domingo, 5 de fevereiro de 2017

AS FORÇAS ARMADAS VÃO FICAR REDUZIDAS A MESTRES E DOUTORES?



AS FORÇAS ARMADAS VÃO FICAR REDUZIDAS A MESTRES E DOUTORES?


4/2/2017

            A coisa vem de trás.
            Começa aí por meados dos anos 80 do século passado.
            Os fumos de “glória” do 25 de Abril já se tinham ido há muito, tendo a Instituição Militar saído completamente ferida e rebaixada da Descolonização e do “PREC”.
            O 25 de Novembro ficou a meio (ou nem isso) e as feridas levam tempo a sarar.
            Algumas nunca saram.
            As Forças Armadas ficaram de mal consigo próprias e com a Nação. E esta com aquelas.
            Nunca ninguém quis admitir isto.

                                                               *****
            Extintas as escolas industriais e comerciais – erro imperdoável que ainda não foi reparado – quis fazer-se de toda a gente um licenciado numa área qualquer. Pois não temos todos nós direito a tudo e não somos todos iguais?
            Está até, na Constituição…
            Como entretanto o Ministério da Educação implodiu e foi sendo ocupado por sucessivas vagas de gente dificilmente adjectivável, a qualidade do ensino e dos professores; a disciplina nas escolas; a avaliação; a estabilidade dos programas e dos compêndios, da pedagogia, e as próprias infraestruturas, caíram a pique.
            Deixou de haver escola para haver choldra.
            Daí para cá poucas melhorias houve, apesar dos sucessivos orçamentos de novos - ricos atribuídos ao sistema – um poço sem fundo![1]
            Parece que rendia votos e apaziguava consciências.
            Por isso é risível (se não fosse trágico) a tão apregoada qualidade das actuais gerações que brotam do sistema, baptizadas, sem água benta, das “mais bem preparadas de sempre”!
            Apregoam isto com ar sério e não dei conta, até agora, de nenhum filho d’algo que o rebata.
            Entretanto o “negócio” do ensino disparou, sobretudo nas áreas das ciências sociais (que só exige “papel e lápis”), sem que os poderes do Estado o tentassem regular, assistindo-se apenas a uma inquinada discussão ideológica sobre o ensino privado e o público…

                                                                    *****
            O ensino militar, apesar de tudo, resistiu muito melhor (pondo de lado o que se passou nas escolas militares em 1974/75…).
            Afastados das lides culturais e até dos avanços na guerra convencional, por via das longas campanhas contra subversivas no Ultramar Português entre 1961 e 1974, foi preciso um esforço de reconversão enorme logo que a estabilidade institucional se foi ganhando a seguir aos eventos ocorridos em 25 de Novembro de 75.
            Esse esforço fez-se e foi notável.
            A Força Aérea (FA) e a Marinha recuperaram mais facilmente do que o Exército.
            A FA porque teve um notável Chefe de Estado-Maior (o General Lemos Ferreira) que impôs uma dinâmica difícil de imitar; a Armada porque foi o Ramo menos afectado pela guerra e porque manteve sempre uma presença e ligação à NATO.
            O Exército por ser o Ramo mais causticado pelo conflito e pelo PREC; por ter um número de efectivos superior; ser tecnologicamente mais atrasado e, até, por dominar menos a língua inglesa, teve mais dificuldade em “dar o salto”.
            Mas a Instituição Militar – não por acaso, por causa das suas características – no seu todo andou à frente do ensino civil, coisa que a generalidade dos próprios militares, incluindo as suas chefias, nunca deu conta (os militares acabam sempre por ser vitimas deles próprios…).
            Deu-se, “naturalmente”, sobretudo a partir da publicação da Lei de Defesa Nacional e das FA, em 1982, um auto rebaixamento dos militares e uma sobranceria por parte da chamada intelectualidade civil no âmbito das mais - valias académicas, facto que era exacerbado pelas forças políticas do “centrão” que nunca perdoaram a existência do Conselho da Revolução e os dois Pactos MFA/Partidos.
            O PCP, apesar da sua prudência (enquanto minoritários), nunca reconheceu nada que não se paute pela sua cartilha, e da extrema - esquerda nem vale a pena falar por via dos seus preconceitos, estereótipos e militância contra tudo o que cheire a fardas ou tenha a palavra “militar”.
            Daqui à questão das “equivalências universitárias” foi um passo (questão que nunca se tinha colocado até 1974).
            Convenhamos que até poderia haver vantagens em ter este assunto harmonizados entre militares e civis, mas o que se veio a verificar foi a tentativa de invasão do ensino militar pelo ensino civil, chegando-se ao ponto de ter havido uma tentativa de colocar um catedrático civil como uma espécie de Reitor do Instituto sito em Pedrouços, onde entretanto se agruparam os cursos de formação e promoção comuns aos três Ramos das Forças Armadas (e, nalguns casos, a GNR)! [2]
            A adopção dos cursos de Bolonha veio dar mais um sério abalo em todo o conjunto.
            Pelo meio passaram-se as mais desvairadas coisas: pensar que um oficial das áreas de engenharia ficaria melhor á frente de uma Academia Militar; privilegiar áreas de ensino civil em detrimento das disciplinas militares; querer que um cadete passasse a ser um super-homem académico; fazer cortes a esmo na preparação física e no desporto militar; querer impor limites aos tempos lectivos dos militares e “adequá-los” aos mesmos das universidades civis - como se pudesse haver alguma comparação possível; haver preocupações em dar equivalências civis, para que os futuros oficiais, pudessem encontrar emprego noutras áreas quando abandonassem o serviço activo - como se alguma vez tenha passado pela cabeça de alguém ter essa preocupação relativamente a um outro curso/profissão qualquer, etc.
            Um etecetera penoso.
            E foi assim que, pouco a pouco, se chegou ao ponto de ser “bem”, que um militar, numa altura qualquer da sua carreira, conseguisse um grau académico civil. Os regulamentos de avaliação de mérito dos militares passarem até, a ter isso em conta.
            A exigência de nas escolas superiores militares, passar a haver uma percentagem de professores “doutorados”, também contribuiu para esta “febre”.
            E, claro, com mais um canudo na mão, sempre se pode iludir a ideia feita em áreas de pensamento da sociedade, em que um militar é assim uma espécie de bípede quadrado, aparentado à família dos asnos…
            Ora tudo isto não é mais do que um sintoma profundo do descalabro em que o conceito da “profissão” militar caiu na generalidade da população, o que foi exponenciado pelo desprezo dos políticos, a falta de isenção, silêncio, incompetência e acinte da comunicação social; o fim do serviço militar obrigatório, a ignorância cívica e a falta de consciência colectiva de qualquer tipo de ameaça externa.
            Não quero, porém, ser mal interpretado: obter um grau académico é, à partida, uma mais - valia quer em termos individuais, quer coletivos.
             Mas as coisas têm que estar em perspectiva e não se deve perder de vista os objectivos fundamentais dos oficiais e sargentos das FA, que é o de serem capazes de comandar unidades militares num teatro de operações, onde e quando necessário e em quaisquer circunstâncias.
            Ora isto não se coaduna com diletantismos académicos e logo numa instituição onde os seus quadros já passam, desde há décadas, cerca de um quarto do seu tempo de serviço ocupados em cursos – o que não tem paralelo em qualquer outra profissão…
            Ou seja os graus académicos civis devem ser vistos como complemento das exigências e necessidades militares, ou para cumprir um objectivo específico e sempre devidamente orientados.

                                                                  *****
            A Instituição Militar, como tal, tem-se mostrado perfeitamente incapaz de reagir a toda a degradação que a afecta (e à Nação) e os militares confundem amiúde, causas e efeitos mantendo a “ordem de batalha” constantemente desactualizada.
            Finalmente, a constante redução de efectivos, perspectivas de carreira, fecho de unidades; falta de sistemas de armas; redução de capacidades, competências, retribuições, etc., têm tido efeitos devastadores sobre o moral de todos passando-se, a nível das chefias, ao modo de sobrevivência e ao nível do quadro permanente, ao modo do “salve-se quem puder”.
            E que outras alternativas existem para quem não tenha quem os defenda; não haver navios para navegar, aviões para voar e homens para comandar? Dinheiro para exercícios, para a assistência social, para … nada?
            Por isso, caros leitores e compatriotas, um dia destes verão o que resta da tropa, quase todos transformados em doutores, mas ninguém que saiba dar um tiro.
            Também, que diabo, como é que se pode ter alguém que saiba dar um tiro, se nem sequer há munições?





                                                  João José Brandão Ferreira
                                                      Oficial Piloto Aviador


[1] Muito à custa do orçamento da Defesa e Segurança…
[2] Chamemos-lhe apenas Instituto, pois já não há paciência para referir o nome completo, tal tem sido a profusão de mudanças!

2 comentários:

Ricardo A disse...

E a comentadores na tv e afins(ontem vi mais um General à paisana na rtp 3,programa chamado "princípio da incerteza").

Ricardo A disse...

"A primeira lição do processo português é que o Exército,a defesa tradicional dos valores e da fronteira territorial da Nação,pode ser um instrumento mortal,quando está manipulado por um grupo selecto de militares politizados por uma ideologia anti-nacional.
Para os países Ocidentais a saída parece ser a politização das forças armadas,seguindo o exemplo do que se fez na URSS e no império asiático-europeu.
Não são necessários os comissários políticos,mas é indispensável uma formação adequada no campo político-ideológico de modo a preparar as tropas para a sua função específica: defender a Nação contra todos os inimigos; internos e externos.
Loureiro dos Santos está errado quando afirma que as FA servem para defender a "democracia".Mas o que é esse regime?É o País que conhecemos ou a oligarquia que tomou conta dele?É uma coisa que passará sobre montes de ossos e ninguém estará disposto a morrer por tamanha mentira.
Há algo que nunca devemos esquecer: com gritos de "Viva Portugal" e de "Viva a Liberdade",e ainda com o "Povo Unido jamais será vencido" destruiu-se Portugal e a liberdade de viver independentemente.
Trata-se esta,da grande lição de Lisboa,que diz respeito ao oportunismo,à bancarrota,à traição e por fim,à vil vida que ficámos condenados a viver,sem direito a queixas porque foi um povo sem memória,deseducado,imbecilizado,que bateu palmas ao fim de si mesmo.E que ainda não aprendeu nada,o que é o mais grave.
Não escrevo,como é óbvio,senão para avivar memórias que para alguns são dolorosas.A Rua já não se lembra de nada e pensa que tudo começou agora com a nova oligarquia para quem dirige a sua ira.
Esqueceram-se obviamente que herdaram um país com finanças equilibradas,sem dívidas,sem necessidade de ir cabeça baixa falar ao senhor Hollande e à senhora Merkel,os melhores representantes do dominante eixo dos senhores de Berlin/Paris.O povo perdeu a liberdade,mas nem deu por isso."

António Marques Bessa in Portugal - Tempo de Todos os Perigos