Coincidiu também, com o facto de
fazer 40 anos que lá me apresentei (os militares ainda se “apresentam”), pela
primeira vez. Mas não estou a escrever por isso; apeteceu-me, simplesmente.
Assistir a uma cerimónia militar
digna, é sempre um lenitivo para o espírito e um bálsamo para a alma, o que
ajuda a retemperar o cada vez mais alquebrado corpo. Foi o caso.
Numa cerimónia militar tudo tem o
seu significado e razão de ser, todos sabem o seu lugar e função, como estar e
como fazer, e nada deve estar a mais ou a menos.
Existe ordem, tradição e
cerimonial.
Entre cada acto cerimonial,
marca-se a sua individualidade, intervalando-a por dois toques de “firme”; “sentido”
e outros dois, de “descansar”; “á vontade”.
Não há atropelos nem confusões.
Tudo está previsto e não há lugar
a improvisações. Tal também se aplica à assistência e os civis devem ser
benevolamente educados pelos militares relativamente à parte da compostura que
lhes cabe.
O dia ajudou no seu azul (Força
Aérea) esplendoroso, e o silêncio que ecoava do “pinhal” - termo carinhoso como
na gíria se apelida a Base - alternava com os acordes da banda (em que notei
melhorias de performance), os discursos e as vozes de comando.
Qualquer cerimónia militar começa
com a chegada da entidade que preside à mesma e respectivas honras militares.
É a maneira como os militares
recebem as altas entidades que os visitam, reconhecem e preservam o princípio
da hierarquia e dão as boas vindas.
Como na vida militar tudo tem um
carácter biunívoco, a entidade retribui, correspondendo à continência; postando-se
respeitosamente frente ao Guião da Unidade e passando em seguida revista às
tropas, verificando o seu aprumo, uniformização e atavio. Esta revista não deve
ser feita “à pressa” ou displicentemente, por motivos que julgo óbvios (o que
se cumpriu).
A apresentação da entidade é
apenas antecedida da chamada a “sentido”, aquando da chegada do oficial mais
antigo presente, que já esteja retirada do serviço activo. É mais uma vez a
preservação do princípio hierárquico, da afirmação da importância da
antiguidade e uma demonstração de respeito por quem já não tendo funções de
responsabilidade, serviu e continua a pertencer à Instituição e à grande
família militar.
Segue-se a integração do Estandarte
Nacional, à guarda da Base, na formatura, sem o que nenhuma cerimónia militar,
neste âmbito, pode decorrer.
Vem acompanhado da respectiva
escolta, que pode ser aumentada em ocasiões mais solenes, ou disponibilidade de
efectivos.
É o momento patriótico por
excelência. Fica o Estandarte numa posição central, à vista de todos, sendo
recebido em “ombro arma”.
É o símbolo da Nação sublimada,
em cuja defesa e por quem os militares combatem e morrem – não morrem (não
devem morrer) por ideologias, regimes políticos, partidos ou interesses
mercenários…
Apresentam-se armas e abatem-se
espadas; a banda toca o hino e a formatura canta e a assistência também o vai
fazendo.
É sempre bom relembrar o que somos,
no que estamos e ao que vimos.
O Estandarte coloca-se, então, à
cabeça das tropas como deve ser o seu lugar.
Pela alocução do Comandante
ficámos a saber o que a unidade realizou no ano transacto, e não fez pouco, o
que é notável face às dificuldades existentes e aos tempos de vacas magras que
vivemos – que têm atingido a Instituição Militar numa proporção lamentavelmente
muito superior à generalidade do país e sobretudo aos restantes organismos e
instituições do Estado.
Dificuldades que, por pudor,
contenção e sentido de Estado, são normalmente dissipadas nestes momentos de
celebração. Mas “alguém”, ou muitos, têm de o dizer nas instâncias e ocasiões
apropriadas, usando os métodos adequados às circunstâncias.
Sendo normalmente gasto 1/5 do
tempo em agradecimentos às entidades presentes, protocolo “oblige”, o segredo
de um bom discurso, segue o do sal na comida: nem de mais nem de menos; e a
habilidade em dizer algumas coisas relevantes e passar mensagens de uma forma
que não fira o disposto no artigo quarto do RDM [1]…
Seguiu-se a rendição do Porta - Estandarte
Nacional e do Porta - Guião da Unidade e respectivas escoltas.
A nomeação de Porta – Estandarte
e do Porta - Guião recai, respectivamente, na figura do subalterno e
sargento-ajudante mais condecorados, ou considerados com mérito para a honra da
função.
Sim, porque a função deve ser
encarada como uma honra, que não é despicienda.
A relevância do Porta -
Estandarte ficou na memória e na tradição militar nacional, desde a Batalha de
Toro, em 1/3/1476, em que o Alferes – Mor de D. Afonso V, Duarte de Almeida,
que empunhava o Estandarte Real, no mais aceso da peleja se obstinou em
defender o símbolo de todos, mesmo depois de lhe terem cortado ambas as mãos, à
cutilada, agarrando – o com os cotos e os dentes.
Com a sua acção e mesmo depois de
derrubado, permitiu que o estandarte fosse recuperado por Gonçalo Pires, e se
salvasse.
Ficou para a História com o
cognome de “o decepado”, tendo sido levado moribundo para um hospital em
Castela, onde recuperou, tendo voltado ao reino mais tarde, depois de ter
merecido o respeito e consideração dos seus captores.
A responsabilidade de um porta - estandarte
é, pois, muita: ele pode morrer, mas as “cores nacionais” têm que ser salvas e
preservadas…
O ponto alto da cerimónia ocorre
a seguir: a homenagem aos mortos.
É o momento dos olhos húmidos e
do nó na garganta.
É a homenagem aos que já partiram
na sequência, que se pretende perene, com aqueles que os substituíram e a quem
passaram o testemunho.
Inicia-se com o toque “de
silêncio”, em “ombro arma”, que impõe a ausência de qualquer ruído no local,
que é o ambiente que melhor quadra ao recolhimento; segue-se o toque “a
mortos”, em apresentar armas (posição de máxima elevação cerimonial), em que num
momento de interiorização se lembram os amigos e camaradas já desaparecidos,
mas que, enquanto forem assim lembrados pertencem “àqueles em quem poder não
teve a morte”; pelo meio o capelão profere uma oração alusiva e no caso da
Força Aérea, uma esquadrilha de aviões sobrevoa o local, executando o n.º 4, a
manobra do “missing man”.
Finalmente a banda toca a “marcha
da alvorada”, novamente em “ombro arma”, que simboliza o porvir, a esperança no
futuro, a vida que se reata.
É altura agora de nos
congratularmos com o presente e destacar publicamente, os servidores da
Instituição Militar que se distinguiram no cumprimento das suas missões e
deveres.
É a cerimónia das condecorações e
entrega de prémios.
O exemplo que se aponta a todos…
Aqui o que está em causa é a importância
da condecoração e não o posto ou categoria, dos condecorados; por isso a
sequência é ditada pela condecoração mais elevada, independentemente da
hierarquia dos agraciados.
Representam as condecorações, uma
distinção de mérito, um prémio à competência e às virtudes militares, que não
tem expressão monetária – embora tenha influência na avaliação do mérito
relativo para promoção – o que evidencia mais uma vez, a condição de servidores
do bem público, atribuída aos militares.
Situação cada vez mais difícil de
“entender” pela sociedade contemporânea…
A cerimónia termina com o desfile
das forças em parada (infelizmente cada vez mais diminutas devido à falta de
efectivos existente), onde só há uma maneira de fazer as coisas, que é bem, com
garbo, queixo levantado e batimento forte.
Outra agradável constatação pois
tudo saíu certinho e até com “souplesse”!
Desfile de meios aéreos em
formação cerrada, ao passarem as últimas tropas, como é de boa tradição e num
“timing” perfeito.
Foi o momento do “da pele de
galinha”…
Este desfile aéreo não deve ser
posto em causa por maiores que sejam as restrições orçamentais, pois é nos
meios aéreos e suas tripulações, que está centrado o âmago do cumprimento da
missão, para a qual todas as restantes especialidades e órgãos concorrem.
E não posso, para terminar, deixar
de referir a missão primária e fundamental, da Base Aérea 5, consubstanciada
nas Esquadras 201 e 301, que é a da Defesa do Espaço Aéreo Nacional, e que mais
ninguém pode, ou está apto, a cumprir.[2]
Por via desta missão e do cunho
inicial que lhe foi dado pelo primeiro pessoal que a guarneceu, a partir de
1959, esta base tem um “espírito” diferente de todas as outras bases e isso é
transversal a oficiais, sargentos, praças e civis; bem como às diversas especialidades
existentes, havendo um maior entrosamento entre o pessoal navegante e o
restante para o cumprimento das missões operacionais. [3]
O que nada diminui as restantes
bases existentes, a velhinha e aristocrática BA1, em Sintra; a vetusta e, na
altura, pólo de força e modernidade, ex-Base Aérea nº 2, na Ota; a Base Aérea
nº 3, em Tancos, que transitou (mal) para o Exército e devia ser a última Base
Aérea a encerrar, se alguma vez chegássemos a tanto; a BA4, nas Lages, sentinela
avançada no Atlântico; a BA6, no Montijo, construída de raiz para ser a melhor
base da Antiga Aviação Naval; a extinta BA7, em Aveiro, berço de tantos pilotos
e a BA11, em Beja, magnífica (senão a melhor) infraestrutura aeronáutica, do
inventário, cuja construção herdámos dos alemães.
Mas é na BA5 que está centrada a
missão mais importante (não direi nobre, pois todas as missões o são), por relevante
e única, do Poder Aéreo: A defesa aérea consubstanciada na aviação de caça.
E serão eles, dada a natureza das
coisas da guerra que, normalmente, primeiro entrarão em combate, caso essa
situação se venha a verificar.
E não é todos os dias que
assistimos a uma formação de sete F-16 em escalão para a direita, entre a
“inicial” e a “ruptura”, seguido da aterragem. [4]
Confesso que ainda fazia uma perninha.
[1] RDM – Regulamento de Disciplina Militar.
[2] Esquadra 201, Falcões,
lema “Guerra ou Paz, tanto nos faz”; Esquadra 301, Jaguares, lema “De nada a
forte gente se temia”.
[3] Devia-se fazer um esforço
em convidar o maior número de pessoal que lá prestou serviço, para assistirem
ao dia da “sua” base!
[4] Espero que não tenham a
triste ideia de venderem mais dos nossos…
Sem comentários:
Enviar um comentário