“Sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da fantasia”. Eça de Queiroz
Confesso que gosto de assistir a cerimónias militares. Sempre que posso e me convidam, faço por estar presente. Sou uma espécie de abencerragem…
Desta feita fui assistir ao dia da Infantaria, que coincide com o dia da batalha de Aljubarrota de que este ano se comemorou o 625.º (!) aniversário.
Esse magnífico fim de tarde de uma aurora luminosa, feito de armas ímpar, inspirador perpétuo dos brios nacionais.
Como é timbre das coisas militares a cerimónia decorreu simples, digna e escorreita. Tempo para observar e reflectir. Eis o resultado.
Se pensarmos bem, todas as cerimónias militares em geral, e algumas em particular (como esta última), representam um anacronismo político. Porquê? Simples, porque tudo o que nela se defende, todo o seu ambiente e todo o seu espírito, não têm qualquer correspondência com a postura política, dos políticos contemporâneos.
Reparem: os militares apelam à defesa da Pátria, evocam os heróis nacionais que a defenderam ao longo dos séculos; honram os caídos nos campos de batalha (no campo da honra?!), respeitam-se os símbolos nacionais.
No âmbito político entrega-se a soberania a entidades internacionalistas; subordina-se as leis nacionais ao articulado de Bruxelas, quase ignoraram a santificação de D. Nuno, escondem da população os novos equipamentos para as FAs (vidé submarinos...), etc.
Será que alguns destes actos são compatíveis com o juramento de Bandeira? Ou será que um dia destes vão legislar no sentido de colocarem o símbolo da UE, ao lado da bandeira das Quinas, na formatura?
Nas cerimónias militares respira-se ordem, hierarquia, organização, respeito… quanto à parte política os leitores responderão por si.
Os militares evocam as grandes referências da Nação, aqueles que se bateram com risco de vida, enfim os seus chefes ilustres e os patronos. No campo político permite-se que um cidadão desqualificado pelo seu passado anti patriótico, por se ter bandeado com os inimigos que nos emboscaram as tropas, num passado recente, seja candidato a Presidente da República e Comandante Supremo das FA (e alguns militares também apoiam!...)
No âmbito das cerimónias militares apela-se à união, à coesão, à lealdade, à camaradagem; no campo político é tudo centrifugo e desagregador, deixando a luta político-partidária de ser uma confrontação frutuosa de ideias e de uma luta leal pelo exercicio temporal do Poder, para se transformar numa guerra civil permanente que nos amarga o quotidiano e nos compromete o futuro! (vale o facto de ainda não termos entrado em violência política, mas será que não entraremos a breve trecho?).
Por isto, uma cerimónia militar, representa do ponto de vista político, um anacronismo. E estou convicto que a maioria dos políticos, mesmo os de nomeada, acham os militares uns seres anacrónicos, que não entendem, representam uma despesa e são uma maçada.
Por outro lado, uma cerimónia militar é já um anacronismo social. Porquê? Simples, porque as cerimónias militares são a expressão pública de toda a vivência, referências e estrutura que se vive paredes adentro da Instituição Militar (IM) e tal estar nos antípodas, dos hábitos e valores (ou ausência deles), que há umas três décadas a esta parte imperam na sociedade.
O expoente de tudo isto pode ser exemplificado com o fim do Serviço Militar Obrigatório (uma asneira de gabarito!) e a subsequente dificuldade em arranjar recrutas. Além disso, as cerimónias militares não têm público - tirando os familiares nos juramentos de bandeira e cada vez mais têm uma cobertura fugaz na comunicação social.
Ora havendo a existência destes dois anacronismos rapidamente podemos passar para um anacronismo histórico, ou seja, a uma coisa do passado.
Poderá parecer, assim, pela lógica aristotélica, que as cerimónias militares – ou seja a IM – se deveria adaptar às realidades políticas e sociais.
Acontece porém, que aquilo que as FAs e os militares defendem, o modo como se organizam e os valores que os orientam, estão correctos e não podem ser outros. E por isso não são aquelas que têm que se adaptar aos maus exemplos dos políticos e da sociedade. São estes e esta, que devem arrepiar caminho das veredas que levam ao precipício e para onde querem, conscientemente ou não, arrastar uma Instituição quase milenar, que lhes é indispensável.
Uma palavra última para um pequeno anacronismo sobre as cerimónias militares, elas próprias: os discursos são longos e abundantes. Alguns reflectem apenas uma “choca” académica oriunda da “universidade” militar de Pedrouços. Deve-se gastar alguma reflexão nisto.
Em primeiro lugar o público – que já vimos ser escasso – não ouve nada; as forças em parada – por razões que seria ocioso explanar – também não escutam coisa alguma - a estes deve-se falar em ambiente apropriado; os discursos não podem dizer nada de relevante: os assuntos de serviço, devem ser tratados em sede própria; recados para a sociedade ou para o poder político, também.
Quem sair fora deste âmbito ver-se-á demitido, seguramente com a carreira prejudicada. Por outro lado, dizer “generalidades e culatras” ou tecer elogios que cheirem a unto, também não fica bem a ninguém. Passar mensagens, referir exemplos, explicar conceitos, dar referências, de forma entendível e enxuta, eis o desafio. Enfim, a audiência é a bancada…
Finalmente, os discursos em nada reflectem o que se fala a seguir no almoço, tão pouco ao café…
Os anacronismos, verdadeiros ou falsos criam desintonias e estas têm consequências que, por norma, não são boas.
Realidade que o Eça, tão bem, já identificara.
Caro Amigo,
ResponderEliminarParabéns por ter criado este blogue, onde pode guardar para si e os outros aquilo que publicar.
Impunha-se que o fizesse.
Já guardei o link e já sou seu seguidor, como pode ver na minha ficha de blogger e na margem dos meus blogues.
Desejo felicidades e persistência na escrita. Não lhe faltarão visitantes e comentadores
Um abraço
João
Do Miradouro
Quero, especialmente, deixar aqui os meus sinceros parabéns por este seu novo blogue.
ResponderEliminarQuanto ao artigo onde insiro este curtíssimo comentário, está excelente, como aliás já nos habituou.
De modo conciso, coloca mais uma vez a tónica na aleivosia destes políticos, avidamente impregnados de um apatriotismo exacerbado - para além de um sem-número de outras maleitas de que padecem (qual delas a pior) -, que vergonhosamente hipotecam o presente e o futuro do nosso bem-amado Portugal.
Continue escrevendo e denunciando esta "anormalidade" em que caímos. A sua contribuição é inestimável. Terei todo o gosto em lê-lo.
Bem-haja
Parabéns pela criação do Blog “O ADAMASTOR” fazia falta, para os seus excelentes artigos:
ResponderEliminarAverbei “O ADAMASTOR” aos Blogues:
“LONGE É A LUA” http://rogegill.blogspot.com/#www.opromo.com,
e “ANGOLA TERRA NOSSA”. http://angolaterranossa.blogspot.com/#www.opromo.com
Meu caro Brandão
ResponderEliminarNo nosso país todos gostam de se ouvir...até tu.
Quanto aos nossos generais,e tu conhece-los todos...já que ninguém os ouve...fazem-se ouvir (?) pelas tropas em parada.
Claro que a malta na hora da bica fala mais do Benfica e do FCP,porque esses são a verdadeira alegria do povo.
Quanto aos nossos políticos...não há nada a fazer,eles são a emanação de todos nós.
Se a malta um dia se recusa-se a colocar o voto na urna, como já escreveu o teu amigo José Saramago,talvez os fizesse-mos pensar duas vezes.
Talhinhas.
Ó Brandão...que raio de democracia é a tua???
ResponderEliminarOs comentários também têm de ir a exame prévio?
Será para desincentivares a malta?
Tens medo de quê?
OK...se não queres publicar é lá contigo.
Talhinhas.