segunda-feira, 6 de maio de 2019

A PARTIDOCRACIA E A INSTITUIÇÃO MILITAR (II PARTE)


A PARTIDOCRACIA E A INSTITUIÇÃO MILITAR (II PARTE)[1]
1/5/19
                                                    “Quando aqueles que comandam
                                                      Perderam a vergonha, os que obedecem
                                                      Perdem o respeito”.
                                                    “Nada persuade tanto as pessoas de pouco
                                                      Juízo, quanto o que elas não entendem”.
                                                      Cardeal De Retz.[2]

                Na sequência do artigo anterior, vamos agora tratar de um assunto da maior importância no relacionamento político-militar: a definição de competências de cada parte e a não interferência na esfera própria de cada um.
                A causa principal que levou ao pedido de demissão do General Jerónimo de Chefe de Estado-Maior do Exército (CEME) tem a ver justamente com isto.
                É certo e sabido que os políticos (e, pelos vistos não escapa um) têm demonstrado uma ignorância militante e falta de jeito crónica, para lidar com as Forças Armadas (FA) e os militares.
                Mas não é só ignorância e incompetência que têm demonstrado; há muita demagogia, deslealdade, malandrice e aleijões ideológicos à mistura. E de “burros”, normalmente, não têm nada. Ou seja não há aqui lugar a falsas virgens…
                As acções dos políticos pautam-se sempre no sentido de limitar as competências e a autoridade da hierarquia militar; cercear âmbitos de actuação, inventar constantemente constrangimentos administrativos, legais e financeiros e tentar influir no dia dos Ramos e EMGFA. E têm demonstrado também, ser vingativos.
                Tudo começou com a publicação da Lei 29/82, Lei de Defesa Nacional e das FA e, sobretudo, após a mudança do modo como se efectuava a escolha das chefias militares, ao tempo do I Governo do Professor Cavaco Silva, em que o MDN era o célebre “cabo - de - guerra” Nogueira, acolitado por um major, eterno candidato a político, de apelido Chaves.
                Vários casos têm, ultimamente (mas com muitos antecedentes), ilustrado o que acabamos de dizer.
                Comecemos – e vamos deixar muita coisa de fora - pelo caso de Tancos, que é um caso do “outro mundo”. Resumindo: o roubo era um caso “grave” até o nosso “primeiro” vir das suas férias, em Maiorca; a partir daí entrou-se em processo de negação, relegando-se o que se passou (que ainda ninguém sabe ao certo o que foi) para o campo das coisas de somenos e empurrando-se o então CEMGFA, General Pina Monteiro para a frente das câmaras (e este prestou-se ao engodo) menorizando o ocorrido mas, em simultâneo, comparando-a com um “murro no estomago”, ficando o PM e o MDN, com a chamada cara de “fim de colon”, a tentar esconder-se atrás do general, exercício deveras difícil dada a sua (dele general) baixa estatura…
                A partir daqui foi o fim da picada com o anterior CEME a ficar, aparentemente, cativo do ministro Azeredo Lopes (e vice-versa), o qual pelo modo como se comportou, nunca soube bem o que por lá andou a fazer.
                Em tudo isto – e num registo lateral – vieram ao de cima as gravíssimas consequências de terem acabado com os Tribunais Militares (em tempo de paz) e, na prática, terem destruído a Justiça Militar.
                Vai ainda demorar muito tempo – apesar dos apelos do PR e parece que, neste âmbito, ninguém lhe liga peva – até saber o que se passou exactamente com o “roubo das armas”, como o filme do inquérito parlamentar demonstra.
                E ouvindo o que lá se tem dito é de nos benzermos eternamente…
                Razão principal de tudo o que aconteceu, que ninguém quer assumir? Pois o estado de miserabilismo a que se deixou chegar o Exército e as FA em geral!
                Escolheu-se um novo CEME, mas antes teve o actual MDN a seguinte atitude para com o anterior Vice CEME, General Serafino, que chegou a aguentar o Exército durante meses quando, na prática, era o único general que restava no activo: “o senhor é a pessoa que todos pensam ser a mais capaz para ser o novo CEME, mas tem de compreender que não tenho condições políticas para o propor”.
                Escolheram então outro, mas pediram ao “ultrapassado” para ir para o Instituto de Acção Social das FA (um presente envenenado).
                Aquele aceita ir meter-se num “buraco de cerca de 90 milhões de euros provocado pelos políticos com a conivência (que havemos de dizer?) dos que lá têm estado e a falta de comparência a jogo (que havemos de dizer?) da hierarquia militar.
                O novo CEME, o General Fonseca – oficial com uma boa folha de serviços - toma posse e a seguir escolhe para seu Vice o Tenente-General Coias Ferreira; escolha que não agradou ao senhor ministro. Este chama o CEME e diz-lhe que esse não, pois está ligado ao que se passou no Colégio Militar (coisas que vinham de trás e que se agudizaram ao tempo do ministro Aguiar - Branco, mas nestas coisas a malta dos partidos está sempre unida contra os militares; os meus camaradas que fizeram o 25 de Abril é que julgavam que eram os outros…).
                O CEME que podia passar à História como sucessor de Cambronne, ouviu, calou e aceitou o “dicktat”.[3]
                O General Coias Ferreira pediu de imediato a passagem à reserva. Mas a seguir aceitou ficar à frente do Conselho Superior de Disciplina do Exército. É que já nem sequer há generais para as funções existentes!...
                Será que tudo isto vai dar origem a um argumento para o próximo filme candidato ao “Fantas Porto”?
                Pergunta-se, como é daqui para a frente o General CEME se vai relacionar com o MDN?
                O moral da história colhe-se num exemplo clássico de comando e liderança: quando um militar passa por um superior e não lhe faz continência e este finge que não vê, é um bocadinho da sua autoridade que se foi e não volta mais…
                Estas atitudes dos políticos têm que se cortar cerce, à primeira vez que acontecem. E jamais podem passar da segunda. Senão perdem -nos o respeito, melhor dizendo o receio, vulgo medo, pois duvido que saibam o que é respeitar seja o que for, e ficam com o freio nos dentes.
                Foi o que aconteceu, com a ribaldaria da contagem do tempo de serviço (e tudo o que teve a ver com as promoções, ainda na sequência da intervenção da Troika; o anuncio da “chapelada” das creches e das novas medidas do recrutamento, que foram anunciadas em primeiro lugar às Associações Militares, do que à hierarquia militar ou não foram de todo.[4]
                Estes “gestores da coisa pública” ou são irresponsáveis ou não têm a noção do mal que fazem. Mas não podem ser inimputáveis!
                Casos de interferência na esfera alheia também têm acontecido no Ministério da Administração Interna no âmbito das Forças de Segurança, nomeadamente a GNR (que tem estatuto militar), como foram os casos da promoção do Major General Rui Moura e da recente exoneração do Comandante da Escola da Guarda, em Portalegre.
                Os políticos têm destas actuações e atitudes porque acham que a Marinha, o Exército e a Força Aérea são (ou devem ser) uma espécie de Direcção - Geral, onde “eles” interferem a seu bel - prazer, e a “tropa”, como pejorativamente se referem ao Corpo Militar da Nação, é um bocado de plasticina que eles podem moldar segundo os interesses de momento.
               E não faltará muito tempo para que queiram ser eles a nomear os Comandantes das unidades, fazer as promoções sabe-se lá com que critérios, etc..
                Têm demonstrado não terem a menor noção (nem lhes interessar) das necessidades e especificidades de um Exército – no sentido de FA – instituição sedimentada por séculos de conhecimento, experiência e tradição; senhor de uma cultura e praxis própria, que se confunde com a Nação e que é fundamental para a sua sobrevivência, segurança e bem-estar. Que tem princípios, doutrina, moral, hierarquia, organização, disciplina e deontologia.
                Têm até o estranho hábito, PM incluído, de raramente ouvirem os seus assessores militares…
                Sendo a hierarquia o esteio de tudo, a mesma tem de ser preservada, respeitada, sem deixar de ser responsabilizada.
                Como podem querer os políticos responsabilizar os chefes militares (a que, por norma, chamam (mal) o “controlo democrático” sobre as FA, se querem interferir na sua esfera de autoridade?
                Como querem que a Força se mantenha coesa e disciplinada se dão exemplos destes?
                Como podem querer interferir no mundo militar se nunca foram, nem ao de leve, preparados para tal (nem sequer cumpriram o serviço militar) numa especificidade que não entra por “osmose” e cuja missão última se destina a actuar na mais difícil e complexa actividade humana, que é comandar um campo de batalha? Será que não se enxergam?
                Infelizmente enxergam-se, mas não se importam, e estão já a fazer reverter a situação actual para aquela vivida durante a I República, numa época em que o Exército e a Armada estavam completamente vandalizados pelos Partidos Políticos, pela Maçonaria e pela Carbonária, chegando-se ao ponto de haver, em plena I Grande Guerra, onde combatemos em quatro “frentes”, interferências constantes da política na condução da guerra, fora do âmbito político, e na montagem de uma hierarquia paralela de oficiais de confiança política, que pouco ficaram a dever aos comissários políticos dos Soviéticos!
                Ora estando no governo a ala esquerda do PS (o que não é a mesma coisa que estar o PS no governo) – que se diz herdeiro do Partido Democrático do apoplético Afonso Costa – significativamente apoiada nos “anarcas” do BE e nos revolucionários leninistas do “partido controla o fúsil” (conhecido por PCP), há a esperar o pior de tudo. [5]
               A tal realidade que ultrapassa a ficção…
                Será que ninguém aprende a ponta de um corno com o passar do tempo?
                Pelos vistos não.
                Ora a actual equipa ministerial da Defesa está aparentemente a importar para o MDN a cultura do MNE que não é a mais apropriada para o MDN (não quer dizer que seja má, quer dizer que são realidades diferentes).
                O MDN está seguramente a fazer um “frete” ao PM, pois a área da Defesa não será certamente, área do seu interesse (e, pelos vistos, também ao inefável Sousa Tavares, pois “é alto e assim pode olhar os militares de cima para baixo”…); a Secretária de Estado tem aparentemente uma agenda feminista, igualitarista e outros “istas”, perfeitamente desajustada ao meio e aos problemas existentes, e o chefe de gabinete não parece nutrir especial apreço pela Instituição Militar e pelos seus servidores.
                Pelos vistos tem experiência no lugar pois já acolitou o então Ministro Portas como assessor diplomático, mas a sua relação com ele não terá terminado muito bem; idem com o Ministro Amado, em 2005 e também no consulado seguinte, em 2006.
                Apareceram, entretanto nos jornais, umas notícias de que estará a ser investigado no âmbito dos "vistos gold" e nas contas do consulado, enquanto nas funções de cônsul em S. Paulo, de onde transitou, a convite do actual MDN, para o Restelo. Veremos, a ser verdade, no que dá.
                Não se pode dizer que não goste da função. Talvez queira vir a subir a nota, dado não ter sido promovido (para já) na sua carreira no MNE.
                No entanto o facto de ter publicado no “caralivro” (facebook, no original), um bife grelhado, a ilustrar uma frase em que se referia ao Ministério da Defesa, como “casa fidalga”, não augura nada que vá ter êxito no putativo propósito.

                                                   João José Brandão Ferreira
                                                  Oficial Piloto Aviador (Ref.)


[1] Ou como a realidade ultrapassa sempre a ficção…
[2] Jean-François Paul de Gondi, religioso e escritor francês, Montmiral,20/9/1613 – Parigi, 24/8/1679.
[3] Pierre Jacques Étienne Cambronne, 26/12/1770 – 29/1/1842; general do Império Francês. Famoso pelo que supostamente disse, antes de se render em Waterloo…
[4] O que nem sequer é novidade (creches), pois já existe uma no Alfeite e existiu uma outra, na base Aérea 2, na Ota.
[5] O ódio a este político, de má memória, era tal, que havia bacios coma cara dele pintada no fundo…

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