sexta-feira, 30 de setembro de 2016

OS COMANDOS: AGORA A SÉRIO



OS COMANDOS: AGORA A SÉRIO [1]

“A Infantaria não é uma pêra doce”.
Capitão Moura (meu instrutor em 1972/73).

Um determinado tipo/especialidade/arma/serviço de um Exército (no conceito lato de Forças Armadas) deve ser criado ou extinto, por uma simples e única razão: existir ou não, uma necessidade doutrinária/estratégica/táctica, para a sua criação, manutenção ou extinção. Tudo o resto são divagações.
Por isso é que os Alabardeiros foram extintos a partir do fim do século XVI e os Fuzileiros renasceram em 1961.[2]
Os Comandos também surgiram em 1962, devido a uma necessidade premente de ter uma força específica de contra - guerrilha que cumprisse missões que mais ninguém fazia, ultrapassando rapidamente a especialidade de “caçadores especiais” – que tinham a sua inspiração remota nos Batalhões de Caçadores das Guerras Peninsulares – preparados em Lamego e que tiveram uma vida efémera.           
No fundo a preparação dos caçadores especiais, era aquela que devia ser comum a todas as unidades de infantaria…
É evidente que a partir do 25 de Novembro de 1975, no caso específico português[3], e na queda do muro de Berlim, em 1989, na generalidade dos países europeus, passaram a existir dois outros aspectos que condicionaram a maneira como os políticos e a opinião publicada passaram a olhar para as FA: a sua dispensabilidade e a alocação de meios financeiros.
O resultado tem sido um desastre extenso em termos de segurança e de vivência em sociedade.
Daí que, e agora vamos reportarmo-nos apenas ao âmbito nacional, as FA tenham vindo a ser reduzidas a termos simbólicos e a IM e os militares, a serem apoucados; a condição militar – que é o fulcro da idiossincrasia da profissão militar – a ser destruída e a Deontologia triturada.
Tudo, porém, acompanhado de um conjunto de mentiras matraqueadas “ad nauseum”, e em que quase todos colaboraram, de que tudo era feito para “racionalizar” a estrutura e os meios existentes; adequado e adaptado às novas “realidades” estratégicas e geopolíticas; às necessidades de “contenção financeira” (enquanto se esbanjavam e roubavam biliões em todas as outras áreas) e “last but not least”, tudo se passando em harmonia e de acordo com as chefias militares…
Que cambada de despudorados mentirosos!
E ainda com uma outra particularidade, ainda mais despudorada e deveras infantil: a de que, até hoje, ninguém ter tido a coragem e a decência, de cortar uma única missão que fosse, a qualquer ramo das Forças Armadas!
Está tudo preso por fios e ninguém tem vergonha na cara.
Por isso o que é de admirar – e já agora de louvar! – é que não haja mais problemas, incidentes, acidentes ou falhanços – quando se pretende cumprir todas as missões com cada vez menos dinheiro, homens, treino, logística, concorrentes às fileiras, disciplina, moral, etc..
Não tenho dúvida em afirmar que, se qualquer empresa, organismo do Estado ou instituição civil, tivesse passado por um/vinte avos daquilo por que tem passado a Instituição Militar, já tinha cessado há muito, a sua actividade!

                                                             *****
É sobretudo pelos resultados que qualquer organismo deve ser avaliado.
Ora, com todas as “facadas” que a IM levou, as mais dolorosas das quais, foram facadas espirituais e não materiais, e de terem emergido do caos do maldito “PREC” [4], onde se meteram e se deixaram meter, rapidamente se convertendo numa força armada tão boa como as mais modernas existentes, descontando os “hiatos” logísticos, tecnológicos e em armamento, existente para as mais avançadas e equipadas, nestes âmbitos.
E esta avaliação passou a ser feita não só no âmbito dos exercícios da NATO como também pelos Comandantes de Teatro (mais de 30), onde desde os anos 90 do século passado, forças militares portuguesas actuaram.
O mesmo se passou, até com especial destaque, para com as tropas “Comando”, sempre empregues nas zonas e nas operações mais difíceis e exigentes.
Ora tudo isto não se consegue propriamente com jogos de escuteiros (embora sejam excelentes), exercícios de ginástica sueca, das nove às cinco, concertos rock ou com actividades tipo daquelas efectuadas nos acampamentos do Bloco de Esquerda.
Requer muito empenho, treino, suor, estudo, carácter, nódoas negras, sacrifício, desenvolvimento de capacidades múltiplas, disciplina e doutrinação mental e muitas coisas mais, completamente arredadas do dia-a-dia da gorda, titubeante, baralhada, ignorante e imbecilizada, maioria da sociedade contemporânea.
E todas as actividades de treino militar são envoltas em risco elevado, não havendo volta a dar! Uma evidência que muitos pretendem escamotear…  
Por outras palavras, os acidentes são sempre uma possibilidade acrescida.
Não está em causa – e nunca esteve – que tudo se deve fazer para minimizar os riscos e quando existam acidentes, estes devem ser investigados para se tirarem ensinamentos para o futuro e apurar responsabilidades – outro âmbito em que a sociedade civil deve aprender com os militares, vide a matança existente nas estradas e o rol de acidentes no trabalho, ocorridos anualmente (só para citar estes)!
E que se saiba, a CP ainda não deixou de enviar comboios para Espanha, depois do inexplicável acidente recente, na Galiza, onde houve a lamentar vários mortos…
O que é de procurar entender, especialmente neste último caso ocorrido nos Comandos, é o facto de tal ter acontecido no primeiro dia de instrução do curso e ao fim de seis horas; numa prova apelidada de “aptidão comando”, especialmente desenhada para o Ultramar, onde antigamente se dava um cantil por dia, por instruendo e agora já se distribui 7,5l…[5]
Como é que um instruendo apresenta, aparentemente, o fígado destruído (a sede ataca sobretudo os rins) e ainda não se sabe se alguém utilizou substâncias químicas para melhor superarem o rigor dos treinos. A autópsia o dirá.
A decisão médica de evacuação e em que termos, também me parece ser um ponto critico neste caso - seguramente que não foi avaliado nenhum problema de extrema gravidade, senão ter-se-ia accionado o helicóptero de alerta na BA6 (Montijo) a cinco minutos de tempo de voo.
E o que dizer do facto do actual Hospital das Forças Armadas (o Serviço de Saúde Militar tem vindo a ser destruído pelos sucessivos governos anteriores), não se atrevesse a receber e a tratar, os militares evacuados, enviando-os para os hospitais civis? Para que serve pois, o HFAR?
Esperemos que todas as questões sejam esclarecidas, e a opinião pública e sobretudo as famílias, informadas da causa da morte dos militares, naquilo que não ponha em causa qualquer aspecto que seja considerado classificado.
Como pano de fundo de tudo isto devemos ainda referir, e para terminar, um aspecto transversal a toda a sociedade portuguesa e ocidental, que é mister acudir: a falta de candidatos à vida militar em quantidade e qualidade suficiente.
A juventude – e os mais velhos também, pois esta situação já leva décadas – perderam toda a rusticidade, deixou de ser preparada para as dificuldades da vida e está inundada de individualismo e relativismo moral.
Pode dizer-se que é o preço do “desenvolvimento”, eu diria que são os sintomas da decadência. Desde a queda do Império Romano que se sabe que é assim, mas nunca se quis assumir tal consciência!
A instrução dada no sistema de ensino, é um desastre extenso, a educação familiar, acompanha quando não fomenta o mesmo, em conluio com sindicatos, políticos, “media”, etc..
O desporto escolar e universitário é quase inexistente e deixado à balda; os “campus” universitários passaram a ser espaços onde campeiam os desregramentos e excessos com álcool, estupefacientes, batota e sexuais, já sem contar com toda a casta de experiências pedagógicas delirantes que começam na pré - primária…
Salvo raras e honrosas excepções pode-se acreditar tanto no sistema de avaliação, como na qualidade dos relógios vendidos pelos ciganos na feira da Amareleja…
A malta nova, mal nutrida – apesar das campanhas todas de sensibilização – anda com a coluna deformada pela falta de postura no assento e camas fofas; tem a vista num molho de brócolos por causa dos vídeo jogos e os ouvidos estuporados por causa dos MP3, música rock aos berros e discotecas sem regras nos decibéis.
E como lhes andam a dizer desde pequeninos que têm direito a tudo e dever a nada (menos pagar impostos); que o dia de amanhã será cor-de-rosa (demagogia dos Partidos), são super protegidos desde o berço e deixaram de jogar à bola na rua, ou subir às árvores para verem os ninhos (ninhos, o que é isso?), etc., deixaram de ter vontade própria e tendem a desistir à primeira dificuldade que lhes surja, tal como privá-los de telemóveis durante uns dias...
Os resultados de todo este desastre que se perpetua (pois ganhar votos não se compadece com emendar seja o que for), salta bem à vista nos resultados dos concursos de todas as incorporações militares, desde as praças até aos candidatos às Academias Militares.
Estes resultados deviam ser estudados e sobre eles elaborados relatórios adequados, pois permitem visualizar em corte, o estado da juventude à volta dos 20 anos.
Estes relatórios deviam ser entregues e discutidos em Conselho de Ministros e Parlamento, pois são as únicas entidades que podem influir nas eventuais correcções a fazer.
É sobretudo neste âmbito que valeria a pena debruçarem-se nas investigações a realizar ao que se passou nos “Comandos” (que têm problemas específicos de recrutamento, que não vou esmiuçar).
Com esta sociedade que criámos, é impossível ter um Exército digno desse nome…
Mas isto digo eu, que sou estúpido, ao ponto de andar, há décadas, a malhar neste ferro, que nunca está quente para se poder modificar.



                                                                 João José Brandão Ferreira
                                                                       Oficial Piloto Aviador


[1] Embora a crítica ao Bloco de Esquerda também fosse muito a sério…
[2] Os Alabardeiros foram sendo postos de lado a partir das derrotas dos Suíços em meados do Século XVI e com a vulgarização da arma de fogo. Tiveram durante muito tempo depois, uma função honorífica.
[3] Mais propriamente, a partir de 1982, com a extinção do Conselho da Revolução e a Lei 29/92, Lei da Defesa Nacional e das FA.
[4] Processo Revolucionário em Curso – 11/3/75 (no fundo desde 26/4/74) – 25/11/75.
[5] De referir que todos os instruendos eram já militares com a recruta feita.

2 comentários:

  1. "Estes relatórios deviam ser entregues e discutidos em Conselho de Ministros e Parlamento, pois são as únicas entidades que podem influir nas eventuais correcções a fazer."-----------Será pior a emenda que o soneto meu caro.-----------Afonso Manuel

    ResponderEliminar
  2. ... Brandão Ferreira, estimado Amigo,

    Cada tiro, cada melro...

    Congratulo-o, mais uma vez, pelas suas análises.
    Esta, especialmente, que agradeço e subscrevo na íntegra.

    Forte abraço.

    ResponderEliminar