UM 10 DE JUNHO DIFERENTE
23/6/17
Não, não foi por o Presidente da República e sua comitiva
terem debandado para as atribuladas terras de Santa Cruz e nem ter sido
recebido pelo Presidente Brasileiro – que não tinha que o receber, a não ser
por cortesia, já que o PR não ia em visita oficial e, além do mais, ia com o
fito de comemorar o dia da sua terra em terra alheia [1] ; não, não foi por se ter
finalmente uma comemoração popular em cada cidade e vila, como por décadas e,
até séculos, se festejava o dia da Restauração, no 1º de Dezembro; também não
foi diferente por, finalmente, a Comunicação Social se dignar ceder duas linhas
ou imagens de atenção que fosse, ao que se comemora na “Homenagem Nacional aos
Combatentes”, junto ao Forte do Bom Sucesso, no Restelo, cujo programa é único
e tem razões específicas para ocorrer.
Não, o 10 de Junho (para quem não sabe é o Dia de Portugal…)
foi diferente porque foi comemorado na portuguesíssima terra de Olivença.
Em boa verdade já no ano passado tal facto tinha ocorrido
mas, enfim, só este ano tivemos o gosto de participar…
A grande importância da comemoração tem a ver com o facto de
Olivença e seu termo (cerca de 430 Km2), estar ocupada ilegalmente por Espanha
desde 1807, e o Estado Português (que representa a Nação politicamente
organizada) não ter até hoje conseguido a sua retrocessão.
Estado Português que não tem um único crédito a seu favor no
evento que ora expomos.
De facto, o mesmo foi organizado pela Associação Além - Guadiana,
fundada em 2008, por oliventinos que sentiram em si o sentimento da
Portugalidade, e que já lograram concretizar um conjunto de iniciativas
louváveis.
Deste modo passou a haver quatro tipos de alentejanos: os do
Alto Alentejo; os do Baixo Alentejo; os da margem esquerda (do Guadiana); e, agora,
os do termo de Olivença…
Para este evento concreto, associou-se o conhecido
ex-deputado e dirigente do CDS-PP, Dr. Ribeiro e Castro, que se interessou por
toda esta tentativa quando liderou a Comissão Parlamentar dos Negócios
Estrangeiros e recebeu, por várias vezes, delegações dos “Amigos de Olivença” –
patriótica instituição da “sociedade civil” que, sem qualquer apoio do Estado,
tem desenvolvido ininterruptamente desde a sua criação, em 15 de Agosto de 1938,uma
luta tenaz e persistente pela causa de Olivença portuguesa – na sequência de
uma petição por eles promovida.
As autoridades espanholas têm condescendido com estas
iniciativas, pensamos nós, para aliviar tensões; por terem problemas mais
graves noutras regiões; darem uma de “progressistas” e multiculturais e,
sobretudo, por nada ter ainda tocado o âmbito da soberania.
Em Olivença não há tensões sociais pelo facto da ilegalidade
se manter, pois o território foi sendo sucessivamente colonizado, algumas vezes
com actos violentos, e a população original ter, praticamente desaparecido.
O Estado Espanhol também não se esquece de manter o nível de
vida – enfim com a excepção compreensível da última guerra civil – num estádio
superior ao lado de cá da fronteira.
Fronteira que não está oficialmente delimitada entre o Rio
Caia e o Rio Cucos, faltando os marcos nº 801 a 900.[2]
E, de facto, ao atravessar a fronteira na nova Ponte da
Ajuda – um local magnífico do Guadiana – e depois em S. Leonardo, nota-se uma
diferença na qualidade das estradas e respectiva sinalética; na limpeza e no
aproveitamento dos campos.[3]
Olivença está bem arranjada, nota-se ainda perfeitamente a
sua traça portuguesa e o centro, monumentos e fortalezas, são portuguesas, fora
de qualquer dúvida. Merece uma visita.
As cerimónias ocuparam praticamente todo o dia, tendo
começado um pouco tarde por causa da diferença horária e porque se teve que
esperar pela pequena excursão ida de Lisboa.
O “Alcalde “da vila aguentou firme todos os eventos, estando
ainda presente na maioria deles, o Presidente da Região da Estremadura, também
ele, filho da terra.
O “Mestre – de - Cerimónias” falou bilingue (num português
perfeito) e os oradores falaram nas suas línguas de origem.
A Guardia Civil manteve uma presença discreta, apenas com
duas viaturas e cinco guardas.
A cerimónia principal decorreu no Convento de S. João de
Deus – um Santo Português – que está incluído num dos nove baluartes erguidos
após a Restauração de 1640, para melhor defesa desta praça - forte, uma das
mais avançadas e expostas de toda a fronteira terrestre.
As intervenções dos oradores – administrador executivo da
Fundação Portugal-África; Presidente da Conexão Lusófona; Coordenador do
Movimento 2014 – 800 Anos da Língua Portuguesa; Directora do Gabinete de
Iniciativas Transfronteiriças da Junta da Extremadura – foram equilibradas,
embora todas elas a puxar para a descrição das actividades de que são
responsáveis, do que sobre o objectivo das cerimónias em si. E todas voltadas
para a cooperação e cultura.
Discursos equilibrados também dos responsáveis políticos
presentes, todos na mesma toada.
Uma curiosa e bem apanhada reportagem sobre os resquícios da
cultura portuguesa em Malaca (onde só estivemos 130 anos!), também marcaram
presença.
Ainda houve tempo para um pequeno teatro sobre o Rei D. Dinis
e a Rainha Santa Isabel e a oficialização da geminação dos municípios de Leiria
e de Olivença, a cargo dos respectivos edis, apenas com um pequeno deslize numa
frase do Leiriense.
O ponto alto (opinião nossa) teve lugar com a actuação do
Coro “Alma de Coimbra, que encantou a audiência com cerca de 70’de um óptimo
espectáculo, que nos deixa orgulhosos em qualquer parte do mundo e nos dá
esperança de que nem tudo está perdido…
Só faltou que a última performance fosse o Hino Nacional
Português e um “viva Portugal”, que seria a chave de ouro e o dia merecia!
Pelo meio houve almoço de tapas à espanhola para convidados
e cada um à sua, para os restantes.
O final foi o mais importante e já ocorreu na pérola
monumental representada pela Igreja da Madalena – uma joia do mais puro
manuelino que, significativamente ganhou um concurso, há poucos anos, que
elegeu o “melhor recanto de Espanha” – antecedido de uma visita guiada à mesma.
Ouviu-se a Santa Missa em português, facto que já não
ocorria desde que tal prática tinha sido proibida pelas autoridades espanholas
desde os anos 40 do século XIX!
Oficiou-a o Padre Ricardo Cardoso, acompanhado pelo seu
congénere e “dono da casa”, o qual teve especial habilidade e desenvoltura para
o papel que lhe coube fazer. Bem - haja.
A única coisa a lamentar – embora não surpreenda – foi o
escasso envolvimento da população local, nas cerimónias.
Na sessão solene estavam umas 150 pessoas; na missa só umas
50, sendo que a maioria tinha ido de Portugal.
Por isso para o ano temos de levar a Olivença, no dia 10 de
Junho, não menos de 10.000 pessoas com bandas e fanfarras. Isto mudaria tudo…
Lá esperaremos o Senhor Presidente da República (embora não
acredite que, nessa altura, lá esteja alguém da Família Real Espanhola) o qual,
estamos certos, abdicará de ir visitar a comunidade emigrante lusa na Nova Zelândia,
em prol de tão benemérito como patriótico acto.
E nem precisa de autorização da Assembleia da República para
se ausentar do território nacional, para o fazer…[4]
Então até para o ano.
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador
[1]
Se a moda pega ao contrário, vamos ter por cá chusmas de dignatários de outros
países, por cada comunidade de emigrantes que por cá labutam ou repousam!...
[2]
A fronteira Luso-Espanhola tem 1292 Km de extensão, e é delimitada por 5228
marcos, separados de 250 metros.
[3]
Onde convinha manter os caminhos limpos; preservar a capela da Nossa Senhora da
Ajuda e, no mínimo, colocar uns painéis explicativos sobre a ponte centenária
ora em ruinas!
[4]
Artigo 129º da CR. Embora nunca até hoje tenha vindo a público qualquer prova
de que tal é feito… (nº3 “A inobservância do disposto no número 1 envolve, de
pleno direito, a perda do cargo”)