“Não se deve confundir a esfera armilar
com a bola do Ronaldo…”
Leal Henriques
(Técnico de voo com quem tive o gosto de
voar).
Passada a “histeria” colectiva que perpassou
pelo país, durante o campeonato europeu de futebol 2016, existe alguma
serenidade para meditar sobre este fenómeno social, que move e apaixona
multidões.
E, neste ponto, há desde já, uma constatação a
fazer: o futebol deve ser o único desporto que atrai milhares de pessoas sem
que estas alguma vez o tenham praticado; o exemplo disso é a assistência aos
jogos, por um número cada vez maior de mulheres.
Ou seja o futebol de um simples desporto
passou a fenómeno/festa social, daí (os factores interrelacionam-se) a negócio
de biliões e a aproveitamento mediático e publicitário, massivo foi, de
aritmético a exponencial em três décadas.
Por isso logo se transformou em aproveitamento
político cada vez mais elaborado.
Neste âmbito, se pensarmos na União Europeia,
existe uma contradição de monta, que poucos terão equacionado, e que é esta:
como é que se pode fugir para a frente com o “mais Europa” e o “federalismo
europeu” e continuar com este folclore de campeonatos onde se tocam
constantemente os hinos dos diferentes países e os mais apaixonados se mascaram
com os símbolos nacionais (embora desrespeitando-os mas, enfim, isso é outra
discussão)?
E quando houver uma “Europa Unida” – o que se
Deus e a Geopolítica quiserem jamais ocorrerá – como é que se vai continuar com
um campeonato europeu de futebol (ou outro)?
Infelizmente o futebol para além deste clima
de festa, tem o seu lado escuro, o lado da corrupção, dos negócios ilícitos,
das tricas constantes, etc., como profusamente vem documentado quase
diariamente nos órgãos de comunicação social.
Ora salvo melhor opinião, o futebol devia ser
apenas um desporto e nada mais do que isso, não fazendo sentido o dinheiro que
nele se verte; as dívidas astronómicas dos clubes; os honorários pornográficos
de treinadores e jogadores; a vigarice com a outorga de nacionalidade, etc..
Com o “mercado” que para aí vai, o que é que
distingue umas equipas das outras? E podem considerar-se como sendo de um país
ou de outro, ou apenas amálgamas de nacionalidades?
E não seria mais interessante e útil pôr os
jovens a jogar futebol do que andar a alimentar treinadores de bancada e
comentadores desportivos?
Dizem, porém, que é disso que a “malta” gosta,
mas se a maioria das pessoas passasse a gostar de caca de passarinho, também
era disso que se lhes passava a dar? (No evangelho do dia 24, uma parábola
justificava a destruição de Sodoma e Gomorra, por nelas, Deus não ter
encontrado 10 justos…).
Bom, mas o que interessa é que Portugal ganhou
– também com o investimento já feito no futebol, já se justificava. Façamos
contas: qual terá sido a actividade em que, como sociedade, nos tenhamos
empenhado mais, em termos relativos? Na investigação científica? Na Cultura?
Nas Forças Armadas? Na Pesca? No Serviço Nacional de Saúde? Em formar
diplomatas?
Não creio que alguma delas supere o futebol,
mas responda quem souber.
Apesar de tudo a vitória foi merecida e toda a
equipa foi humilde e, por uma vez, jogou com a cabeça! Teve um sabor ainda
especial, por derrotarmos alguns adversários de mau porte.
Felizmente que, simultaneamente, fomos
campeões de hóquei em patins, e outros atletas conseguiram medalhas em
ginástica, vela e atletismo, etc., o que melhorou sobremaneira o conjunto dos
eventos.
Embora não devamos engalar em arco pois o
nível médio de preparação e educação física da generalidade da população, bem
como o número de praticantes federados, deixa muito a desejar.
Mas ganhámos e isso deixa tudo o resto para trás:
o verdadeiro massacre mediático que envolveu o euro 2016; o frenesim das altas
figuras do Estado em quererem passar umas por cima das outras (não era melhor
fazer uma escala?), para assistirem aos jogos da selecção, como se disso
dependesse a salvação pública ou, já agora, o pagamento da divida! (e vejam se
para a próxima combinam antes, quem paga…).
E claro, já ninguém se lembra das graves
acusações que políticos da moda faziam ao “Estado Novo” e ao Professor Salazar,
sobre o “ópio do povo” que, no entender deles, representava então o futebol (para
já não falar em Fátima e no Fado, que graças a Deus, continuam de boa saúde!).
Lá se condecorou a rapaziada toda, com uma
comenda, o que não estando mal, convém manter alguma contenção, senão
passaremos a condecorar qualquer aluno que passe no exame da 4ª classe (quando
houver), ou o cidadão da 3ª idade que atravesse a rua com sucesso…
Mesmo o grave acidente ocorrido com o C-130 da
Força Aérea, que causou três mortos, precisamente no dia em que a selecção de
futebol regressava à Pátria, com honras de escolta aérea por F-16, desde que
entraram no espaço aéreo nacional, desviou por um momento as atenções de todos.
Compreende-se: os militares apenas cumprem as
suas missões “firmes e hirtos e voltados para a frente”, para o caso de um dia
necessitarem de combater e, eventualmente, morrer na defesa dos que pulavam nas
ruas. Que reconhecimento ou alegria é que isso lhes pode trazer?
*****
Verdadeiramente notável, contudo, foram três
ocorrências, que mereceram muito menor relevo, o que apenas encontra explicação
no desvario moral e ideológico em que vivemos. Refiro-me à carta em que o
treinador nacional Fernando Santos agradeceu a Deus a vitória obtida; o
entusiasmo e orgulho dos emigrantes e as reacções de júbilo e euforia da alma
portuguesa que deixámos nos antigos territórios que colonizámos.
Fernando Santos tinha escrito uma carta um mês
antes do final do campeonato e leu-a no dia da vitória. O inusitado foi o agradecimento
acima de todos a Deus Pai e à Virgem Maria (Padroeira de Portugal desde 1646…),
pelo sucesso obtido. Inusitado por ser raro, em pleno século XXI um Homem fazer
tal invocação em público, mesmo num país de maioria cristã e católica. E que
anda muito esquecido disso.
Foi uma evocação espiritual no meio do
materialismo mais insano.
Depois temos o orgulho dos emigrantes.
Não há memória da nossa gente criar problemas
em qualquer local para onde vá. É afável, humilde, trabalhadora, cumpre as leis
(o que nem sempre faz no seu país) e integra-se em qualquer sítio, seja no
sertão de África, nos gelos do Canadá ou nos confins da China.
E faz isto tudo sem perder a sua personalidade
própria.
Quando se juntam, dá-se-lhes uma “saudade do
caraças”, da “ santa terrinha” e aí descobrem que são portugueses dos quatro
costados e patriotas invictos, entre o furioso e o lamechas – coisa que quando
vivem em Portugal não se dão conta (falam até mal de tudo), mesmo quando nunca
o deixaram de ser!
Em alguns casos, nomeadamente em países
europeus, alguns sofrem enxovalhos ou ouvem dizer mal da sua terra, a maioria
das vezes por alimárias que não sabem do que falam.
De modo que a juntar ao bacalhau, ao salpicão,
ao tinto e restante parafernália gastronómica, se lhes atiram com umas
cançonetas que lhes soem bem no ouvido e uns eventos desportivos, em que o
futebol é rei, então aquela alminha lusitana transborda que é um gosto vê-la.
Há que continuar assim.
Finalmente as repercussões deste evento nos
antigos territórios ultramarinos onde ninguém perguntou a ninguém, se queriam
deixar de ser portugueses, as manifestações de alegria e contentamento, foram
transversais nas diferentes sociedades apenas com as excepções habituais nos
transviados ideológicos e cleptocratas reinantes.
Se hoje se fizesse naquelas partes que
Portugal já foram, um referendo isento, não tenho dúvidas que a maioria das
populações votaria por uma portugalidade assumida.
Deve ser por isso que uns adiantados mentais
da Camara de Lisboa, querem eliminar os brasões das antigas províncias
ultramarinas nos jardins da Praça do Império (que também deve mudar de nome…),
em Belém!
A CPLP tem muito para andar, mas não lhe
querem dar asas…
O caso mais impressionante foram as imagens
colhidas em Malaca.
O estandarte real português só esteve hasteado
nesta cidade durante 130 anos (1511-1641) e a permanência esteve longe de ser
pacífica. Depois de nós vieram os holandeses e os ingleses (em 1759) (que de um
modo geral todos os colonizados por eles, detestam), até que se tornou
independente, integrada na Malásia, em 1957.
Apenas existem duas pequenas aldeias de
pescadores que albergam os descendentes de portugueses, a que o Terreiro do
Paço tem dedicado o maior dos desprezos. Pois foi esta gente e alguns turistas
lusos e outros que por lá andavam, que vibraram com a vitória das cores
nacionais.
Não me parece que estes exemplos se passem com
mais ninguém…
Este é um capital único que nos resta.
Confesso que toda a porcaria à volta do
futebol me chateia e só não me absorto do que se passa porque o dilúvio
mediático não mo permite. Mas confesso também, que ao ver a selecção portuguesa
jogar, não consigo evitar que os pêlos do peito se ericem e o sangue corra mais
rápido nas veias.
Apesar do futebol ser apenas um desporto, não
deixa de vir ao de cima os velhos brios que nos vêm de Ourique. Enfim,
fenómenos.