quinta-feira, 13 de julho de 2017

SER MILITAR DA FORÇA AÉREA: UMA PROFISSÃO OU UMA VOCAÇÃO?

Texto publicado no livro comemorativo dos 65 anos da Força aérea, lançado no pretérito dia 10.






SER MILITAR DA FORÇA AÉREA: UMA PROFISSÃO OU UMA VOCAÇÃO?


“A toupeira não pode ter do mundo a mesma visão da águia”.
Séneca

            A essência da Força Aérea está intimamente ligada à sua missão, que sinteticamente se pode definir como a da “Defesa do Espaço Aéreo Nacional e a Cooperação com as Forças Terrestres e Navais”.
            É esta missão que vai enformar toda a instrução do militar da Força Aérea, ser omnipresente na sua actuação e guiar todas as suas sinergias.
            Pode inclusive, requerer o sacrifício de todo o seu ser.
            A Força Aérea é um Ramo das Forças Armadas por isso a base de toda a sua formação e estrutura, é militar.
            É, outrossim, uma instituição, quer dizer uma cousa estabelecida; uma estrutura de ordem social que regula o comportamento de um conjunto de indivíduos dentro de uma determinada comunidade; tem uma função que transcende os seus membros e as intenções, mediando as regras do comportamento.
            A formação militar é transversal a todas as especialidades e é o esteio onde tudo se apoia, de onde tudo deriva.
            A “condição militar”, caracteriza e condiciona pois, toda a postura dos servidores da Força Aérea.
            Servir é, deste modo, a medida referencial de quem ingressa na Instituição Força Aérea.
            Deste modo, quem vem, não deve vir procurar um emprego, mas sim assumir os valores, o modo de funcionamento e as implicações das missões que irá ajudar a cumprir.
            Tem que interiorizar toda a instituição e assumir como seus, os objectivos desta.
            Tem de “Ser” da Força Aérea, e não apenas “estar” na Força Aérea.
            Ora tal não se compadece com o querer apenas exercer uma profissão (do latim “professio”), isto é um trabalho especializado, uma ocupação produtiva, pela qual se recebe uma retribuição económica.
            Coaduna-se sim, com uma vocação e na manutenção do ideal dessa vocação (do latim “vocare”) e que podemos definir como uma tendência ou inclinação natural que direcciona alguém para uma profissão específica; quiçá um chamamento, que pode ter uma dimensão espiritual, algo que fazemos com amor…
            Por isso se pode perceber que ser militar da Força Aérea não é, não pode ser, o mesmo que ter um emprego, no sentido de ter uma ocupação mais ou menos temporária, pela qual se é remunerado.
            E também conheci muitos civis que tendo um estatuto e uma formação diferenciados, bem se pode dizer que serviram a Força Aérea com alma e coração.

                                                            *****
            Sendo a Força Aérea um dos Ramos das Forças Armadas está porém, enformada pelo meio onde opera - a atmosfera, desde a crosta terrestre até à troposfera – e da maneira como o faz.
            Operando e combatendo no Ar, os meios da Força Aérea estão todavia, umbilicalmente ligados à superfície terrestre, onde estão localizadas as suas infra-estruturas permanentes ou eventuais.
            A Força Aérea está habituada a utilizar tecnologia avançada, que é suportada por uma doutrina e personalizada numa táctica e numa logística, tudo envolvido por um conjunto de tradições sedimentadas por uma já centenária experiência.
            Este “uso do tempo” criou um “espírito aeronáutico” próprio.
            De todo este cadinho resulta um especial modo de ser e de estar e uma forma específica de comandar, que é onde reside o fulcro de toda a actividade desenvolvida.
            Deste modo a Força Aérea é o pilar mais importante do Poder Aéreo Nacional, cuja componente primordial é a sua capacidade letal. Isto é, a de causar danos e destruição a um hipotético inimigo.
            Como sói dizer-se uma Força Aérea sem munições é apenas um aeroclube muito dispendioso…
            Tal implica que os militares da Força Aérea estejam aptos e dispostos a matar e a morrer quando o cumprimento da missão o possa exigir.
            Missão que está firmada e salvaguardada, no Direito e na Ética.
            Missão que visa um objectivo que os ultrapassa e está para além deles: a defesa da Independência e Soberania de Portugal, a Integridade do Território e a Segurança da sua População, de qualquer ameaça que possa colocar em causa tal desiderato.
            Nem mais nem menos do que o objectivo histórico permanente e fundamental do Estado e da Nação Portuguesa, desde a sua fundação.
            Ora não se cumpre tal desiderato com simples “empregados, trabalhadores, ou colaboradores”, muito menos com mercenários.
            Carece de gente moralizada, instruída, corajosa e limpa. Exige vocação …
            Compreendemos que nem todos os que se alistam possam ter esta vocação – que é sobretudo necessária nos seus quadros permanentes – mas o “ar que se respira” deve de tal modo apelar aos valores vocacionais que tal ambiente irá formatar rapidamente quem se apresente pela primeira vez à porta de armas.
            As “deficiências” na vocação devem, então, ser minoradas pelo profissionalismo.
            Devendo ter-se sempre em conta que a vocação pode desenvolver-se no seio das fileiras, ou perder-se…
            E o que somos também deve emanar para o exterior.
            A citação de parte do relatório da viagem aérea a Macau, do Capitão Brito Pais, ilustra bem tudo o que dissemos:
            “Chamei Manuel Gouveia em Tripoli e disse-lhe: [1]
            - Você sabe, Gouveia, que vamos cruzar uma região perigosíssima e o voo é longo, cerca de 1.000 Km. Os perigos vão multiplicar-se, se formos obrigados a aterrar, a morte é certa. No deserto ou morremos de fome, se não encontrarmos ninguém, ou morremos decapitados se alguém nos vir. No mar, tão deserto como o deserto, se procuramos refúgio, a morte é certa também. Se você quer, vá para o Cairo num navio, nós o esperaremos aí.
            Gouveia olhou para mim zangado e, um pouco malcriadamente – porque não o direi? – respondeu-me apenas:
            - O meu comandante parece que não me conhece. Eu sou do Porto, da gente que deu nome a Portugal – Bolas! Se é preciso morrer, morre-se”.

                                                                *****
            Felizmente a Força Aérea e as suas antecessoras, Arma da Aeronáutica Militar e Serviço de Aviação Naval, foram servidos por muitos como Manuel Gouveia, durante a sua já vetusta História, que nunca deslustrou o País.
            E não poucos concorreram com o seu generoso sangue para a lista daqueles “em quem poder não teve a morte”.
            Foi nessa senda que a Força Aérea foi criada, existiu e existe, nunca deixando até ao limite das suas capacidades, de cumprir com as suas complexas e sempre arriscadas missões.
            E caso a nossa Padroeira – Nossa Senhora do Ar – e o patriotismo dos portugueses, assim quiserem e permitirem, continuará a existir e a cumprir, no futuro.
            Como o seu lema “Ex Mero Motu”, determina e subjaz, até hoje: Por Mérito Próprio!




                                                        João José Brandão Ferreira
                                                     Tenente-Coronel Piloto Aviador
                                                                         (Ref.)


[1] O então sargento mecânico Manuel Gouveia, grande pioneiro do Ar, mais tarde promovido a Tenente e hoje da classe de Sargentos da Força Aérea.
 

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