OS
PILOTOS E A IMPOSIÇÃO DE “BREVETS”
1/1/2018
“Eu não pensava
que as tuas ordens tivessem uma
autoridade tal que um mortal pudesse permitir-se
de transgredir as leis não escritas, mas
imprescri–
-tíveis, dos deuses. Porque não é de hoje
nem de
ontem que elas estão em vigor, mas desde sempre
e ninguém
sabe quando elas foram promulgadas”.
Antígona,
filha de Édipo, a seu tio, o Rei Creonte,
que
tinha recusado sepultura a seu irmão Polinices.
(“Antígona”, de Sófocles, Atenas, 440 AC.).
Representação de “Antigona”, de Sófocles.
“Quando aqueles que comandam perderam
a vergonha, os que obedecem perdem o
respeito”.
Cardeal DE Retz.
Há regras que não estão escritas e não
precisam de estar escritas.
É como se constituíssem em “Direito
Consuetudinário”, pois vêm de sempre; de tempos imemoriais e cujas origens se
perdem na bruma da memória.
E não só
consuetudinário, também de Direito Natural, tão esquecido e maltratado.
São de tradição.
Outras, ainda, derivam de simples bom senso,
ou seja, o senso comum, que também ninguém sabe definir, mas que toda a gente
entende o que é, ou o que significa…
E não se trata de lendas e narrativas pelo
simples facto que se praticam no dia - a - dia.
Vem este arrazoado a propósito da imposição
das “asas” aos instruendos que acabam os seus cursos de pilotagem e a quem são
entregues os respectivos diplomas de formatura, acompanhados pelo ritual de
imposição da “asa”, símbolo que o novo profissional do “ar” usará até ao fim
dos seus dias.
É um segundo bilhete de identidade.
Existem cursos de pilotagem, em Portugal,
desde 1916, tendo o primeiro tido lugar no aeródromo de Vila Nova da Rainha, onde
funcionou a primeira escola militar de aviação. Neste curso, com início em 1 de
Outubro, formaram-se 13 pilotos, cujos instrutores tinham sido formados em
França e Inglaterra.[1]
Este evento, pela importância que lhe foi
concedido, mereceu que a imposição dos “brevets” – as tais “Asas”, tivesse
lugar em sessão solene, na Sala Portugal, da Sociedade de Geografia de Lisboa,
em 10 de Maio de 1917.
Como curiosidade refere-se que o primeiro
aluno a completar o curso, foi o 2º Tenente da Armada, Eduardo Azevedo de
Vasconcelos, em 29/3/1917.
Quanto aos pilotos civis, o primeiro a ser
formado em Portugal, foi Carlos Eduardo Blek, em 1925, ainda na Escola Militar
de Aviação, em Sintra.[2]
A razão para tal deveu-se ao facto da
primeira escola civil de aviação, remontar a 1930, em instalações cedidas, na
Granja do Marquês, onde funcionava a Base Aérea nº 1, tendo sido criada no seio
do Aeroclube de Portugal, instituição de referência, fundado em Lisboa, em 27
de Abril de 1909.
E, tanto quanto a nossa vista alcança e o
conhecimento adquiriu, sempre os “brevets” foram apostos no lado esquerdo do
peito, junto ao coração, por outros pilotos, com destaque para os
instrutores de voo.
Tal era, e é,
válido, tanto no âmbito civil como militar.
Creio que nem sequer é preciso pedir
emprestado a Lógica, para defender que as coisas se devem passar assim.
Não se trata de perpectuar falsos elitismos,
embora os pilotos pela sua formação e especificidade tenham direito a tal
“título”, que devem assumir naturalmente, sem egocentrismos ou arrogâncias
descabidas.
Tão pouco se trata de exibir complexos de
casta ou ritual de tribo, muito menos representa um pacto de sangue de uma
qualquer associação secreta.
É apenas o corolário lógico e natural do fim
de um percurso difícil, selectivo, exigente e peculiar que é ensinado numa
“sala de aula especial” que se move na atmosfera, desafiando as leis da
gravidade; em que a passagem dos ensinamentos é feita de um para um (um
instrutor para um aluno), tudo se passando num âmbito e numa ambiência única.
Única, porque deriva da própria natureza das
coisas e é irrepetível noutras profissões.
Ora tal permite e origina o estabelecimento
de uma convivência que desenvolve uma maneira de ser e estar também ela única e
típica.
Sem embargo destes aspectos serem mais
acentuados nos pilotos militares do que nos civis, por razões que não vou agora
dilucidar.
Serem os pilotos a imporem as asas aos
futuros pilotos tornou-se assim, um Princípio e um princípio
doutrinário. E, na vida, nós devemos ser flexíveis nas técnicas, nas tácticas,
nas fórmulas, na organização, etc.. Mas devemos ser inflexíveis nos Princípios.
Mas como a natureza humana é insondável,
sempre aparece alguém que não se conforma com aquilo que o tempo sedimentou e a
tradição e o senso comum, instituíram como norma.
Quer seja por egoísmos de umbigo; gostar de
andar em bicos de pés ou, simplesmente, porque “se há governo, eu sou contra”
(tradução livre do castelhano).
Nada disto, porém, tem a ver com adaptações
indispensáveis ou ajustadas ao evoluir da Sociedade, ou do “negócio” mas,
simplesmente, a circunstancialismos de ocasião, modismos transitórios e a
relativismos vários, dos quais o (relativismo) moral não é o menos despiciendo.
Raramente existe alguma boa ou recta intenção
envolvida.
É sabido (ignoro por quanto tempo…) que na
vida militar existem regras e disciplina, que definem e normalizam grande parte
do comportamento e defendem, mais facilmente os seus servidores (não
“trabalhadores”, tão pouco “colaboradores”) de injustiças e arbítrios.
Tudo isto cria uma ordem. Ora a Ordem liberta
mais do que oprime…
Não é assim na vida civil (embora haja
excepções, que servem para confirmar a regra).
Qualquer filho
d’algo que tenha negócio montado, apenas quer uma regra, que é não ter regra
nenhuma.
Ou seja querem ter a “liberdade” (ou
libertinagem?) para fazer o que lhes apetece, quando lhes apetece, ou convém.
Ou julgam que lhes convém.
Ora foi uma cena destas que se passou numa
recente imposição de asas numa escola de pilotagem: foi permitido a um não
piloto, com alegações frustres, colocar “asas” em futuros pilotos.
Quando os princípios ancestrais e que não estão
errados, mas certos, deixam de ser cumpridos por quem tem o dever de o fazer,
ou a censura social não é suficiente para refrear a asneira, deve pensar-se em
regulamentar os eventos.
À consideração de quem de Direito.
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto
Aviador
[1]
O Serviço de Aeronáutica Militar foi criado por lei de, 14 de Maio de 1914.
[2]
Carlos Bleck realizou o seu primeiro voo (15’), no então “Grupo de Esquadrilhas
de Aviação República”, sito na Amadora. A 21 de Novembro foi admitido na Escola
Militar de Aviação como piloto civil, mas razões de saúde levaram a que só em
1925, pudesse fazer o curso. Fez parte da Direcção do Aero Clube de Portugal,
que fundou a primeira escola de aviação civil. Foi um verdadeiro pioneiro do
AR!
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