domingo, 17 de março de 2013

MAIS REFLEXÕES SOBRE FORÇAS ARMADAS (II PARTE)

“Os militares, pela sua formação, pelo seu espírito de missão e sentido do Dever, em tempo de guerra, são capazes de arriscar a vida cem vezes no mesmo dia; em tempo de paz não dão um passo que possa pôr em risco a sua carreira”
Pedro Canavarro
(Deputado do PRD, discurso na AR, algures nos anos 80)

Voltando à “cassete” que o Sr. MDN anda a debitar ultimamente, repetindo “ad nauseam” que quer poupar 218 milhões de euros e reduzir 8.000 efectivos para permitir aumentar as verbas disponíveis para “operações”, em vez do orçamento se exaurir em mais de 80% com gastos em pessoal.
 
Já tivemos a caridade de lhe explicar, em anterior escrito, que não parece verosímil que vá investir na operação quando fala em poupar (arrecadar) – aliás na senda do que fizeram todos aqueles que aqueceram o lugar (significativamente, sempre por pouco tempo) antes da sua pessoa; e também acrescentámos que se poderia até gastar 100% em pessoal desde que o orçamento destinado às FA apenas desse para pagar ao pessoal…
 
Como, aparentemente, S. Exª não entendeu nada do que fui dizendo – culpa certamente minha por não seguir o acordo ortográfico – ainda me obrigo a acrescentar algo mais, centrado no lema de que “a esperança, ao contrário do cabelo, nunca morre”.
 
Dos actuais 38.000 efectivos (eles mudam todos os dias), só 32.600 são militares; os restantes são civis e militarizados, assim distribuídos: Força Aérea 6.600 militares e 1000 civis; Marinha, 6.000 militares e 3.000 civis e militarizados e Exército, 20.000 militares e 2100 civis.[1]

Ou seja para se cumprirem as missões atribuídas aos três Ramos – que se mantêm, sem sofrerem qualquer redefinição – restam para a componente operacional, logística, administração, instrução, planeamento, etc., 32.600 homens (qualquer dia são mais mulheres que homens…) dos quais a maioria são oficiais e sargentos. Tudo isto porque as reduções na classe de praças têm sido de tal monta, que passaram à categoria de espécie em vias de extinção [2]

Encontrar um soldado ou um cabo numa unidade militar não é hoje uma tarefa fácil!...
 
Ou seja o Dr. Aguiar Branco quer aumentar a verba para a operação e vamos supor (ah, ah, ah), que o consegue. E a seguir, pergunto eu, para que é que isso serviria se já não tem pessoal para… operar?
 
A não ser que queira constituir subunidades só com oficiais e, ou, sargentos…
 
Daqui salta-se para outra idiotia demagógica que por aí é apresentada com foros de escândalo: haver muitos oficiais generais e oficiais superiores, relativamente ao número de praças!
 
Chega-se, até, a dizer que há um oficial para dois sargentos e uma ou duas praças.
 
Também já desmontei estas barbaridades seguindo o lema “explica-me como se eu fosse muito burro”... Hoje vou ater-me apenas ao seguinte exercício:
Vamos supor que em 1982, por ex., havia “X” oficiais, “Y” sargentos e “Z” praças. Daí para cá foram sendo admitidos, anualmente, às Academias Militares e às Escolas de Formação de Sargentos um número de candidatos em função das vagas tidas por adequadas (e aprovadas pelo MDN) a fim de prover à estrutura e Sistema de Forças em vigor. Número que tem vindo sempre a diminuir, mas que se manteve estável durante períodos de tempo.
 
Estes militares desde que entram para o Quadro Permanente (QP), não podem ser despedidos (a não ser em casos muito raros do foro criminal, como foi o caso do então Capitão Valentim Loureiro), e vão sendo promovidos em função das vagas existentes nos quadros orgânicos superiormente definidos – os quais também foram sendo reduzidos.
 
Trata-se da chamada “carreira militar”, carreira que é exclusiva das FA. Isto é, não dá para mudar de “empresa” nem emigrar...[3]

Ora não havendo incentivos para o abandono do serviço activo, ou quaisquer outras opções, os oficiais e sargentos só abandonam as fileiras quando atingem o limite de idade no posto, ou perfazem o tempo de serviço que entendem adequado às suas expectativas de pensão (e se não tivessem 36 anos de serviço ficavam dependentes de autorização superior, a não ser se optassem pelo abate ao quadro – perdendo o direito a quaisquer benefícios).
 
Convém ainda referir que os limites de idade no posto são um constrangimento que não creio existir em mais nenhuma outra profissão…
 
Quer tudo isto significar que os militares do QP têm um tempo médio de permanência nas fileiras de entre 20 a 36 anos. Ora quando se quer à viva força reduzir as estruturas/meios/efectivos/etc., cada vez que se muda de ministro, sem se harmonizar o impacto que tal acarreta na gestão do pessoal, tudo fica em tribulação e distorcido.
 
E como não houve, nos últimos 30 anos qualquer factor minimamente estável de planeamento, a gestão de pessoal há muito que ficou e está, caótica!
 
E como é muito mais difícil e demorado reduzir o número de oficiais e sargentos do QP (a não ser que os matem) corta-se nas praças, ou não os recrutando e, ou, não renovando contratos.
 
Em face do descrito qualquer indigente mental percebe as causas do rácio entre os oficiais, sargentos e praças está distorcido relativamente ao desejável.
 
Só que as conclusões que o vulgo tem sido induzido a tirar são falsas, pela simples razão que não há “generais a mais, mas sim soldados a menos”!…
 
E o senhor arvorado em MDN terá que explicar uma última coisa: para que quererá um dia, oficiais superiores e generais, se estes nunca tiveram oportunidade de comandar uma companhia; conseguiram juntar umas escassas centenas de horas de voo, ou almirantes especializados em cruzeiros entre o mar da palha e Portimão e apenas tenham visto mar de “Sudoeste rijo”, no cinema. E todos saibam muito de “ouvir dizer” ou de leitura com prática de simulador...[4]

É isso, não servem para nada e até são um perigo, logo um custo escusado.
 
Daqui à extinção total vai apenas um passo [5]

Para finalizar apenas um equivoco em que a maioria dos militares teima em acreditar, sobretudo desde que foram congeladas as promoções: a de que ainda têm carreira…
 
O dito, aliás, certeiro de Pedro Canavarro vai, por fim, deixar de fazer sentido.


[1] Reparem: Para defender e interditar as fronteiras terrestres, aéreas e marítimas, vigiar e controlar a Zona Económica Exclusiva e as Regiões de Informação de Voo, à responsabilidade do Estado Português, etc., existem 38.600 cidadãos; mas para a segurança interna existem cerca de 55.000 distribuídos pela GNR,PSP,PJ,SEF,SIS,SIED e ASAE. Isto sem entrar em linha de conta com as polícias municipais. Ou seja, parece que afinal o inimigo está cá dentro…
[2] Espera-se que um destes dias, e por causa disso, as praças passem para a tutela da Secretaria de Estado do Ambiente…Aguarda-se, ainda, que estas preocupações cheguem ao conhecimento de todos os grupos ecologistas e, quiçá, à Amnistia Internacional!
[3] Esta questão de fundamental importância, não aparece nas preocupações, públicas, de ninguém…
[4] Ainda vou gostar de saber com é que o MDN vai “descalçar a bota” do milhão de euros a que um tribunal condenou o seu ministério a pagar, por ter sido acusado de não vigiar convenientemente as águas dos Açores…
[5] “Técnica” idêntica foi utilizada para acabar com o Serviço Militar Obrigatório.

1 comentário:

  1. Caro Ten.Cor. Brandão Ferreira, sou um leitor assíduo dos seus apontamentos e revejo nas suas conclusões a nossa dura e triste realidade. Permita-me um relato que constata na prática o fim das nossas FAs:
    - O médico da minha unidade prescreveu-me um injectável, durante 5 dias, que me foi aplicado pelo enfermeiro durante a semana. Como o tratamento só acabava no sábado, pedi ao médico a respectiva prescrição por forma a apresentar ao balcão de atendimento da urgência do HFAR na Estrela, na espectativa de ser encaminhado para os serviços de enfermagem. Quando me apresentei no dito balcão, o soldado de serviço virou-se para mim e perguntou-me: "O SR. SARGENTO NÃO PODIA DESLOCAR-SE AO CENTRO DE SAUDE PARA LEVAR A INJECÇÃO?"
    Fiquei de queixo caído, virei-me para o individuo e disse-lhe que sim, podia, mas não ia ao centro de saúde porque com um Hospital Militar a funcionar na minha área de residência não tinha de pagar para levar, (perdoe-me o vernáculo) uma puta de uma injecção. E lá foi ele pedir por favor à enfermeira de serviço se podia fazer-me o FAVOR de me dar a injecção.
    Por tudo o que relatei, caro Ten.Cor., constato que não é só a carreira que nos foi subtraída, acabaram com os militares e as FAs.

    Cumprimentos,
    SAJ Martins

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