OS COMANDOS:
AGORA A SÉRIO [1]
“A Infantaria não é
uma pêra doce”.
Capitão Moura (meu
instrutor em 1972/73).
Um determinado
tipo/especialidade/arma/serviço de um Exército (no conceito lato de Forças
Armadas) deve ser criado ou extinto, por uma simples e única razão: existir ou
não, uma necessidade doutrinária/estratégica/táctica, para a sua criação,
manutenção ou extinção. Tudo o resto são divagações.
Por isso é que os
Alabardeiros foram extintos a partir do fim do século XVI e os Fuzileiros
renasceram em 1961.[2]
Os Comandos também
surgiram em 1962, devido a uma necessidade premente de ter uma força específica
de contra - guerrilha que cumprisse missões que mais ninguém fazia,
ultrapassando rapidamente a especialidade de “caçadores especiais” – que tinham
a sua inspiração remota nos Batalhões de Caçadores das Guerras Peninsulares –
preparados em Lamego e que tiveram uma vida efémera.
No fundo a
preparação dos caçadores especiais, era aquela que devia ser comum a todas as
unidades de infantaria…
É evidente que a
partir do 25 de Novembro de 1975, no caso específico português[3],
e na queda do muro de Berlim, em 1989, na generalidade dos países europeus,
passaram a existir dois outros aspectos que condicionaram a maneira como os
políticos e a opinião publicada passaram a olhar para as FA: a sua
dispensabilidade e a alocação de meios financeiros.
O resultado tem
sido um desastre extenso em termos de segurança e de vivência em sociedade.
Daí que, e agora vamos
reportarmo-nos apenas ao âmbito nacional, as FA tenham vindo a ser reduzidas a
termos simbólicos e a IM e os militares, a serem apoucados; a condição militar
– que é o fulcro da idiossincrasia da profissão militar – a ser destruída e a
Deontologia triturada.
Tudo, porém,
acompanhado de um conjunto de mentiras matraqueadas “ad nauseum”, e em que
quase todos colaboraram, de que tudo era feito para “racionalizar” a estrutura
e os meios existentes; adequado e adaptado às novas “realidades” estratégicas e
geopolíticas; às necessidades de “contenção financeira” (enquanto se esbanjavam
e roubavam biliões em todas as outras áreas) e “last but not least”, tudo se
passando em harmonia e de acordo com as chefias militares…
Que cambada de
despudorados mentirosos!
E ainda com uma
outra particularidade, ainda mais despudorada e deveras infantil: a de que, até
hoje, ninguém ter tido a coragem e a decência, de cortar uma única missão que
fosse, a qualquer ramo das Forças Armadas!
Está tudo preso por
fios e ninguém tem vergonha na cara.
Por isso o que é de
admirar – e já agora de louvar! – é que não haja mais problemas, incidentes,
acidentes ou falhanços – quando se pretende cumprir todas as missões com cada
vez menos dinheiro, homens, treino, logística, concorrentes às fileiras,
disciplina, moral, etc..
Não tenho dúvida em
afirmar que, se qualquer empresa, organismo do Estado ou instituição civil,
tivesse passado por um/vinte avos daquilo por que tem passado a Instituição
Militar, já tinha cessado há muito, a sua actividade!
*****
É sobretudo pelos
resultados que qualquer organismo deve ser avaliado.
Ora, com todas as
“facadas” que a IM levou, as mais dolorosas das quais, foram facadas
espirituais e não materiais, e de terem emergido do caos do maldito “PREC” [4],
onde se meteram e se deixaram meter, rapidamente se convertendo numa força
armada tão boa como as mais modernas existentes, descontando os “hiatos”
logísticos, tecnológicos e em armamento, existente para as mais avançadas e
equipadas, nestes âmbitos.
E esta avaliação
passou a ser feita não só no âmbito dos exercícios da NATO como também pelos Comandantes
de Teatro (mais de 30), onde desde os anos 90 do século passado, forças militares
portuguesas actuaram.
O mesmo se passou,
até com especial destaque, para com as tropas “Comando”, sempre empregues nas
zonas e nas operações mais difíceis e exigentes.
Ora tudo isto não
se consegue propriamente com jogos de escuteiros (embora sejam excelentes),
exercícios de ginástica sueca, das nove às cinco, concertos rock ou com actividades
tipo daquelas efectuadas nos acampamentos do Bloco de Esquerda.
Requer muito
empenho, treino, suor, estudo, carácter, nódoas negras, sacrifício,
desenvolvimento de capacidades múltiplas, disciplina e doutrinação mental e
muitas coisas mais, completamente arredadas do dia-a-dia da gorda, titubeante,
baralhada, ignorante e imbecilizada, maioria da sociedade contemporânea.
E todas as
actividades de treino militar são envoltas em risco elevado, não havendo volta
a dar! Uma evidência que muitos pretendem escamotear…
Por outras
palavras, os acidentes são sempre uma possibilidade acrescida.
Não está em causa –
e nunca esteve – que tudo se deve fazer para minimizar os riscos e quando
existam acidentes, estes devem ser investigados para se tirarem ensinamentos
para o futuro e apurar responsabilidades – outro âmbito em que a sociedade
civil deve aprender com os militares, vide a matança existente nas estradas e o
rol de acidentes no trabalho, ocorridos anualmente (só para citar estes)!
E que se saiba, a
CP ainda não deixou de enviar comboios para Espanha, depois do inexplicável
acidente recente, na Galiza, onde houve a lamentar vários mortos…
O que é de procurar
entender, especialmente neste último caso ocorrido nos Comandos, é o facto de
tal ter acontecido no primeiro dia de instrução do curso e ao fim de seis horas;
numa prova apelidada de “aptidão comando”, especialmente desenhada para o
Ultramar, onde antigamente se dava um cantil por dia, por instruendo e agora já
se distribui 7,5l…[5]
Como é que um instruendo
apresenta, aparentemente, o fígado destruído (a sede ataca sobretudo os rins) e
ainda não se sabe se alguém utilizou substâncias químicas para melhor superarem
o rigor dos treinos. A autópsia o dirá.
A decisão médica de
evacuação e em que termos, também me parece ser um ponto critico neste caso -
seguramente que não foi avaliado nenhum problema de extrema gravidade, senão
ter-se-ia accionado o helicóptero de alerta na BA6 (Montijo) a cinco minutos de
tempo de voo.
E o que dizer do
facto do actual Hospital das Forças Armadas (o Serviço de Saúde Militar tem
vindo a ser destruído pelos sucessivos governos anteriores), não se atrevesse a
receber e a tratar, os militares evacuados, enviando-os para os hospitais
civis? Para que serve pois, o HFAR?
Esperemos que todas
as questões sejam esclarecidas, e a opinião pública e sobretudo as famílias,
informadas da causa da morte dos militares, naquilo que não ponha em causa
qualquer aspecto que seja considerado classificado.
Como pano de fundo
de tudo isto devemos ainda referir, e para terminar, um aspecto transversal a
toda a sociedade portuguesa e ocidental, que é mister acudir: a falta de
candidatos à vida militar em quantidade e qualidade suficiente.
A juventude – e os
mais velhos também, pois esta situação já leva décadas – perderam toda a
rusticidade, deixou de ser preparada para as dificuldades da vida e está
inundada de individualismo e relativismo moral.
Pode dizer-se que é
o preço do “desenvolvimento”, eu diria que são os sintomas da decadência. Desde
a queda do Império Romano que se sabe que é assim, mas nunca se quis assumir
tal consciência!
A instrução dada no
sistema de ensino, é um desastre extenso, a educação familiar, acompanha quando
não fomenta o mesmo, em conluio com sindicatos, políticos, “media”, etc..
O desporto escolar
e universitário é quase inexistente e deixado à balda; os “campus”
universitários passaram a ser espaços onde campeiam os desregramentos e
excessos com álcool, estupefacientes, batota e sexuais, já sem contar com toda
a casta de experiências pedagógicas delirantes que começam na pré - primária…
Salvo raras e
honrosas excepções pode-se acreditar tanto no sistema de avaliação, como na
qualidade dos relógios vendidos pelos ciganos na feira da Amareleja…
A malta nova, mal
nutrida – apesar das campanhas todas de sensibilização – anda com a coluna
deformada pela falta de postura no assento e camas fofas; tem a vista num molho
de brócolos por causa dos vídeo jogos e os ouvidos estuporados por causa dos
MP3, música rock aos berros e discotecas sem regras nos decibéis.
E como lhes andam a
dizer desde pequeninos que têm direito a tudo e dever a nada (menos pagar
impostos); que o dia de amanhã será cor-de-rosa (demagogia dos Partidos), são
super protegidos desde o berço e deixaram de jogar à bola na rua, ou subir às árvores
para verem os ninhos (ninhos, o que é isso?), etc., deixaram de ter vontade
própria e tendem a desistir à primeira dificuldade que lhes surja, tal como
privá-los de telemóveis durante uns dias...
Os resultados de
todo este desastre que se perpetua (pois ganhar votos não se compadece com
emendar seja o que for), salta bem à vista nos resultados dos concursos de
todas as incorporações militares, desde as praças até aos candidatos às
Academias Militares.
Estes resultados
deviam ser estudados e sobre eles elaborados relatórios adequados, pois
permitem visualizar em corte, o estado da juventude à volta dos 20 anos.
Estes relatórios
deviam ser entregues e discutidos em Conselho de Ministros e Parlamento, pois são
as únicas entidades que podem influir nas eventuais correcções a fazer.
É sobretudo neste
âmbito que valeria a pena debruçarem-se nas investigações a realizar ao que se
passou nos “Comandos” (que têm problemas específicos de recrutamento, que não
vou esmiuçar).
Com esta sociedade
que criámos, é impossível ter um Exército digno desse nome…
Mas isto digo eu,
que sou estúpido, ao ponto de andar, há décadas, a malhar neste ferro, que
nunca está quente para se poder modificar.
João
José Brandão Ferreira
Oficial
Piloto Aviador
[1] Embora a crítica ao Bloco de Esquerda também fosse muito a sério…
[2] Os Alabardeiros foram sendo postos de lado a partir das derrotas dos
Suíços em meados do Século XVI e com a vulgarização da arma de fogo. Tiveram
durante muito tempo depois, uma função honorífica.
[3] Mais propriamente, a partir de 1982, com a extinção do Conselho da
Revolução e a Lei 29/92, Lei da Defesa Nacional e das FA.
[4] Processo Revolucionário em Curso – 11/3/75 (no fundo desde 26/4/74) –
25/11/75.
[5] De referir que todos os instruendos eram já militares com a recruta
feita.