quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

FORÇAS ARMADAS E “PRÓS E CONTRAS”

A emissão do conhecido programa “Prós e Contras” do passado dia 24/2, sobre aquilo a que chamam “reformas das Forças Armadas” (FAs), correu bem.

Bem, no sentido em que o debate foi sereno, onde se disseram coisas importantes, algumas delas pela 1ª vez em televisão (pecam só por tardias) e com a veemência e o sentimento requerido, notando-se, ainda, uma ausência total de disparates e de erros grosseiros de análise, o que muito apraz registrar. [1]

Estão, pois, de parabéns todos os intervenientes.

A única coisa que não correu bem foi a ausência de contraditório – dado que as intervenções correram todas no mesmo sentido. Ora isto não tirando valor ao programa, é uma menos - valia, deixando de haver o contraponto que o próprio nome indicia: prós e contras.

Mas, enfim, as coisas são o que são e percebe-se que os “governamentais” andem acossados e tenham dificuldades em defender os disparates que querem impor ao que resta da Instituição Militar. Que é já muito pouco.

Não me parecendo haver necessidade em rebater nada do que foi dito, pareceu-me útil trazer algumas reflexões sobre três ideias lá expressas e que nada têm a ver com o tema base do programa, mas que surgiram, naturalmente, durante a troca de ideias.

São elas a afirmação de que “a Democracia Portuguesa só tem 40 anos e não está madura”; “em Democracia há sempre soluções” e “ para haver Democracia é necessário dar um nível de vida mínimo à população”.

A ideia da maturidade percebe-se e tem razão de ser. Mas atentemos:

A ideia moderna de Democracia é recente. Desenvolveu-se primeiro em Inglaterra, sobretudo a partir de 1688 (depois de guerras civis sangrentas e da continuada tentativa de hegemonia inglesa sobre toda a ilha e da Irlanda) mas, sobretudo a partir da Constituição Americana (1776) a que se seguiu a Revolução Francesa (1789).

Esta última aguentou-se à custa de centenas de milhares de mortos, onde marcou presença o uso indiscriminado da guilhotina e o afogamento da nobreza nas margens do Loire.

Da guerra civil passou-se à exportação da ideia na ponta das baionetas, por toda a Europa.

A chacina só terminou em 1815, após Waterloo. Mas as ideias perduraram.

A partir daqui germinaram multitudes de “ismos”: o capitalismo, o socialismo, o comunismo, o trotskismo, o fascismo, o anarquismo, o nazismo, etc.

A bulha continuou.

Estamos a falar de ideias que se focalizaram sobretudo na Europa e nas Américas. Ou seja a maior parte do mundo era alheia à ideia de Democracia - o que se estende até hoje, sobretudo em África, na Ásia, Rússia e países muçulmanos; enquanto isso, todo o mundo foi sendo afectado, circunstancialmente, pelos “ismos”.

A ideia de estender o ideal democrático à Humanidade (nem que seja à bomba), a partir do Ocidente, só tomou um sentido uniformemente acelerado após o fim da IIGM. A ciência política estagnou e, pior, deixou de se fazer uso adequado do único laboratório que tal ciência dispõe: o estudo da História.

Em Portugal as ideias democráticas chegaram ainda no século XVIII, por via do ideário racionalista, mas a sua repercussão foi pequena (apesar do Marquês de Pombal ter sido um dos seus arautos).

O país só foi verdadeiramente afectado depois do imperialismo napoleónico ter sido expulso das terras lusas, começando a tomar forma após a Revolução de 1820 que instituiu o Liberalismo.

O processo, como se sabe esteve longe de ser pacífico e durou até 1926, registando-se o marco revolucionário de 5 de Outubro de 1910 em que, com a República, se implantou a “Democracia Directa”.

Ou seja quando se falou em 40 anos, não se referiu que para trás ficaram 90 anos de Liberalismo (1820-1910) e 16 anos de Democracia Directa (1910-1926).

Se agora se diz que a Democracia não está madura (pudera!), o que se poderá dizer do que se passou antes?

Vejamos, em 90 anos de Liberalismo, de lutas partidárias e demolições constantes, onde se desarticulou a Nação, contabiliza-se:

Seis monarcas (dos quais dois assassinados) e três Regências, uma chefia do Estado em cada década e qualquer coisa como 142 governos (um governo cada ano e meio); 42 Parlamentos, dos quais 35 dissolvidos violentamente; 31 ditaduras, de que resulta o Liberalismo ter vivido um terço da sua existência fora da normalidade; e 51 revoluções, pronunciamentos, golpes de estado, sedições, etc.

De registar que ocorreu a maior e mais mortífera guerra civil que em Portugal já houve (1828-1834) e duas menores (Maria da Fonte e Patuleia, 1846/7).

Por outro lado, em 16 anos de (pavorosa) “Democracia Directa”, conta-se:

Oito chefes de Estado, dos quais um foi assassinado, dois exilados, um resignou, dois renunciaram e outro foi destituído. Houve 45 governos (um chefe de governo assassinado) – o que dá uma média de três governos por ano; oito Parlamentos, dos quais cinco foram dissolvidos violentamente e 11 ditaduras. Em súmula, dos 16 anos só cinco foram vividos dentro da Constituição de 1911.

Resultou de tudo isto que o país (e os militares) se fartaram de bagunça e instituíram uma ditadura militar até se institucionalizar o Estado Novo.

O País ficou tão farto de Partidos Políticos que se acabou com eles (durante 692 anos – 1128 a 1820 – a Nação, aliás, governou-se sem eles e nunca fez tão má figura como depois de terem surgido…).

Depois de 1974 voltou-se ao mesmo.

Bom, não voltámos a ter guerra civil (embora em 1975 tenha estado por um fio), mas perdemos 95% do nosso território e 60% da população e depois disso tivemos três intervenções estrangeiras para evitar a bancarrota.

Isto apesar de o anterior regime ter deixado 866 toneladas de ouro, 50 milhões de contos em divisas e uma das moedas mais fortes e respeitadas do mundo (seguramente uma “triple A” das agências de rating actuais); a economia estar a crescer a 7% ao ano e haver pleno emprego. [2]

E, já me esquecia, depois de a CEE/CE/UE, ter “injetado” cerca de dois milhões de contos/dia, no país, desde 1986 [3]. Ou seja, quase tudo o que se realizou foi feito por riqueza não gerada na vivência desta 3ª República…

Convinha que o País refletisse sobre tudo isto e tentasse perceber como tal foi possível e ver se aprende alguma coisa com os acertos e erros do passado…

Isto depois de termos tido, desde o 25/4, quatro PRs (eleitos) e 19 governos constitucionais (um governo cada dois anos) e nenhum golpe de estado nem nenhuma guerra nas fronteiras.

Agora estamos com uma canga em cima do pescoço e perdemos o que nos restava de poder e liberdade. Não há “Norte” e a sociedade mergulhou no relativismo moral infrene.

Vejamos a questão, aliás tão cara ao Dr. Mário Soares, de que em Democracia há sempre soluções.

Bom, tem dias. E noutro regime qualquer, também há sempre solução, ou seja as águas vão sempre desaguar a qualquer lado. Ou não será assim?

Ora pondo de lado a questão não despicienda de se saber exactamente o que se entende por “Democracia” e o modo escolhido quanto ao seu exercício, deve ter-se em conta duas coisas primordiais: a competência, honestidade e patriotismo dos políticos e a sua representatividade.

A questão da representatividade é um assunto nunca resolvido e que pode ser sempre melhorada; a questão da probidade – que é o asseio da alma – é ainda mais importante: de que serve ter um regime democrático (ou, já agora, qualquer outro), se tivermos bandidos nos lugares de topo? Que soluções se encontrarão?

Por outro lado, discutir o “sistema” não faz parte da essência democrática? Porquê, então, ninguém o quer fazer?

E ao contrário do que se ouviu, a mim parece-me que o sistema em Portugal está bloqueado, pois entre o que diz a Constituição, os poderes do PR, a acção dos Tribunais e o espectro político do Parlamento – que determina o governo – que soluções diferentes se encontrarão?

Isto sem falar com o pano de fundo da deficiente preparação/alheamento cívico da generalidade da população.

A aplicação da Democracia “lato senso” regista, ainda, cinco principais problemas entre nós:

A Democracia não é um fim sem si mesmo e não deve ser considerado como tal. A Democracia é apenas um sistema político, não está acima da Pátria, da verdade, da Justiça, do Bem, da Liberdade, etc.;

O facto daquilo que interessa ser a quantidade, não a qualidade, facto consumado na “ditadura” do voto universal e igualitário;

A acção muito nociva dos partidos políticos que são os actores principais (e quase exclusivos) da cena política. O seu comportamento está eivado de erros e vícios que necessitam páginas para os descrever, mas que se sintetiza numa frase: em vez de serem uma escola de civismo comportam-se como se fossem agências de emprego;

A subordinação da actividade política aos ciclos eleitorais gera uma “guerra civil” permanente e demagogia a jorros, impedindo na prática qualquer governação. No fundo raramente se faz o que se deve mas sim o que se julga que rende mais votos. Tudo é centrífugo, nada é centrípeto; tudo é circunstancial, nada é institucional.

Finalmente uma questão psicológica sobreleva todas as outras: a falsa sensação que é transmitida para a opinião pública (e publicada) que os cidadãos, pelo simples uso do voto determinam os eventos.

Este último aspecto é aquele que melhor contraria a célebre frase de Churchill de que a “Democracia é o pior sistema político à excepção de todos os outros”…

Por último, atente-se a curiosa frase de que para se viver em Democracia é necessário dar um nível de vida mínimo às pessoas.

Esta ideia levanta duas questões principais: será que a Democracia se aplica apenas a países ricos ou razoavelmente ricos?

E, por outro lado, como então se chega à riqueza, através de ditaduras?

Curiosas estas questões, que davam excelentes prós e contras.

Não acham?

____________________

[1] - Enfim, o orçamento relativo ao MDN merecia ser dilucidado.
[2] - Apesar, farão o favor de notar, do país estar empenhado em três frentes de guerra, e ter cerca de 230.000 homens em armas espalhados por quatro continentes e quatro oceanos. Agora parece que não conseguimos ter 38.000 acantonados no “triângulo”…
[3] - De que nunca se apresentaram contas.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

FORÇAS ARMADAS 1974 VERSUS 2013

Em 1974 as Forças Armadas (FAs) possuíam uma dimensão e um poder jamais atingido em 850 anos de História (o que não voltará a repetir-se…), estavam espalhadas por quatro continentes e outros tantos oceanos e combatiam, vitoriosamente, em três teatros de operações diferentes.

O problema maior com que se confrontavam, era a falta de oficiais do quadro permanente, derivada da rarefação de candidatos às Escolas Superiores Militares. Sobretudo no Exército e Força Aérea. Esta falta foi-se agravando desde meados dos anos sessenta e agravada por causa do sempre crescente aumento de efectivos, pela morte e incapacidade de alguns e pela saída do serviço activo, de outros.

Agravava a situação a lassidão e o cansaço que o tempo prolongado da guerra causava nos quadros militares. [1]

A situação era especialmente preocupante nas classes de capitães e subalternos (e já se fazia sentir nos sargentos).

Ora sem oficiais não se consegue manter um Exército de pé. Pelo menos com a qualidade necessária a qual, fatalmente, irá degradar-se continuamente.

O Governo, de então, reagiu tarde e não conseguiu ou não quis, resolver o problema.

As tentativas efectuadas foram lentas, deram poucos resultados e foram inábeis ao ponto de se publicar o Decreto – Lei 353/73 de 29 de Junho.[2] Este diploma causou muito mal-estar nas fileiras e espoletou a revolta activa, numa pequena percentagem da oficialidade.[3]

Tal revolta desembocou no golpe de estado ocorrido em 25 de Abril de 1974, com um “incidente” - nunca devidamente explicado - uns dias antes, a 16 de Março.

O resto do país vivia calmamente com alguns focos de instabilidade nas universidades, aquando de eleições e uns atentados à bomba por grupos de extremistas comunistas e de extrema-esquerda.

A economia crescia a 7% ao ano (no Ultramar era mais) e crescia de forma harmónica e sustentada. O escudo era uma das moedas mais fortes e respeitadas do mundo e não havia desemprego.

As condições sociais melhoravam paulatinamente à medida que as condições financeiras o permitiam.

A abertura política era um facto, as forças totalitárias eram diminutas e estavam contidas e o capitalismo selvagem impedido de ultrapassar a fronteira. A maioria dos governantes tinha currículo e era gente séria, não vendida a interesses estranhos ou ao Deus “mamon”. A corrupção não estava erradicada mas estava contida e era combatida.

E, acima de tudo, mandava-mos na nossa casa e tínhamos uma capacidade apreciável de influenciar o nosso destino.

Mesmo assim as FAs fizeram um golpe de estado - de que logo perderam o controlo - aproveitando a inabilidade do governo e o cinismo maquiavélico de um general e a vaidade (que lhe terá embotado o senso) de outro. Ambos com protagonismo forjado nas suas carreiras.

O resto é conhecido, embora muito mal contado.

Em 2013 não há guerra nas nossas fronteiras (apesar de nos últimos anos se terem já enviados mais de 30.000 militares portugueses para cerca de 30 cenários de conflito ou de cooperação técnico-militar, muitos dos quais de interesse duvidoso) vive-se uma situação “normal”, sem qualquer interferência das FAs na condução da política do país, sem alteração da ordem pública e sendo tudo conduzido democraticamente (ou havendo a ilusão disso), o país entrou em recessão económica e descalabro financeiro contando-se já três resgates financeiros o último dos quais transformou o país numa espécie de protectorado sem fim à vista.

O desconchavo social e moral é grande e a prova mais perigosa disso é o suicídio colectivo em que estamos postos, já que tudo aponta para o fim da “raça” dos portugueses…

Estrou-se, estouvadamente, para uma coisa que parecia um clube de ricos, que nos privou da moeda e a que nos submetemos como cordeiros a caminho do matadouro e onde não mandamos nada.

O desregramento e a corrupção espalham-se infrenes e onde a vida política decorre com pouca elevação e os partidos políticos se transformaram, basicamente, em agências de empregos, sem categoria alguma.

Nos poucos intervalos da “guerra civil” permanente em que vivem uns com os outros e dentro de si, para ver quem manda e quem vai para o poder, tentam fingir que tratam dos assuntos da governação enquanto garantem o usufruto para a vida e viajam constantemente. Afinal o mundo globalizou-se…

Pelo meio entretiveram-se a destruir todo o poder nacional e a subverter os pilares institucionais da Nação. Entre estes está a Instituição Militar.

Tal se passou sem que se entendesse qualquer alerta da sua parte – como era seu dever.

A quantidade de barbaridades a que as FAs têm sido sujeitas é dantesca. E, note-se, tal acontece quando estas estão “pacificadas” e “civilizadas”, são competentes e, no mais, patriotas.

Ora tudo o que se tem passado, nestas últimas décadas, faz parecer as razões que levaram a depôr os órgãos de soberania, em 1974, uma brincadeira de juvenis (recordamos que o país estava em guerra – embora de baixa intensidade – e que as consequências do golpe de estado foi a de a termos perdido ignominiosamente e de a Nação ter sido amputada, sem lustre e com vergonhas muitas, de cerca de 95% do seu território e 60% da população – sim ela era portuguesa…).[4]

E com uma agravante assinalável – a das intenções – o que se conta em duas penadas:

Em 1974 a Instituição Militar estava prestigiada e era defendida pelo poder político ao ponto de ninguém, nas fileiras, sentir minimamente a necessidade de cuidar da sua imagem (nem a “Censura” permitia que se dissesse mal dos militares).

Em 2013 a imagem mediática e social e a defesa institucional das FAs é a que todos conhecemos e anda pelas ruas da amargura.

Em 1974, independentemente dos erros cometidos relativamente ao modo de melhorar o recrutamento – em que os principais responsáveis acabaram por ser dois militares (o MDN, general Sá Viana Rebelo e o CEMGFA, general Costa Gomes), que impediram a colocação dos oficiais oriundos de milicianos num quadro próprio onde seriam promovidos sem interferirem com os oficiais do quadro permanente oriundos da Academia Militar e Escola Naval – fizeram-no, estou em crer, de boa mente, numa tentativa de resolver um problema gravíssimo que afectava, directa e negativamente, as operações militares em curso.

Tão pouco lhes passaria pela cabeça qualquer intenção de prejudicar fosse quem fosse, muito menos o de diminuir a honorabilidade ou a eficácia da IM.

Em 2013 a quantidade de barbaridades feitas às FAs e os ultrajes à IM e aos militares atingiram níveis inauditos e continuados no tempo. E dou um doce a quem provar haver alguma boa intencionalidade no desbaste efectuado e que vai continuar até que a IM seja apenas uma recordação histórica.

Em 1974, uma pequena parte das FAs deitou o regime abaixo – com a complacência da maioria e a “ultrapassagem” do topo da hierarquia.

Em 2013 a hierarquia militar não tem sido capaz de levantar um dedo que seja, em defesa da Instituição – que é também a da defesa do país. Também com a complacência da maioria.

Em 1974 a ameaça maior à Nação vinha de forças marxistas e internacionalistas dentro e fora das nossas fronteiras; em 2013 essa ameaça maior deriva, outrossim, de forças internas e externas, mas agora de âmbito financeiro capitalista e apátrida, e também internacionalista.

Mas ambas estavam já presentes em 1974, do mesmo modo que estão presentes em 2013.

Incomodo hoje os leitores com estas observações por as achar, no mínimo, curiosas.


[1] Em boa verdade invocar o “cansaço” das operações militares, em militares do quadro permanente, não é, em teoria, argumento para justificar qualquer situação menos apropriada. Mas é sabido que, na prática, tal a acontecer não deixa de provocar efeitos no Moral. O que necessita ser aferido constantemente.
[2] Este decreto previa que os oficiais milicianos pudessem frequentar um curso abreviado na Academia Militar e serem promovidos a oficiais do quadro permanente com a antiguidade da sua promoção a alferes. Ora tal, a verificar-se, iria provocar a ultrapassagem de todos os capitães, e alguns majores, licenciados por aquele estabelecimento de ensino.
Este decreto – lei tem alguns antecedentes que são importantes para a cabal compreensão do que se passou, mas que não se referem para economia de texto.
[3] Nunca contabilizada, mas que se estima em não mais de 3%. Curiosamente a classe de sargentos esteve ausente em quase tudo o que ocorreu.
[4] E sem nunca lhe terem perguntado nada. Tudo muito democrático e conforme ao Direito…

sábado, 16 de fevereiro de 2013

O MINISTRO DA DEFESA E OS SÁTRAPAS MODERNOS

No dia 14 de Fevereiro o Senhor MDN deu uma entrevista à Judite de Sousa, na TVI, que não passou de uma réplica, de afogadilho, ao programa do Prof. Medina Carreira, sobre as Forças Armadas (FAs), três dias antes, onde figurou o Gen. Loureiro dos Santos. Aproveitou ainda para enviar umas indirectas ao Gen. Pinto Ramalho, que também dera uma curta entrevista à TVI onde criticava o corte de 8.000 efectivos e outras barbaridades.

O ministro que só deve ter ouvido falar em FAs e militares quando - distraidamente - folheava uma revista, já em idade púbere, trincando um queque, na Foz do Douro, veio à liça com ar indignado de virgem ofendida.

Então ele era lá capaz de afrontar as FAs, logo ele, um imaculado sátrapa, perdão ministro?![1]

Marcou S. Exª a entrevista fazendo amarra num ponto: a imaculada intenção (só falta virem para as entrevistas vestidos de branco e com asinhas), de que o objectivo da reforma (?) – palavra que é a matriz do constante desatino em que sucessivos governos têm posto as FAs – é a operacionalidade da tropa!

A tristeza da argumentação deste pedaço da humana cidadania, em exercício de poder, seria apenas deplorável caso não se esmerasse na insistência de nos tratar como parvos.

Usando uma lógica barata de advogado caro o Sr. Ministro sofisma, actividade que, pelos vistos, é a única que domina, pois nem um simples silogismo é capaz de desenvolver.

Vejam esta pérola: defende o coitado, ser necessário reduzir os efectivos (que devem ser imensos, subentendendo-se da palração), para permitir reduzir custos na área do pessoal a fim de aumentar a verba para a operação e treino das tropas. Tal é baseado na premissa de que se gasta mais de 80% do orçamento na rúbrica do pessoal.

O Sr. (ainda) Ministro deve estar a mangar com a gente. Só pode.

Então, não vislumbrará tão iluminada inteligência, que até se poderia gastar 100%?[2]

Bastava que, o senhor e o patético e aldrabão governo de que faz parte, destinasse verba que apenas correspondesse às necessidades da despesa com o pessoal…

Por acaso o pessoal apareceu na vida militar por obra e graça do Espirito Santo?

Por acaso “alguém” pode pegar no pessoal e eliminá-lo? Quer gastar algumas munições (olhe que se arrisca a esgotá-las – e não é por “eles” serem muitos, mas por “elas” serem poucas…) a fuzilá-los?

O que fizeram os seus antecessores nos últimos 20 anos até agora? Não foi o de andarem a reduzir constantemente os efectivos? Por acaso as verbas destinadas a operações e treino aumentaram?

O senhor não me tire do sério e evite cruzar-se comigo na rua!

E no meio desta publicidade enganosa vem afirmar que poupa 218 milhões? Mas então onde é que está o ganho para a operacionalidade das FAs, partindo do princípio que o sátrapa Gaspar fica com a poupança?

Você – termo pelo qual o passarei a tratar – enxergue-se e enxergue-nos![3]

Com o maior dislate, ainda, vem dizer que não senhor, o Gen. L. dos Santos (de quem não sou defensor oficial nem oficioso), não tem razão em acusar o governo de andar com o “carro à frente dos bois” por estar a querer reduzir os efectivos antes de se rever o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), pois tal está a ser tratado e ficará pronto em Março.

Mas não afirmou na mesma que ia reduzir os efectivos e que se saiba ainda estamos em Fevereiro… Você, por acaso deu-lhe uma fézada ou consulta videntes?

Pergunto ainda, algum governo já elaborou um CEDN que servisse para orientar fosse o que fosse? Alguma vez ligaram pevide ao que lá estava escrito? Alguma vez foi elaborado um conceito estratégico que não fosse o militar (CEM), dele derivado?

Já agora, o CEM também vai estar pronto em Março? É que segundo parece (a gente já não sabe o que está em vigor dada a volatilidade com que tudo muda e as emendas sobre as emendas que se vão acumulando), as Missões, Conceito de Acção, Ameaças, Dispositivo e Sistema de Forças, relativos às FAs, derivam primariamente do CEM, não do CEDN…

E o pessoal em serviço nas FAs é para dar corpo e consubstanciar o atrás apontado…

E o que é que um ministro tem que andar a sugerir coisas sobre um documento que tem a classificação de “secreto”?

Vem dizer, defendendo-se das críticas de militares, que os estudos para que aponta são também feitos por militares e que as competências são idênticas. Duvido.

Indique-me, se for capaz, o nome deles, pois eu conheço-os a quase todos. E diga-me se estão no activo.

E partindo do silogismo incompleto e manhoso, utilizado, pode adiantar se as intenções também serão idênticas?

Você sabe Sr. Ministro, que já Camões dizia que “em Portugal também alguns traidores houve, algumas vezes…” Não referiu o grande poeta – que começou por ser soldado – se algum deles era militar. Se calhar (na altura) ainda não teria havido nenhum.

Há poucos meses escrevemos um artigo em cujo título se questionava o MDN se tinha ensandecido.

Creio que agora já dá para não ter dúvidas sobre a resposta.

Portugal apesar de estar cheio de Sátrapas, ainda não virou uma Satrapia.

Sobretudo uma Satrapia do Grupo de Bildelberg.


[1] No antigo Império Medo/Persa – já lá vão uns anitos – os territórios ocupados pela expansão do mesmo, eram divididos em Satrapias, à frente das quais se colocava um sátrapa, o qual respondia directamente ao soberano. Fui ao dicionário e copiei: “Sátrapa” – governador de Província entre os antigos Persas; grande dignitário; homem despótico, rico e voluptuoso; homem efeminado; déspota (Eduardo Pinheiro, Livraria Figueirinhas, Porto. De harmonia com o Decreto-Lei nº 35.228, de 8/12/1944.
[2] Se fosse vivo, o saudoso Cor. Homero de Matos, possivelmente diria uma das suas frases lapidares, “que tem a luminosidade de uma vela de sebo dentro de um corno de carneiro”…
[3] O termo “você” vem do antigo, elegante e estimável termo “Vossa Mercê”, que deu, por corruptela, na linguagem popular, o vocábulo “Vossemecê” o qual “escorregou” para “você” num linguajar mais boçal. Por vezes admissível no tratamento de superior para inferior, de conhecedor para ignorante ou de mais velho para mais novo.
Assumo o plebeísmo. As circunstâncias apetecem.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

SOBRE OS RECENTES CORTES NAS FORÇAS ARMADAS E DECLARAÇÕES AVULSAS

Eis (parte) do que ficou por dizer.

À laia de introdução:

A Instituição Militar está ainda longe de ter recuperado completamente das sequelas do 25/4 e do “PREC” (só isto dá um programa televisivo de várias horas);

As Forças Armadas (FAs) deixaram de ter qualquer responsabilidade directa na condução dos destinos do País após o fim do Conselho da Revolução e da entrada em vigor da Lei 29/92 [1];

O país ainda não está devidamente reconciliado com o seu passado mais próximo;

O conjunto das forças políticas entendeu que Portugal ia ser amigo de todos e todos iam ser nossos amigos e portanto não haveria ameaças. Se, por remota hipótese, houver algum conflito lá estaria a NATO para “resolver” a questão…

A incultura cívica (quando não a subversão ou simplesmente a estupidez natural) faz com que não se entenda a necessidade de FAs, a especificidade da condição militar e os rituais, tradições e cerimonial daqueles abencerragens, algo arqueológicos, que teimam em gastar do mesmo barbeiro e do mesmo alfaiate; (mais umas horas de programa…)

Os Partidos Políticos, os órgãos de comunicação social, comentadores, entidades e instituições várias têm mostrado a sua irresponsabilidade ao tratarem as questões militares e bastantes deles não se coíbem de lançar verdete e, até, ódio sobre uma Instituição séria, estruturante da Nação (embora não isenta de erros) e cuja história se confunde com a de Portugal.

Ou seja, e em síntese, existe uma convicção alargada – e idiota – de que as FAs são um gasto supérfluo para o país e uma maçada!

Com isto dito podemos passar ao corpo da coisa.

Assim:

As FAs, ao contrário do resto do país, rapidamente se disciplinaram e reorganizaram, reconvertendo-se para os novos cenários de actuação, armamentos, tácticas, técnicas, etc. e, ao longo dos últimos 30 anos conseguiram um grau de desempenho que iguala as mais avançadas forças militares do mundo e ultrapassa a maioria das restantes;

E, neste espaço de tempo não deixaram por cumprir qualquer missão de que tenham sido incumbidas e que passaram por projetar forças para cerca de 30 teatros de operações diferentes (mais de 30.000 homens aviões navios, viaturas e diverso equipamento), que já efecturam quase todas as missões possíveis, incluindo o combate.

Não houve, no mesmo período de tempo, qualquer entidade do Estado – e arrisco-me mesmo a dizer no sector privado (salvo alguma devida proporção) – que se tenha reformado e racionalizado no verdadeiro sentido do termo (e reduzido), mais e melhor do que a Instituição Militar (IM);

Mesmo assim, e sobretudo a partir do consulado do Ministro Fernando Nogueira, nunca nenhum governo se satisfez com nada, passando a aplicar o "slogan" dos 3 “Rs” que, na prática, apenas quis dizer reduzir, reduzir e reduzir! Trataram as FAs como se estas fossem um bocado de plasticina (que se moldava a esmo) e desrespeitaram constantemente todas as regras de Ética e de metodologia adequadas às mesmas;

Os responsáveis políticos quase nunca assumiram claramente as responsabilidades fosse do que fosse, não definiram prioridades, mantiveram todas as missões (e até acrescentaram outras) sem sequer as priorizar, ao mesmo tempo que iam obrigando a cortar capacidades, não raras vezes lançando os Ramos uns contra os outros;

Nunca foram claros a alocar recursos nem nunca actuaram lealmente relativamente ao cumprimento das Leis de Programação Militar (nenhuma foi cumprida);

O próprio Ministério da Defesa Nacional foi sempre uma mentira pois nunca existiu – na medida em que nunca nenhum ministro, ou governo, olhou para a defesa nacional como tal – limitando-se a ser um ministério para as FAs, o mesmo se passando com o ministro cuja única característica que se vislumbrou até hoje – além de ir às reuniões internacionais do que deveria ser o seu âmbito – foi o de, eufemisticamente, pôr a tropa na ordem e esmifrá-la…

Por tudo isto não espanta que a sua quase exclusiva actividade até agora, tenha sido a de asfixiar financeiramente e em termos administrativos e de pessoal o que foi restando da IM.

Haver preocupação em comparar a percentagem do PIB dos países europeus ou outros, gasta na Defesa, com o que se passa connosco é um exercício deletério de pertinência duvidosa. De facto cada país tem uma geopolítica própria e diferente dos demais e aquilo que cada um gasta na defesa deve ter a ver com as suas opções, necessidades e capacidades, não em copiar exemplos alheios.

Por outro lado comparar percentagens é enganador já que 1% do PIB holandês, por ex., pode permitir comprar 1000 aviões de um certo tipo, e 1% do nosso PIB só dar para 50…

Finalmente é necessário estar atento para ver se as contas não estão viciadas pois, e também como ex., o Governo português é useiro e vezeiro em incluir os gastos da GNR nas contas da defesa…

Quanto à questão da “austeridade ser para todos” há que dizer claramente que, em primeiro lugar, as FAs não têm qualquer responsabilidade na crise, não andaram a desbaratar dinheiro, não usufruíram de prebendas, não andaram metidos em corrupções medonhas, nem se endividaram para além do que podiam pagar (vão pedir contas a quem tem culpas no cartório, primeiro…);

E quanto a apertar o cinto já o andam a fazer vai para 20 anos enquanto o resto do país folgava como cigarra, com os responsáveis políticos em destaque! Por isso não venham dizer que a austeridade tem que ser para todos (insinuando nas entrelinhas), pois as FAs estão fartinhas de dar para este peditório (e nunca se eximiram a fazê-lo, nem nunca pediram excepções à lei) – quando mais alguém as igualar que atire a primeira pedra!

*****

Segundo capítulo do “Corpo”.

Por outro lado os ataques à condição militar e ao “Ethos” da IM têm – se sucedido no tempo e são devastadores. ´Trata-se de uma agressão constante, que vai acumulando uma revolta surda e que transformará, brevemente, a tropa num fardo inútil. A desconsideração é vasta.

O silêncio sobre as barbaridades feitas tem sido ensurdecedor.

Ilustremos:

A IM perdeu qualquer capacidade de interferir na escolha das chefias militares;

O vencimento deixou de estar sintonizado com as outras profissões de referência do Estado, havendo uma desproporção negativa muito acentuada;

As chefias militares têm vindo a perder a autoridade de poderem decidir sobre quase tudo;

Os militares têm sido enxotados (é o termo) de todas as funções fora da estrutura das FAs, como se tivessem lepra;

A IM não possui qualquer representação política;

As chefias militares raramente são chamadas ao Parlamento ou à Presidência da República;

A justiça Militar (com foro próprio) foi destruída;

O Serviço Militar deixou de ser universal e obrigatório (um erro de lesa Pátria…);

Institui-se o “duplo voluntariado” no pessoal contratado – uma aberração;

Permitiu-se as mulheres na tropa – uma demagogia dispensável e escusada; permitiu-se, de seguida, o acesso a especialidades relacionadas directamente com o combate – uma demagogia perigosa e anti natural;

A Disciplina Militar está despedaçada e ferida, depois da aprovação do novo Regulamento de Disciplina Militar;

O MDN está invadido de "boys e girls" dos partidos;

Assistiu-se à “invasão” do ensino militar pelo ensino civil;

Tenta-se, constantemente, transformar os militares em funcionários públicos de manga – de - alpaca; e insiste-se na submissão em vez da subordinação;

O estatuto da reserva tem sido destruído paulatinamente;

A reforma da saúde militar é um “molho de brócolos”;

Insistem em misturar os estabelecimentos de ensino militar – como se pudessem fazer omeletes com ovos cozidos;

As FAs foram diminuídas e algo achincalhadas em termos de protocolo de Estado;

As FAs estiveram cerca de 30 anos afastadas de poder participar no Dia de Portugal, a 10 de Junho;

Não há defesa política e institucional das FAs a não ser em palavras de circunstância;

O poder político faz leis para as FAs e os militares, que depois não cumpre: uma altura houve, em que havia cerca de 40 diplomas em incumprimento!

Por último “emparedaram” a carreira militar retirando aos militares a única coisa que lhes restava, com a redução constante dos quadros; mudança aleatória, no tempo e no modo, das regras existentes e congelamento inaudito das promoções.

O Decreto - Lei 373/73 – que deu origem ao 25 de Abril – em comparação com este último parágrafo, é apenas um conto de fadas…

Em súmula, o desrespeito e desconsideração institucional tem sido enorme: generais e almirantes achincalhados na praça pública; ministros pornograficamente ignorantes e impreparados para a função (houve um que só aguentou duas semanas); outro que nunca chegava a horas a lado nenhum (e até chegou a escolher um Secretário de Estado da Defesa num clube de oficiais!); outro, ainda, que resolve ir a uma cerimónia militar que já se efectuara e depois mandou repetir; a lista podia continuar.

Talvez o único ministério que durante anos e anos tinha as contas em dia era o da Defesa, as FAs sempre pagaram a horas, pois não descansaram enquanto não acabaram com isto. Quiseram rebaixar-nos ao nível deles!

O MDN devia, sem dúvida, mudar de nome, devia chamar-se aquilo em que na verdade se tornou: a comissão liquidatária das FAs.

*****

Em Conclusão:

Gentinha arrivista e ignorante que tem passado pelos paços do poder tem-se comportado como sociopatas e militaricidas. São perigosos.

Transformaram os militares em cidadãos de terceira categoria e as FAs num apêndice do Estado, mal tolerado.

Por isso já se compreende muito mal, que quem é chamado (ou tem oportunidade) a pronunciar-se sobre o estado das coisas castrenses, se refugie no maldito do politicamente correcto e não fale, naturalmente, na realidade das coisas; saiba ao menos explicar quais são as missões e razão de ser das FAs e não se encolha – quase em retirada estratégica – a dizer que ainda há coisas que podem ser racionalizadas. Além de não ser verdade, dão tiros nos pés e passam um atestado de incompetência aos chefes anteriores…

E também já chega de haver quem ande a agitar espantalhos de indisciplina ou insubordinação e depois concluir que agora como é tudo democrático, toda a gente vai portar-se bem…

A Democracia não é para aqui chamada (e até me parece ser mais fácil que ocorram problemas em Democracia do que em ditadura…) e não tem nada a ver com o que se passa.

O que se passar tem a ver com decência…

O que tiver que ocorrer ocorre em função de três coisas: haver um conjunto suficientemente alargado de disparates; ambiente, maturado, em que se possa reagir aos mesmos e um “ignidor”. É uma espécie de triângulo do fogo…

As coisas são como são e acontecem quando têm de acontecer.

Foi sempre assim e sempre assim será.

Por isso juízo.

O conjunto da IM tem suportado estoicamente todo este rol de agressões inomináveis tendo como único escape o abandono do serviço activo.

Os militares têm carregado a cruz da servidão militar, agarrados ao espirito de serviço e do dever, no mais da vez de boa mente, quiçá com alguma esperança. Com sentido de estado e a encaixar danos, faz décadas (eu, confesso, que há muito – mesmo muito - que me desiludi e lhes perdi o respeito).

A paga que têm tido é a que está à vista e confluíram nestas miseráveis medidas que andam no ar.

Convém, ao menos, que os militares morram como as árvores, de pé. E ser disciplinado não tem o mesmo significado de ser castrado.

Resolver os problemas do país não passa pela destruição da IM [2]. Nem o governo está mandatado para o fazer. Muito menos a “Troika”, ou quem ela representa.

Seria crime de traição à Pátria.

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[1] Lei da Defesa Nacional e das FAs
[2] Mas acabar com a IM é acabar com o país…

sábado, 2 de fevereiro de 2013

ESTRATÉGIA, ÓH ESTRATÉGIA!...

“Beneficium accipere libertatem est vendere”
(Aceitar um benefício é vender a Liberdade).
Publilius Syrius, século I, a.c.

Se bem estão lembrados o Sr. Ministro da Defesa – presume-se que por ordem do Chefe do Governo, dado ser ele o primeiro responsável pela Política de Defesa Nacional – solicitou a um grupo de 27 personalidades, com provas dadas em diferentes sectores da vida nacional, a elaboração de uma proposta de um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN).

Antes do grupo ter começado a trabalhar atrevi-me a fazer algumas considerações das quais, é justo referir, ter-me enganado numa: a de ter augurado (dado o elevado número de elementos que o compunham e o curto prazo fixado) que teriam muita dificuldade em ter o documento pronto. Mas, o que é certo, é que o conseguiram e não consta que as suas 109 páginas sejam despiciendas.

Desse facto me penalizo, ao mesmo tempo que realço o feito.

No restante, porém, não me enganei muito, sobretudo no parecer que tudo não serviria mais do que para “épater le bourgeois” e que, no fim, o papiro iria para a gaveta.

Não me passa pela cabeça ir analisar o que ficou escrito no sentido de o “criticar” mas, talvez, seja pertinente fazer alguns comentários, à volta do mesmo.

A primeira consideração é a de que seria desnecessário o trabalho. Porquê?

Porque do anterior nada de significativo mudou (a não ser uma coisa): não mudou a geografia, nem o carácter das pessoas, nem as ameaças ou riscos – foram apenas diminuindo as nossas capacidades…

O que mudou – e sobreleva tudo o resto – foi o desregramento financeiro medonho que colocou o país à beira da bancarrota, e debaixo do escrutínio de uma comissão internacional (e internacionalista), que reduziu grande parte da Soberania Nacional, a estilhas.

Logo, seria natural que o CEDN a delinear incidisse sobre este ponto (que impede, na prática, a decisão sobre qualquer outro).

Ou seja e em súmula, como pôr a “Troika” daqui para fora.

Mas nada disto se passou nem o Ministro Gaspar deixava…

No entretanto esclareci duas dúvidas e obtive uma informação que desconhecia.

Em primeiro lugar que o GT não recebeu qualquer directiva política sobre o Conceito Estratégico e que a diferença de designação de CEDN para Conceito Estratégico de Segurança e Defesa Nacional (CESDN) tinha sido uma iniciativa do GT e não por indicação de quem encomendou o trabalho.

Finalmente, o GT baseou todo o seu articulado na perspectiva de que o país está no limiar da sobrevivência o que, sendo uma postura realista e correcta, caíu mal em diversos círculos do poder e terá exasperado algumas figuras da política. O que deve ter ajudado à subalternização senão mesmo, à irrelevância do documento, arduamente elaborado durante 75 dias.

Para obviar a que tal possa acontecer por completo, só há uma coisa a fazer que é o de o divulgar e manter a discussão sobre o tema em diferentes “fora”.

Já relativamente à iniciativa referida de mudar o nome para CESDN e à inexistência de orientações, parece querer significar que o MDN deu carta-branca ao GT para elaborar sobre o que muito bem entendesse. O que não deixa de ser curioso a vários títulos.

Primeiro porque a Estratégia (ou as estratégias), deve derivar de uma orientação política (embora os caminhos a percorrer sejam, simultaneamente, ascendentes e descendentes) e isto significa que o Governo não a tem e delegou no GT delineá-la.

Definir objectivos políticos, estabelecer prioridades, hierarquizar cenários e considerar “timings”, é fundamental para se objectivar esforços, adquirir capacidades, orientar sinergias, etc.

E, ainda, para evitar um dos principais erros em que se caíu quando se elaboraram os anteriores CEDN, que é serem generalistas e abrangentes, ou seja davam para tudo o que resultou serem consequentes em nada!

Aliás, nada faz sugerir que todos os governos que tivemos, nas últimas décadas, tivessem a mais remota intenção de se orientarem pelo que pudesse estar escrito nesses documentos. E tirando os ministros da defesa e alguns deputados da Comissão Parlamentar de Defesa, mais nenhum político os deve ter lido alguma vez.

Tudo isto seria já de si suficiente para que o GT tivesse como base de trabalho o “nada” ou a sua imaginação.

As 109 páginas demonstram que essa imaginação foi usada, mas ela teve que ultrapassar ainda um outro “nada”, ou “vazio”.

Expliquemo-nos.
Uma estratégia pressupõe adversários, inimigos, riscos e ameaças. E pressupõe que existe algo a defender ou, no caso vertente, a tornar seguro – um conceito mais alargado.

Para tal é necessário definir o que importa defender, dado que se encontra esbatido na mente de quase todos desde que, na sequência do 25/4/74 se estabeleceu, de algum modo como um dogma, que “Portugal era amigo de todos e todos eram nossos amigos”…

Além disso em “Democracia” não há lugar a conflitos...[1]

Daí à genuflexão militante, foi um passo.

Ainda tivemos um arrobo de personalidade (melhor dizendo, uma má consciência do tamanho do mundo!), aquando da questão timorense – e após 10 anos de inatividade – lá tentámos reparar uma desgraça da qual os poderes em Lisboa tinham sido os principais (senão os únicos) responsáveis.

Bom, mas as relações internacionais são baseadas no Poder: poder político, diplomático, económico, financeiro, cultural, psicológico e militar. Mas sempre poder real, efectivo, que exista e possa ser exercido.

Ora os sucessivos governos portugueses têm-se entretido a desbaratar todo o Poder Nacional Português - TODO - como, aliás, o GT reconheceu ao afirmar que “apenas nos resta algum poder residual”…

E, neste âmbito, bem se pode afirmar que os diferentes órgãos de soberania se têm comportado como subversivos da Nação dos portugueses!

Logo, se não existir Poder – que se decompõe em capacidades várias - permitindo opções estratégicas variadas (quanto mais poder, mais opções…), não é possível delinear qualquer estratégia. De onde decorre que a elaboração de um CEDN torna-se um exercício vão, por se estar a elaborar sobre o … nada!

Quando muito pode-se enunciar uma estratégia genética com o título “o que se pode fazer para obter um mínimo de poder que nos baste”…

Um derradeiro comentário: 
No início das “Disposições Finais” da proposta de CESDN, pode ler-se o seguinte: “O CESDN fundamenta-se na agregação de todos os elementos com o objectivo final e permanente de proteger a nação portuguesa, garantindo a sua sobrevivência como entidade política e humana, independente e soberana”.

Ora este conceito - que está correctíssimo como defensor e garante, daquele que foi o Objectivo Nacional Permanente Histórico, número um, desde a fundação da nacionalidade - encerra uma contradição insanável.

Esta contradição diz respeito à nossa permanência na União Europeia, sobretudo desde que o nosso país assinou o Tratado de Maastricht e, depois, o Tratado de Lisboa.

É que estes tratados são incompatíveis com aquele desiderato expresso na proposta de CESDN. Até porque, tudo isto, de nacional não tem nada!

Esta coisa do “Rei” teimar em se passear nú, pelas diferentes épocas e serem só as crianças[2] a exclamar a evidência acaba, por norma, mal.

Muito mal.


[1] E, se por remota hipótese, algo surgisse, lá estaria a NATO (quiçá a ONU e a UE – ah, ah, ah).
[2] A quem, ainda, não taparam os olhos ou a boca…