“Defesa Nacional…? Em Portugal não existe. É um milagre permanente."
Oliveira Salazar
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O Tridente a entrar no Tejo rumo ao Alfeite |
A entrada para a CEE
(Comunidade Económica Europeia) em 1982, reuniu - mais por falta de alternativas, negação de um passado de seis séculos, e uma bem orquestrada campanha nos “media” -, o consenso político-social da Nação
(à parte o Partido Comunista que se opôs)
Essa entrada foi encarada até por muitos, por ingenuidade ou demagogia política e ignorância geo-estratégica, como “uma nova Índia”, ou uma versão actualizada da “árvore das patacas”.
Até há poucos anos, e sem embargo da evolução da CEE para CE (Comunidade Europeia) e desta para UE (União Europeia) , o povo e os políticos estiveram como que narcotizados pela abundância dos fundos estruturais e pela sensação psicológica de terem passado a fazer parte do clube dos ricos (orgulhosamente acompanhados…), ao passo que se descurava alegremente o aproveitamento do crédito em mais valias futuras que permitissem um desenvolvimento sustentado e se compraziam, olimpicamente, com a destruição do nosso tecido empresarial agrícola, das pescas e das pequenas empresas, e a invasão e controle de enormes fatias do sector industrial, financeiro e de serviços, por parte de grupos estrangeiros.
Até à poucos dias, dizíamos, tudo era um mar de rosas e não se vislumbrava – nem se queria vislumbrar -, quaisquer ameaças.
Tal estado de coisas começou a mudar quando a UE começou a indiciar querer enveredar por um caminho federalista (dominado pelo eixo franco-alemão), e à medida que se aproximava a integração de numerosos países do leste, o fim das ajudas financeiras (2006) e a crise económica, começaram a pôr a nú, que a aplicação do dinheiro e a orientação política não tinha sido a melhor. E as infra-estruturas entretanto criadas, serviam muito mais os interesses estranhos, nomeadamente espanhóis, já que permitiam que economias estranhas – mas comunitárias -, invadissem em condições mais vantajosas o mercado português.
A situação é muito grave e sobre ela não se pode discorrer no espaço de um artigo.
Passaram, então, a surgir na opinião pública e a nível político alguns alertas vermelhos, que começaram a pôr travão – ainda que ténue – no plano inclinado que levará se não for invertido, ao desaparecimento de Portugal e a passagem do seu povo à condição de servos, mesmo que para muitos essa condição apresente contornos dourados ….
A invasão do Iraque pela coligação anglo-americana veio provocar largo distúrbio dentro da UE, na NATO e nas relações transatlânticas. Foi um aviso providencial (não sei se do Cristo de Ourique, da Senhora da Conceição de 1648, ou da Fátima, de 1917) que retirou, espera-se que para sempre, o governo português da sua letargia cobardolas face a Bruxelas.
O recente episódio da tentativa de usurpação (encontram-lhe outro nome?), dos direitos portugueses relativamente à sua Zona Económica Exclusiva – atenção, isto não tem a ver só com pesca! -, é sinal inequívoco de que já foi ultrapassado o “timing” de mandarmos retirar a massa consistente das culatras. Isto implica sacrifícios mas tem que ser feito e é bom que nos compenetremos disso.
O CEDN - Conceito Estratégico de Defesa Nacional (Revisto em 2002 e aprovado em 20/12/02), bem como o anterior, tem como característica maior, dar para quase tudo, o que resulta, na prática, não servir para quase nada. Ou seja, não permite orientar concreta e especificamente os documentos a jusante que dele devem derivar. E como nenhuma das suas partes é classificada (numa interpretação cretina da liberdade de expressão e informação, de que tudo deve cair na praça pública…), o núcleo mais substancial das questões não pode ser aprofundado.
Ou seja, o CEDN passou a ser um conjunto articulado de generalidades e vacuidades obviamente de cariz “politicamente correcto”, o mais abrangente possível, demagogicamente formatado q.b., de modo a evitar pruridos político-partidários e agitação na opinião publicada.
A Defesa Nacional (que devia ser encarada mais como Segurança Nacional), cuja responsabilidade recai no Primeiro Ministro (PM), mas cuja execução este normalmente, alija no Ministro da Defesa Nacional (MDN), tem-se restringindo às Forças Armadas (FAs). E isto apesar dos protestos universais (e consensuais) de que a Defesa Nacional deve ter um carácter abrangente e plurisectorial.
Ou seja, deve englobar todos os sectores do Estado e da Sociedade que, de alguma forma, possam ter a ver, ou concorrer, com a PDN. Ora isto tem sido uma mentira política em Portugal, que a prática prova à saciedade. Basta referir que nenhum ministério apresentou até hoje qualquer conceito estratégico derivado do CEDN e que não há obra pública (por exemplo), que não seja escrutinada por uma qualquer organização ambientalista e que ninguém esteja preocupado com os pareceres do MDN que, aliás, na maioria dos casos deviam ser vinculativos.
Ora passando-se as coisas assim, naturalmente também nunca tivemos “de facto” um MDN. Tivemos, isso sim e apenas, um ministro para as FA’s e que a prática tem revelado, cremos que à evidência, ter como objectivo essencial a redução progressiva da Instituição Militar (IM) através do seu asfixiamento financeiro, administrativo e em pessoal.
E, ainda, de garantir o sossego nos quartéis através do conceito nebuloso da “subordinação”, das FA’s ao poder civil legitimamente constituído. E dizemos nebuloso porque se confunde e usa constantemente (propositadamente?), o termo “subordinação” com o termo “submissão”, que são de natureza e significado distintos. E se o primeiro é aceite naturalmente pela generalidade dos militares, já o segundo é uma aberração.
No início dos governos constitucionais foi prática corrente, atribuir ao MDN o estatuto de segura figura hierárquica no governo, sendo uma das razões primeiras a de, por esta via, facilitar a convergência de esforços com os restantes ministérios, na realização de tal política de defesa tida por complementar.
Como se sabe por falta de força ou interesse político, tal desiderato nunca se verificou e a manutenção da categoria hierárquica caiu de per si, nos governos seguintes. Foi repescada no actual governo, mas isso nada teve a ver, estamos em crer, com a importância da Defesa Nacional, mas sim com equilíbrios de coligação. E teima-se em colocar à frente de tal delicada pasta, personalidades cujas experiências profissionais, conhecimentos e preocupações estão, de um modo geral, nos antípodas do perfil necessário à função.
Por outro lado acreditamos – e, mais uma vez, socorremo-nos da prática factual -, que o Estado Português deve ser questionado nas suas prioridades.
Numa disciplina (muito criticada posteriormente) chamada “Organização Política e Administrativa da Nação”, aprendemos nos nossos tempos de liceu, que as funções clássicas do Estado eram três: a Segurança, a Justiça e o Bem Estar. Por esta ordem, já que, em lado algum do mundo, se pode bem estar, sem Justiça e ser muito difícil garantir aqueles, sem haver Segurança.
Se o Estado, em termos abstractos, não servir para providenciar a Nação com tudo isto, passa a ser apenas uma despesa, que se alimenta a si próprio.
Ora, o Estado Português contemporâneo, aparenta ter tudo isto baralhado, já que não tem ligado quase nada à Segurança; não procura a Justiça, dando-se por satisfeito com o exercício diletante do Direito e quanto ao Bem Estar, tem demonstrado uma incompetência grande em retirar o país dos lugares mais inferiores das nações com que nos comparamos – e isto em todos os índices em que tal posição é medida -, e em garantir minimamente o nosso desenvolvimento sustentado futuro.
E isto apesar de todos os fundos de coesão (cerca de dois milhões de contos/dia), oriundos da agora, União Europeia. Ainda por cima alienando constantemente fatias acrescidas de soberania política, económica e financeira, pondo com isso em causa a nossa individualidade e identidade como povo. Isto é, de sermos livres.
Deste modo não espanta, antes é o seu corolário natural, que os prazos para a elaboração de toda a legislação que regula a execução do PDN, sejam constantemente negligenciados (até porque tudo é constantemente posto em causa - e talvez haja documentos a mais e prazos curtos), e quando algum documento vê a luz do dia ou já está ultrapassado ou fazem dele letra morta. Do mesmo modo a Lei de Programação Militar (LPM) que é, de facto, o documento que representa o empenhamento político de qualquer governo na execução real da PDN, no âmbito militar, sofre de constantes constrangimentos, alterações, dilações, indecisões, etc., que levou a que até hoje, nenhuma das LPM já aprovadas fosse minimamente cumprida.
Aliás um veterano deputado da Comissão Parlamentar de Defesa disse publicamente – e nós ouvimos (Intervenção pública do Dr. João Amaral no seminário sobre a LPM, promovido pela Associação de Estudantes da Universidade Lusíada, em Novembro de 2001) - que a LPM só serve para uma coisa: não ser cumprida!
A Lei de Defesa e das FA’s por seu turno representou mais um ajuste de constas entre os políticos e os militares – nomeadamente o Conselho da Revolução -, e a procura do confinamento dos militares aos quartéis, após os excessos lamentáveis do PREC (Processo Revolucionário em Curso – período que se situa entre o 11 de Março de 75 e o 25 de Novembro do mesmo ano) , do que propriamente uma tentativa organizacional/legislativa para enquadrar a IM no seio da nova ordem político-constitucional e, sobretudo, em garantir a sua efectiva operacionalidade.
Enfim, passaram 25 anos sobre a sua gestação. Está na altura de rever algumas das suas áreas, dando novas competências ao Conselho Superior de Defesa Nacional, estabelecendo e regulamentando o estado de crise; simplificando e tornando mais eficaz a estrutura superior dos Ramos, EMGFA e MDN e remodelando alguns constrangimentos de cidadania que retiram dignidade ao cidadão militar.
Quando se fala hoje em dia, em CEDN, não podemos ignorar a importância que o debate sobre o terrorismo espoletou após os acontecimentos do 11 de Setembro. A intervenção das FA’s neste combate global está em cima de todas as mesas e o que puderam fazer neste âmbito está incluído nas “novas missões” a contemplar. Esta questão veio reabrir o debate, em Portugal, relativamente à Segurança Interna, área que tinha sido interdita constitucionalmente, às FA’s desde 1975.
Para se mexer neste âmbito (e vai ter que se mexer), é necessário primeiro ultrapassar os “complexos” sobre o que se passou durante a vigência do “Estado Novo” e volta-se a assumir que, ser o garante da unidade do Estado também é uma das missões das FA’s. É evidente que toda esta problemática contém aspectos delicados, devendo-se legislar no sentido de definir muito concretamente as áreas de actuação conjunta e separada entre as Forças de Segurança e as FA’s bem como toda a cadeia de comando, controlo, comunicações e informações. Existem várias áreas de actuação comum (onde aliás, já há muito que existe colaboração), como sejam, todo o tipo de acções terroristas, o narco tráfico e outros tipos de contrabando; a emigração clandestina; protecção de pontos sensíveis, etc., que necessita ser regulamentada urgentemente.
“Conter Castela em terra e batê-la no Mar”
D. João II
E chegámos à “invasão” da nossa zona económica exclusiva e aos submarinos.
A questão da substituição da frota de submarinos arrastou-se demasiado tempo parecendo mover-se num teatro de sombras e eternizar-se como as obras de S. Engrácia. O processo durou uns bons 15 anos, passou por meia dúzia de ministros da Defesa e mesmo depois de se ter decidido repetidas vezes que se comprava, o facto é que os passos decisivos foram sendo sucessivamente adiados.
A questão tornou-se um nó górdio até que no consulado de Paulo Portas como Ministro da Defesa,se assinou finalmente a compra depois de se congeminar uma complicada engenharia financeira que postergava o inicio do pagamento para 2009. No entanto o então ministro vibrou um duro golpe no programa ao deminuir o número de unidades de três para duas...
De tudo o que se disse só há uma conclusão a tirar: não havia (nem há) vontade política para adquirir novos submarinos. Convém tentar perceber porque é que esta falta de vontade política existe.
Quanto a nós por duas razões fundamentais. A primeira relacionando-se com a falta de uma ideia clara sobre a sua necessidade; a segunda com o deficit de autoridade para arcar com o ónus da decisão.
Para se perceber o fulcro desta questão cuja síntese é ilustrada pela frase do nosso preclaro Rei D. João, o segundo (e que é tão válida naquele tempo, como nos dias de hoje...), é necessário ter alguns conhecimentos de História, Estratégia, Geopolítica, Relações Internacionais, etc., matérias que a maioria da nossa classe política domina mal. Por outro lado, a nível das FA’s, os militares estão divididos quanto ao assunto, por razões intelectuais, de racionalização de objectivos face aos constrangimentos existentes e por razões de índole corporativa.
Os diplomatas poderiam dar uma ajuda neste assunto, mas ainda não se encontrou uma plataforma de entendimento equilibrada entre duas ordens de formação distinta e duas formas de actuação muito diferenciada. Estamos a falar de militares e diplomatas. E no entanto eles são duas faces da mesma moeda que é o interesse nacional. Para além disto os diplomatas ainda têm sido mais afectados pelas flutuações político-partidárias do que os militares ...
Ora para se resolver de vez, a questão dos submarinos, é preciso falar claro e chamar os verdadeiros nomes às coisas.
Muita gente tem andado à procura de ameaças para justificar os submarinos. Ora não é aí que está o cerne da questão. Nós precisamos de submarinos para nos defendermos mais dos nossos “amigos” do que dos nossos “inimigos”. Nós precisamos dos submarinos como afirmação de soberania, como expressão de vontade política, como que a dizer que estamos vivos e nos recomendamos; para evitar vazios estratégicos; e para manter aberta a fronteira marítima que é o símbolo da nossa liberdade. E tudo isto, por si só, cria dissuasão, contra as ameaças. Qualquer uma.
Ou seja os submarinos têm a ver com preocupações de carácter permanente (pelo menos enquanto o mundo for o que é), e não depende de evoluções do CEDN, nem com flutuações de ameaças. Está refém de um determinismo geopolítico!
Depois, então, poderemos avançar com as vantagens adicionais: aumentar o peso e a flexibilidade da nossa participação em organizações internacionais; não deixar morrer uma escola de qualidade e excelência com quase 100 anos; permitir a execução de um número acrescido de missões, incluindo as de âmbito civil, e a melhoria do treino com outros meios militares; etc.
Agora o segundo aspecto, o da autoridade para fazer face no ónus político. Esta autoridade está minada pela prática partidária, contradições internas e pelo modo como se têm encarado as FA’s e as necessidades da Defesa e Segurança. Ora tudo isto torna muito complicado explicar à opinião pública a necessidade de gastar tanto dinheiro na compra de submarinos.
De facto os submarinos são caros, mas os sucessivos executivos têm-nos tornado mais caros pelos diversos adiamentos e pela incrível decisão de os quererem pagar em “leasing”. E isso não é da responsabilidade dos militares. Como não é da responsabilidade dos militares o desinvestimento que foi feito em todos os espectro do equipamento militar e que dura há mais de duas décadas, tornando agora tudo mais complicado e carecendo de investimentos desproporcionados.
E se agora não há dinheiro (ao que dizem), a culpa também não é dos militares que até há pouco tempo sempre pagaram tudo a horas; que viram os seus orçamentos reais, serem diminuídos constantemente nos últimos 25 anos e que são exemplo de contenção e racionalização para todo o país. Repetimos, para todo o país.
E permitimo-nos contestar a desculpa de não haver verbas para as FA’s com a situação financeira. Moralize-se tudo e não apenas as FA’s!
Há empresas públicas que dão milhões de euros de prejuízo há um ror de anos e alguns dão-se ao despautério de ficarem contentes em reduzirem o seu saldo negativo para outro menor, mas igualmente negativo; o MDN nunca necessitou de nenhum orçamento suplementar como por exemplo o da Saúde, que nem sabe quanto gasta; o Ministério da Educação tem há vários anos, mais de um bilião de contos de orçamento; quem até hoje foi responsabilizado pela indigência intelectual, técnica, física e até moral, da maioria dos nossos formados? Porque se insiste em despejar milhões na vergonha em que se transformou o nosso futebol?; porque se insiste em projectos algo faraónicos de prioridade duvidosa?
A lista podia continuar. Como se vê não deve ser por falta de dinheiro que não se podem comprar os submarinos. Mas se por acaso fosse, só restava negociar empréstimos, fazer valer alianças, conseguir contrapartidas. E, claro, criar mais riqueza interna. Mas para isso é preciso ter a tal ideia de Portugal, que permita pôr as pessoas a trabalhar e a produzir. Neste âmbito a prática política tem sido um absurdo. Reparem: quem é que apela ao trabalho duro?, ao esforço continuado? ; ao primado do mérito? É difícil vislumbrar. O que não é difícil topar, é com massivos apelos e promessas, de melhores reformas, benefícios sociais e aumento do nível de vida.
Ora o processo de como chegar a este último desiderato (viver bem – embora ainda não se prometa a imortalidade), sem passar pelos métodos antes apontados – certamente tidos por arqueológicos - deve pertencer ao domínio da Alquimia, que nem os mais avançados laboratórios da demagogia política conseguiram até hoje explicar.
Agora que o primeiro submarino já foi lançado à àgua (embora a Nação não tenha dado conta disso...),começa-se a ouvir quem defenda a sua ....venda.
O Poder está demasiado atomizado e a autoridade ausente. E depois admiram-se que nos queiram abocanhar a ZEE,como consignado no Tratado de Lisboa ...
Afinal, a Defesa Nacional continua a ser um milagre permanente.