A VISITA À ÍNDIA [1]
24/1/17
“Uma
nação pode sobreviver aos seus loucos, mesmo aos ambiciosos. Mas não consegue
sobreviver à traição vinda de dentro. Um inimigo às portas é menos formidável,
pois ele é conhecido e transporta a sua bandeira à vista. Mas o traidor
movimenta-se livremente entre aqueles que estão dentro de portas, o seu
murmúrio malicioso percorre todas as ruelas e é ouvido nos corredores do
governo, ele próprio. Pois o traidor não aparenta ser traidor; ele fala de um
modo familiar às suas vítimas, e desgasta a sua face e os seus argumentos; ele
apela à vileza que mora fundo no coração de todos os homens. Ele apodrece a
alma de uma nação; ele trabalha secretamente e oculto na noite, a fim de minar
os pilares da cidade, ele infecta o corpo político a fim de que este não mais
possa resistir. Um assassino é menos de temer.”
Marcus
Tullius Cícero
O nosso primeiro (não confundir com
a linguagem militar, que designava o primeiro sargento da companhia, no antigo
Exército Português – figura, aliás, estimável e importante) lá foi à União
Indiana (UI), desta feita não à procura de cristãos mas à cata de negócios,
onde já não entra a pimenta.
Evitou Calecut; fez bem, aquilo
nunca foi terra que se cheirasse.
Disse-se abundantemente que era a
primeira visita de um Primeiro-Ministro Português nas últimas quatro décadas. É
verdade, mas não é a verdade toda; o certo é que desde 15 de Agosto de 1947 –
data da independência da União Indiana, que a obteve do Reino Unido – nenhum
alto político português visitou aquele novo país, herdeiro de várias
civilizações muito antigas (com uma excepção que veremos à frente).
Nem tal se justificou dado que logo
na sequência da sua independência, nos começaram a fazer má vizinhança por
causa dos territórios portugueses que constituíam o Estado da Índia (Goa, Damão
e Diu e suas dependências – agora é preciso esmiuçar isto, pois o estado do
sistema educativo é o que sabemos).
As relações diplomáticas foram
rompidas, em 8 de Agosto de 1955, por iniciativa da UI, ficando o diálogo
possível, assegurado pelo Brasil, relativamente à parte portuguesa e pelo Egipto,
em representação da UI.
E assim ficaram (as relações) até
1975, tendo a situação piorado catastroficamente após a inqualificável invasão
militar dos territórios portugueses, em 18 de Dezembro de 1961. Depois,
note-se, de Portugal ter ganho em Haia (sentença de 12 de Dezembro de 1960), a
questão sobre Dadrá e Nagar - Aveli.
É preciso que se diga e repita, pois
a verdade é coisa assaz arredia da política, da comunicação social e da escola
portuguesas, que a UI nunca teve uma réstia de razão do seu lado, em todo este
conturbado percurso. [2]
Porém, uma figura destacada do
Estado Português visitou a UI já no período desta terceira república, onde as
bananas continuam a um preço assaz baixo mesmo com a “crise”: foi o Dr. Mário
Soares, enquanto Presidente da República.
Mais à frente perceberão que ele não
foi lá apenas para passear de elefante ou para se diferenciar de Deus: “Deus está
em todo o lugar, mas Mário Soares, já esteve”.
A sabedoria popular é tramada e não
perdoa…
Quero, sem embargo, deixar claro que
não estou contra a visita do PM Português, como tal e nas circunstâncias
actuais, á UI.
A vida continua e o interesse dos
estados e das populações tem que continuar a ser exercido.
O que pretendo é recordar como se
chegou aqui, para que se possa caminhar para a frente com os pés no chão e com
alguma (já nem peço mais) dignidade.
A ocupação militar de Goa, Damão e
Diu nunca foi reconhecida pelo Estado Português. A nacionalidade de quantos
nasceram portugueses – como o pai do Dr. Costa – era garantida.
Aliás, o PM na entrevista que deu
em Frankfurt teve a infeliz ideia de dizer que estava orgulhoso de ir à India
como descendente de indianos. Está equivocado Dr. Costa, o senhor é descendente
de portugueses pois na terra onde nasceu essa parte da sua família, flutuava a
bandeira das quinas havia séculos.
Que menoridades mental e pobreza de
espírito, Dr. Costa! Já era tempo de aprender a colocar-se no seu lugar.
Por isso se percebe que quando o PM
Indiano Narendra Modi teve a aleivosia de dizer que o senhor era um “exemplo do
dinamismo da diáspora indiana” V. Exª calou-se, em vez de lhe retorquir que era
exactamente o contrário, ele a ser exemplo, seria da diáspora portuguesa…
Até 1974 havia deputados na
Assembleia Nacional – na altura o Parlamento era “nacional” e não apenas
republicano … - em representação do Estado da Índia (que, lembro, tinha a
designação de “Estado” desde o século XVII). Estes territórios foram mantidos
na Constituição como portugueses.
O Governo Português nunca deixou de
lutar nos “fora” internacionais contra a injusta e grosseira violação do
Direito Internacional, existente. E os oficiais das Forças Armadas Portuguesas
não apertavam a mão aos oficiais indianos quando, raramente se cruzavam com
eles em países terceiros.
Chama-se a isto em termos de Estado,
ter dignidade e em termos individuais, ter carácter e vergonha na cara.
Em síntese, a UI tinha o direito da
Força mas não tinha a força do Direito, tão pouco, moral política ou qualquer
outra.
Na sequência de uma madrugada ocorrida
em 25 de Abril de 1974, o Estado e a sociedade portuguesa anarquizaram-se,
situação que ficou para a História (até ver) como a “conquista da Liberdade e
da Democracia”.
Um dos muitos protagonistas de então
foi como se sabe, o Dr. Mário Soares.
A quem cognominaram como o “pai da
democracia”.
Ora foi justamente este cidadão,
recentemente desaparecido do mundo dos vivos, que, sendo Ministro dos Negócios
Estrangeiros (MNE) do II Governo Provisório, procurou o MNE da UI, J.B. Chavan,
aquando da XXIX sessão da Assembleia - Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque,
em 24 de Setembro de 1974.
E, sem estar mandatado para tal, por
ninguém e sem que nada o justificasse, teve a iniciativa de lhe propor o
reconhecimento “de jure” da escabrosa invasão e ocupação, de Goa, Damão e Diu,
e o reatamento das relações diplomáticas!
Esta reconhecimento acabou por ser
aceite pelas autoridades em Lisboa, por um Tratado em, 31 de Dezembro de 1974,
tendo sido aprovado pelo Decreto 206/75.[3]
O aviso de que se tinham trocado os
instrumentos de ratificação só foi tornado público, em “18 de Junho de 1973”, o
que se crê ter sido uma gralha de imprensa dado tal data se reportar ao
consulado do Dr. Marcello Caetano…
A data correcta é 13 de Junho de
1975 e, até há muitos anos atrás, ainda não tinha sido feita a emenda.
Note-se que tudo o que se passou foi
ao contrário da posição assumida aquando da invasão de Timor pela Indonésia
(que nunca nos tinha feito má vizinhança) situação muito menos gravosa do que
aquela ocorrida com a UI [4]
E Timor, segundo Mário Soares - que
passou e ainda passa, por ser um poço de cultura – era apenas “uma ilha
esquecida do arquipélago indonésio, com poucas ligações a Portugal”…
As relações diplomáticas foram
restabelecidas, mas poucos frutos deram até hoje, para além da citada visita do
conhecido “globetrotter”.
O Estado Português “esqueceu-se” de
preservar a cultura portuguesa nos territórios onde a nossa bandeira flutuou
por 450 anos (a UI só tem 70…) e em apoiar quem teimosamente lá ficou e ainda
venera Afonso de Albuquerque e Francisco Xavier.
Os indianos não quiseram saber de
“democracias” nem de condenações do “colonialismo”, nem de afirmações de
amizade.
Desde então enviaram cá meia dúzia
de conferencistas que, por norma, nos insultam em nossa casa e, até hoje, Nova
Deli por razões que só eles sabem, ainda não se “atreveu” a publicar as baixas
que tiveram durante a invasão, que tudo fizeram para ser um passeio militar (e
alguns de nós ajudaram…).
Esta é a realidade a que os futuros
governos nacionais (?) terão que fazer face.
Felizmente, do que me foi dado conhecer
da visita ambas as partes se mostraram comedidas e prudentes em relação ao
passado que referi.
Querer fazer de Portugal uma porta
de entrada das centenas de milhões de indianos para a UE é que já me pareceu
ser um grande tiro no metatarso. E o PM não deixará de ouvir remoques, quando
for a Bruxelas, por isso…
E até posso compreender, finalmente,
que não quisesse oferecer uma réplica da nau do Gama ao PM indiano, agora
entregar-lhe a camisola da selecção com o número do CR7!?
Oh, Dr. Costa…
João José
Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] Melhor dizendo à União Indiana, já que não se deve confundir “Índia”
com o subcontinente indiano onde vicejam vários estados, embora seguramente
nenhuma Nação…
[2] O Ministério dos Negócios Estrangeiros tem até tudo bem documentado
nos seus arquivos e publicou uma notável colectânea de documentos intitulados
“20 Anos em Defesa do Estado Português da Índia 1947-1967”.
[3] Diário do Governo, I série, nº 90, de 17 de Abril de 1975 e Diário do
Governo, I série, nº 106, de 8 de Maio de 1975. Assinaram, Mário Soares, Vasco
Gonçalves e Costa Gomes.
[4] Como, facilmente se poderá demonstrar.
7 comentários:
Permita-me Brandão Ferreira que aqui deixe expressa a minha saudade de um dos heróis na defesa do Estado Português da India: o então sargento Antonio Semedo.
Baixas durante a invasão? Ai tiveram, tiveram. E não foi poucas. Não contavam com a reação, dada a desproporcionalidade das forças em presença. E quando não se respeita o inimigo paga-se caro.
Cumprimentos
Carneiro Dias
Cavaco Silva também visitou a UI em 2007
Abraço
Jorge Estevez
Cavaco Silva visitou a UI em 2007
Nova Deli, Bangalore, Bombaim e Goa durante onze dias
Abraço
Jorge Estevez
Caro Brandão Ferreira,
Esqueceu-se de uma história interessante. A devolução das jóias à guarda do BNU, "com proprietários conhecidos", mas que (que outro poderia ser?) Mário Soares mandou entregar à UI.
Veja https://www.cgd.pt/Institucional/Patrimonio-Historico-CGD/Estudos/Documents/Joias-da-India.pdf
Abraço,
António Albuquerque
O meu pai era marinheiro da marinha mercante e viajou pelo "império português". Das primeiras vezes que foi à Índia Portuguesa circulavam libras e quase ninguém falava português, para descarregar vinham trabalhadores em camiões directamente da União Indiana. Aquilo esteve um bocado ao abandono até ter começado a ir mais tropa para lá... após o Neru ter mostrado vontade de anexar o território.
O meu pai estava no "Índia", navio que trouxe as joias para Portugal... os indianos estavam à espera que o navio largasse para iniciar a invasão.
Primeiro o navio foi a Timor descarregar "mousers". Timor na altura nem porto tinha; tiveram de passar um cabo a terra, à volta de uma árvore com auxílio da população, mas como não conseguiram tiveram de ir buscar o jipe do governador para ajudar (um dos poucos carros na ilha)... também era raro o timorense que falasse português.
Depois iniciaram a viajem de regresso a Portugal, ficaram retidos à entrada do Suez, tendo sido autorizada a passar muito graças ao navio vir carregado de mulheres e crianças (as esposas e os filhos dos militares que ficaram na Índia).
O Tesouro eram 2 caixotes selados.
Perdão, 3 caixas do tamanho de arcas frigoríficas com madeiras grossas.
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