerem anteceder, uns dias antes, de vários portadores de más noticias, de que se destaca um enviado da OCDE. Não há nada como preparar o terreno e arranjar uma desculpa de mau pagador…
De qualquer modo, os “culpados” maiores das medidas anunciadas – o que, obviamente, lamentam – são as agências de rating e as instituições financeiras, que nos emprestam dinheiro, que não param de nos aumentar os juros e de adjectivar, negativamente, com epítetos que os meus brios patrióticos, impedem de referir. Mas que penso serem merecidos. Ou seja, fomos nós, isto é, quem nos tem governado (e por extensão quem neles votou), que nos colocou na péssima situação em que nos encontramos.
E o primeiro erro a apontar é justamente este: ninguém ter tentado suster o caminho para o abismo, sendo as razões para isto, cada uma pior que a outra.
Ora justificar as medidas com os “prestamistas” é outro erro de monta, pois se assemelha a uma operação plástica de uma velha gaiteira. Os governantes portugueses não deviam estar preocupados com os “mercados”, têm é que estar preocupados em dar conta das razões pelas quais estamos neste buraco (e pedir desculpa à população), e o modo de as resolver. Sem isto feito, passaremos o resto das nossas vidas a fazer empréstimos…
Se deixarmos de pedir emprestado (aliás não se percebe porque é que o governo não pede emprestado, também, aos portugueses em vez de pedir aos tubarões das finanças internacionais), vão ver como deixam de nos aumentar os juros. E para apertos, tentem a China, a Rússia, a Arábia Saudita, até mesmo o Irão. Verão que arranjam juros mais baratos…
A receita é simples, é a receita de uma boa dona de casa: não se pode gastar mais do que se tem; cortar no supérfluo, fazer economias e com estas investir – organizando o trabalho para se produzir mais. Não é preciso ser economista para se ver isto…
Agora reparem: quanto a cortes, não os há a sério, pois para isso era preciso cortar onde dói aos políticos: na Presidência da República (mais cara que a casa real espanhola), no orçamento da Assembleia da República; nos governos das Regiões Autónomas; cortar a sério nos mais de 300 concelhos e 4000 freguesias; nos institutos públicos, fundações, empresas municipais, cortar na ostentação (viagens, carros, cartões de crédito, seguros, etc.); cortar nas reformas milionárias e na acumulação de reformas no estado; cortar nos vencimentos pornográficos dos dirigentes das empresas estatais; acabar com as consultorias de câmaras e ministérios em outsourcing; cortar nas obras públicas escusadas ou incomportáveis, etc. Arranjavam-se logo muitas centenas de milhões e cortava-se no endividamento, mas não, há que espremer a classe média, os trabalhadores por conta de outrem e os reformados! Ninguém deve colaborar sem que a classe politica dê o exemplo e se meterem eventuais criminosos na prisão!
Por outro lado, em termos económicos, vamos de mal a pior – os fundos da UE anestesiaram-nos… A politica agrícola comum, sobretudo fomentada pela França, arruinou a nossa agricultura; a falta de pescado, versus a nossa enorme ZEE, mais a ganância da Espanha, tem reduzido as pescas a uma sombra; finalmente a máquina trituradora alemã, a que se juntaram os efeitos da “globalização” (que os grandes fomentaram…), estão a matar rapidamente todo o tecido industrial.
Tudo isto foi amplamente prejudicado pela má aplicação dos fundos de coesão e outros – de que nunca foram apresentadas contas – que, em vez de serem canalizados para um bom desempenho da educação; investigação cientifica; modernização das empresas e na criação de nichos de mercado que representassem mais valias futuras, desapareceram em muito cimento, saneamento básico, subsídios a fundo perdido (ou que ninguém fiscalizava…), cursos fantasmas, abate de meios de produção, tudo acompanhado de corrupção q.b. Passou-se nas barbas de toda a gente…
É certo que muitas das infra-estruturas realizadas foram importantes para a melhoria de vida da população, mas não houve preocupação em garantir o futuro. A demagogia dos votos e o “venha a nós o vosso reino”, falou mais alto.
Com a economia em plano inclinado, agravada pela crise financeira que uma especulação desenfreada e muita aldrabice, espoletou, constata-se o que nos resta: uma classe empresarial com uma formação média baixa, eivada do primado do “ser dono” do que ser “empresário”, com uma cromossomática tendência para quererem ser ricos amanhã e não para o ano que vem, e em descapitalizar para comprar ferraris, casas de campo, ou ir a banhos em paraísos tropicais; as médias e pequenas empresas (que são a maioria), asfixiadas pelas más leis do estado, pelas engenharias financeiras e pelos impostos, agravado com as dificuldades de crédito e pela péssima prática – que se tornou corrente – de ninguém pagar a horas nem cumprir compromissos; com uma massa de “colaboradores” – parece que se passou a chamar assim aos “trabalhadores” – eivados do complexo dos direitos adquiridos, com dificuldades em adoptar um maior grau de flexibilidade quanto a locais, horários, organização e métodos de trabalho e com as associações patronais e sindicatos com uma dramática dificuldade em se concertarem. A Economia agoniza.
Finalmente, uma Justiça que não funciona e por isso não permite o normal fluir da vida e dos negócios nem a resolução do contencioso, resultando de tudo isto um péssimo exemplo de Estado que deixou, naturalmente, de ser considerado uma pessoa de bem.
Ora tudo isto impede não só a economia de funcionar, como a própria Nação funcionar. E o “sistema” em vigor acabou por engendrar uma situação de bloqueio político de que ninguém sabe como há-de sair e o que fazer.
Resumindo, sem cortar e assumir no que se deve e sem capacidade de produzir mais e melhor para exportar mais (a entrada no euro impede-nos até, de desvalorizar a moeda para podermos tornar mais competitivos), estamos condenados a viver pior e a passar maus bocados.
Por outro lado é urgente colocar o sistema financeiro ao serviço da economia e da população e não permitir que sirva apenas para engordar banqueiros.
Mal o chefe do governo, na prédica referida, anunciou que ia aumentar o imposto sobre a banca – sem especificar quando, como, e em que montante… – logo no dia seguinte, o gerente – mor da CGD (que, por acaso, é do Estado!), veio dizer que tal imposto se iria repercutir no público! O PM que se cuide, da última vez que um antecessor seu, falou nisto, não durou umas semanas no governo, não foi Dr. Santana Lopes?
Para além de tudo isto terá que haver um combate a sério à especulação e corrupção, qualquer que seja. E tal tem que começar a doer, isto é, tem que ir gente presa e para prisões que não tenham quatro refeições diárias, televisões, telemóveis, ginásios, destribuição de seringas, etc. Tem que ser uma prisão a sério.
Mas estejam os leitores descansados que nada disto vai acontecer. Os partidos políticos são incapazes de se reformar. Vamos continuar com mais do mesmo, muita demagogia, mentiras, engenharias financeiras, como aquela irresponsabilidade anunciada pelo Sr. Ministro das Finanças, de passar o fundo de pensões da PT para o Estado, ainda por cima dando a desculpa aleivosa dos submarinos. Uma vergonha.
Iremos, pois, continuar assim, até que os números de circo já não cheguem para iludir a falta de pão.
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