domingo, 19 de outubro de 2014

ALPOIM CALVÃO: HERÓI NACIONAL

“… aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando.”
Camões, Lusíadas, Canto I, 2.

O Capitão de Mar-e-Guerra Guilherme Almôr Alpoim Calvão (AC) deu a alma ao criador, no pretérito dia 30/9/14, após longo e excruciante período de doença, que suportou com invulgar serenidade e estoicismo.
Sobre AC já disse o principal que sobre ele pensava na apresentação do seu livro biográfico, há cerca de um ano, na cidade de Viseu – a “cava de Viriato”.
No seu funeral estiveram presentes o PR, através do seu Chefe da Casa Militar; os Chefes Militares, através de oficiais generais de duas estrelas, com excepção da Marinha cujo Chefe de Estado - Maior – que, por motivos de agenda ponderosos, não pode estar presente – se fez representar por um Almirante de três estrelas. O General Ramalho Eanes também esteve presente.
Primaram pela ausência o Governo e o Parlamento (pelo menos que se desse conta).
A maioria da Comunicação social, tão loquaz e voluntariosa aquando de algum crime que envolva pederastas ou no acompanhamento de assuntos menores e barbaridades avulsas foi, desta vez, parca em notícias dando, invariavelmente, realce à acção de AC enquanto figura proeminente do MDLP.[1]
AC era um dos poucos portugueses vivos agraciados com a mais alta condecoração nacional – a Torre e Espada –[2] (não estamos a incluir os ex-PR, que a têm por diuturnidade), por altos feitos em combate e relevantes serviços ao país, no que está à altura dos Grão – Capitães portugueses da estirpe de um Duarte Pacheco Pereira, Francisco de Almeida ou Mouzinho de Albuquerque, só para citar estes.
Mas, mesmo assim, as gentes pequeninas que vão pontuando pelo país entenderam por bem, alhear-se de tão elevada figura ou tentaram mesmo menorizá-la.
AC pertenceu, ainda, à nobre plêiade de portugueses que entenderam que a Pátria nada lhes devia – pois apenas tinham cumprido o seu dever – e por isso nunca se colocou em bicos dos pés requerendo coisa alguma.
Deixou apenas um pedido a um antigo camarada de armas e de curso, para que as suas cinzas fossem largadas ao mar, na foz do rio Tejo, entre torres – designação que na gíria naval significa o espaço compreendido entre a Torre do Bugio e a Torre de S. Julião da Barra – e na maré vaza.
Era um desejo que honra a sua alma de grande marinheiro.
Quis a Marinha Portuguesa, através dos seus legítimos representantes assumir, ela própria, a consumação deste último desejo. Fez bem.
Foi um gesto da mais elementar justiça e que só a enobrece.
E que se deve assumir como preito de homenagem e finalização das honras fúnebres, como se fazem aos marinheiros no alto-mar.
Tive a honra de estar a bordo e assistir ao acto. Aqui fica um agradecimento público.
A juntar às incompetentes notícias, ou falta delas, já reveladas do anterior, veio agora o Bloco de Esquerda – esse grupelho desqualificado – questionar o, também, desqualificado Ministro da Defesa, sobre a licitude da homenagem e se ele, ministro, a autorizou - como se o CEMA fosse algum gaiato de bibe que tivesse que pôr o dedo no ar cada vez que queira ir à casa de banho…
Acompanhou o BE, o agora também desqualificado Diário de Notícias (DN), tido como jornal de referência – cabendo perguntar ser referência de quê? – através da pena de um jornalista amplamente referenciado.
É infelizmente prática antiga, permitir-se nos órgãos de comunicação social comentários anónimos e por vezes soezes, sobre as notícias ou textos de opinião que publicam. O DN não foge à regra permitindo que os cobardes e os sem carácter, bolsem os seus miasmas sem terem que assumir a responsabilidade do que dizem.
Isto não revela apenas quão longe estamos do tão propalado “estado de direito democrático”, como é sintoma de um grave retrocesso civilizacional!
Mas atentemos nas questões fulcrais dos ataques, das meias verdades, das meias notícias que acompanharam o passamento desta notável figura de português, de combatente e de carácter, que toda a gente tem evitado comentar?
Tirando a sua actividade como oficial do activo – que é aquela, note-se, pela qual a Instituição Militar o distingue- toda a gente sabe que AC foi uma pessoa controversa, mesmo no seio da Armada.
A primeira tem a ver com o facto de AC ter sido um herói nas últimas campanhas ultramarinas em que combatemos e as mesmas terem sido, desastrada e erradamente, taxadas com o epiteto negativo de “coloniais” e terem sido consideradas por muitos como “guerras injustas”.
Ora, para estes adiantados mentais não faz sentido, haver heróis em guerras injustas…
O que fez (e ainda faz) sentido, pelos vistos, foi “promover” desertores e traidores…
A segunda tem a ver com razões políticas e ideológicas – aquelas que tudo inquinam – que ocorreram durante o “PREC” [3], quando o país estava a ferro e fogo e quase à beira de uma guerra civil.
Como todos os portugueses AC sofreu na carne e no espirito a frenética agitação da época e reagiu.
Na altura estava desligado do serviço activo, a seu pedido, na situação de licença ilimitada.
Na iminência de ser preso na sequência do 11 de Março de 1975, conseguiu passar a Espanha, após fuga aparatosa, onde ajudou a formar o MDLP, cujo presidente era, recorda-se, o General Spínola (também fugido de helicóptero para aquele país e depois ido para o Brasil) – general entretanto reabilitado e promovido a Marechal do Exército.
Como operacional do MDLP AC participou e dirigiu variadíssimas acções, incluindo acções violentas, contra as forças internacionalistas (comunistas e muitos outros “istas”) que anarquizaram o país; levaram à paralisação do aparelho produtivo; quase destruíram as Forças Armadas; impediram qualquer descolonização, etc., numa palavra provocaram uma tragédia maior do que Alcácer Quibir, Alcântara, o terramoto de 1755 e as três invasões francesas, juntos!
E não contentes com tudo isto, ainda pretenderam impôr revolucionariamente, uma ditadura comunista e terceiro-mundista, na parte europeia que restava de Portugal.
Um assalto ao poder da forma mais despótica e infame.
Foi contra este estado de coisas que o Comandante Alpoim Calvão (e muitos outros) corajosamente se ergueu e combateu e que as forças vitoriosas no 25 de Novembro de 1975, apenas parcialmente derrotaram, permitindo que os vencidos (e apaniguados de ideologias erradas, antipatrióticas e vis) se pudessem retirar em boa ordem de marcha, passando ainda a outorgar-lhes credibilidade democrática!
Um erro (mais um) que inquinou o país, por décadas, e não tem fim à vista.
Ninguém julgou ninguém…
São os que restam desta estirpe e os que entretanto arregimentaram, que nunca perdoaram a AC o que ele fez.
A situação arrasta-se pois quase ninguém confronta estes infelizes com os seus erros e os seus crimes, transformando o debate ideológico num deserto de ideias.
Os “negócios” foram, entretanto falando mais alto.
Piorou tudo isto uma onda de imoralidade financeira por parte de capitalistas sem escrúpulos que, movidos pela ganância do dinheiro e do poder, têm andado a destroçar a sociedade nos países ocidentais, o que se agravou muito após o Muro de Berlim ter caído.
Ou seja, deram, com a sua acção, azo a que comunistas e outros “istas” de várias cores ganhassem novamente oxigénio e tenham de novo, razões que os sustentam.
AC é alheio, porém, a toda esta evolução e teve razão na sua luta. E é péssimo ter a memória curta.
Honra a Alpoim Calvão que é herói nacional – e sê-lo-á para sempre – e um cidadão esclarecido e actuante com uma coragem física e moral, inquestionáveis.
A Marinha Portuguesa esteve, simplesmente, bem.


[1] MDLP, Movimento Democrático de Libertação de Portugal, constituído em 5/5/1975 e desactivado em 29/4/1976. De feição anti - comunista, tinha como objectivo a adopção de um sistema democrático pluralista.
[2] Do Valor, Lealdade e Mérito.
[3] PREC, Processo Revolucionário em Curso, período convencionado entre 25/4/75 e 25/11/75; 19 meses.

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