CRÓNICA DE CRACÓVIA
10/9/16
Foi uma agradável
surpresa.
Sendo a minha
primeira vez na Polónia não me atrevo a falar neste país como um todo. Por isso
restrinjo-me à experiência de Cracóvia e arredores, apesar de ser lá que está o
coração dos Polacos.
A Polónia tem uma
História de sangue, suor e lágrimas, que remonta ao ano de 966, data da
cristianização do seu povo. A geopolítica explica o “karma”: uma maioria de
terras de planície no caminho (se bem que no Sul existam montanhas cujos picos
ultrapassam os 2.000 m) e circundada, de povos com um forte carácter belicoso,
foi pasto de invasões e depredações. Uma conjuntura histórica adversa no século
XVIII fê-la desaparecer do mapa dos países, mas não foi suficiente para
liquidar a alma do seu povo, o qual readquiriu a independência em 1918, para
voltar a ser esmagada em 1939 pela tenaz de circunstância, entre alemães e
soviéticos.
Estes últimos,
devido ao acordado nas costas de quase todos, nas cimeiras de Yalta e Potsdam,
prolongaram a sua “estadia” até que uma nova conjuntura geopolítica, para a
qual muito contribuíram, o Sindicato Solidariedade e o seu líder Lech Walesa,
bem como o Papa João Paulo II - um verdadeiro ícone na Polónia dos nossos dias –
os expulsou, em 1989.
Foi a lenta mas
constante recuperação destes 45 anos de ocupação soviética, a realidade que fui
descobrir na Polónia de 2016.
Esta realidade tem
um território com 312.000 Km2 e 38,5 milhões de almas (123 hab./km2), sendo um
dos maiores países membros da UE, porém com fronteiras frágeis.
Praticamente tudo o
que vi na cidade, aldeias e campos, está bem preservado e limpo, predominando o
verde da vegetação, jardins e floresta.
Quanto aos
edifícios as cores dominantes são os diferentes matizes de cinzentos e
castanhos, numa urbanização cuidada, sem prédios altos e absoluto domínio das casas
de família (vulgo vivendas), nas aldeias e arredores da cidade.
Cracóvia é a antiga
capital da Polónia, com os símbolos que formataram a alma das gentes: o Castelo
Real e Cripta dos Reis, cidadela de referência, sobre um ponto estratégico do
Rio Vístula; a Catedral que domina a maior praça medieval da Europa; uma das mais
antigas universidades da Europa (fundada em 1347) e uma multitude de igrejas
magnificamente preservadas e recheadas de mil riquezas, que são o espelho da
profunda religiosidade cristã católica, do povo polaco. [1]
CRACÓVIA – PRAÇA
CENTRAL
Cracóvia não foi
bombardeada na II GM, pois pela sua beleza e importância, todos os contendores
queriam preservá-la para com ela ficarem…
Servida por uma
língua que não se parece com nenhuma outra, a população polaca aparenta ser
moderadamente simpática e acolhedora (embora me tenha confrontado com uma guia
turística excepcional que estudou em Lisboa e falava um português perfeito) e
aparenta uma satisfação pela vida, bem - disposta, que aproveita massivamente o
bom tempo e passeia e se diverte na rua.
Cracóvia pode ser
uma excepção na Polónia pois é uma grande atracção turística, não sei, mas que
o ar que se respira é agradável, isso é.
CASTELO WAWEL, JUNTO AO RIO VÍSTULA
As mulheres polacas
são, numa anormal elevada percentagem, bonitas e elegantes o que é sempre
agradável à vista, lobrigando-se – uma verdadeira excepção na Europa – um
número muito grande de casais jovens com filhos.
A comida é boa, bem
como a cerveja e espanta o número inusitado de restaurantes existentes.
Lembro-me de ter
conhecido um casal de polacos, em Portugal, no início dos anos 90. Diziam que a
única fruta que comiam eram peros e maçãs e quando partiram iam carregados de
bens que por lá escasseavam ou eram apenas acessíveis a poucas bolsas. Recordo a
especial atracção que tinham por laranjas e bananas…
Agora, felizmente
vê-se de tudo.
Transportes
públicos relativamente baratos (o nível de vida é ligeiramente inferior a
Portugal), boas estradas e infraestruturas modernas (ex. o aeroporto – ainda
não terminado – estação de caminhos de ferro, etc.).
Finalmente outro
aspecto que salta à vista é o de uma vida cultural intensa, com “mil”
manifestações por todo o lado.
A Polónia é um país
com o qual Portugal poderia e deveria, estreitar os laços culturais e
económicos.
O facto de já
existir uma camara de comércio Polaco/Portuguesa, fundada em Varsóvia, em Março
de 2008, e que já conta com 200 empresas associadas, é um bom augúrio.
Porém, as trocas
comerciais ainda têm um volume reduzido, apesar de equilibrado: Portugal
exportou bens para a Polónia, no valor de 403,5 milhões de euros (ME), em 2011
e 552,8 ME, em 2015; ao passo que importou nos mesmos anos, respectivamente,
405,1e 583,4 ME
Creio haver um amplo
espaço onde o nosso país poderia investir (existem já cerca de 1200 empresas
portuguesas que exportam para aquele país: na oferta turística; no sector agro-alimentar
(não visitámos nenhum supermercado “Biedronka’” da Jerónimo Martins, mas não
vimos um único produto português em nenhum lado) [2];
nos serviços – foi com gosto que encontrei uma filial do BCP na aldeia onde
permaneci; na construção civil – em grande parte dominada pelos alemães; nos
têxteis e calçado, até nas máquinas e equipamentos mecânicos e eléctricos,
plásticos etc. Pode ser até um bom mercado para combustíveis refinados nas
nossas refinarias, já que a questão energética é um dos principais problemas
que pesam na economia polaca.
Já no campo dos
“Serviços” a balança é nitidamente favorável a Portugal: em 2015 exportámos
serviços no valor de 138,7 ME e apenas importámos 46,3 ME.
A língua ainda é
uma barreira importante, mas o inglês está a tornar-se rapidamente na língua
franca nas gerações polacas abaixo dos 40 anos.
Enfim, a Polónia,
um país em desenvolvimento sustentável, com uma taxa de desemprego a
estabilizar nos 7%; um PIB "per capita" ainda baixo (cerca de 13.000
US Dólar); uma dívida externa e pública moderada (69,3% e 51% do PIB, referente
a 2015); inflação quase inexistente e um saldo da balança comercial
equilibrado. A Polónia foi ainda um dos países que menos afectado foi pela
crise financeira iniciada em 2008.[3]
Em súmula, um mercado importante, pacífico (mas que não esquece as ameaças),
aparentemente harmonioso e, definitivamente, um nome a reter, caso a
geopolítica venha novamente e em força, tornar a zona pasto da instabilidade e,
no pior dos casos, guerra.[4]
Uma agradável
surpresa, num mundo onde há tão poucas.
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1] Não estou a ver este povo aceitar fantasias multiculturais que incluam
muçulmanos, até porque têm bem vivas as memórias das lutas que travaram contra
os turcos, no passado. Ao contrário de um certo povo do ocidente da Península
Ibérica, que tem um historial de contendas, bem mais longo e antigo…
[2] Esta cadeia é um líder de mercado na Polónia, com cerca de 2700 lojas,
um volume de negócios da ordem dos 9200 milhões de euros de vendas,
comercializando cerca de 90% de produtos polacos.
[3] Números retirados de relatórios da “AICEP Portugal Global”.
[4] Ainda tive tempo de dar um salto a Auschwitz, onde visitei o campo de
concentração de Birkenau; assunto que fica melhor noutra crónica…
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