quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A REFORMA DO ESTADO

Com a frase infeliz ditada pelo Sr. Primeiro-Ministro da “refundação” do Estado (que ninguém percebeu exactamente o que quis dizer) foi espoletada, da forma mais insólita, a “reforma” do Estado. Parece que a instâncias da “Troika” e para … ontem.

Para este tema, como para quase todos, podemos ter um discurso diferente. Um discurso académico; um discurso erudito; um discurso de campanha eleitoral; um discurso tecnocrático, um discurso popularucho, etc.. Conforme os interesses e as finalidades.

Prefiro optar por uma linguagem simples (e verdadeira), que todos possam entender.

O princípio da discussão deve ser a de definir termos e objectivos.

Deste modo, vale a pena, começar por definir o que é o Estado. É simples: o Estado é a Nação politicamente organizada.

E o que será a Nação (palavra que desapareceu do léxico político)? Bom, a Nação é o conjunto daqueles que nasceram no território soberano e juridicamente constituindo, que tem uma História comum, através de laços e aspirações comuns e que, em comum, querem continuar a construir o seu futuro.

Quando essa comunidade, amalgamada por uma cultura própria, língua própria, idiossincrasia própria, etc., que gera uma identidade própria, consegue desenvolver uma espiritualidade e um devir moral comum, que se transmite e enriquece de geração em geração, passamos a ter uma Pátria – singelamente, a terra dos nossos antepassados.

E aqueles que a Providência Divina ou o acaso cósmico – conforme as crenças – fez nascer no seio dessa nação, deixam apenas de ostentar um bilhete de identidade, passam a ser patriotas: aqueles que amam a sua Pátria.

Muito bem, como a ideia anunciada não foi a de “refundar” a Nação, nem a Pátria mas, apenas, o Estado, vamos ver o que faz o Estado, para que serve o Estado?

Pois o Estado – não sendo um fim em si mesmo, note-se – serve para tentar alcançar e manter, as “aspirações utópicas” dos seres humanos, à Segurança, Justiça e Bem-Estar.[1] Por esta ordem, já que a ordem dos termos não é arbitrária.[2]

Existindo o Estado para servir a Nação, a exigência primeira que se deve fazer aos cidadãos que vão preencher os lugares da estrutura desse Estado é a que eles estejam lá para servir.

Esta Ética deve ser interiorizada com grau de exigência crescente à medida que se sobe na hierarquia (outro termo desaparecido), desse mesmo Estado.

O caso deontológico mais exigente de todos é o dos militares, que não têm só a obrigação de cumprir as suas missões, mas em que o morrer faz parte do dever (de que tomam compromisso público).[3]

Uma das coisas principais que dá alguma garantia de tal poder ser cumprido é aquilo que é conhecido pela “condição militar” e o que lhe está subjacente, coisa que os sucessivos governos se têm esmerado, não em reformar, mas em destruir.

Aqui chegados põe-se a questão: porque é necessário reformar o Estado?

Porque o que existe é incompetente para cumprir o que é suposto?

Porque a estrutura é inadequada? Tem gente a mais? Há falta de liderança? É demasiado caro?

Os objectivos estão desfasados das realidades? Existe descoordenação entre entidades?

Que capacidades quero reter e, ou, alienar?

Eis uma quantidade de perguntas a que é necessário dar resposta antes de começar a trabalhar (não a refundar!).

E também não seria má ideia elaborar sobre qual a matriz, os “standards” morais e a ética pública, que deve enformar o que se vai fazer…

Ora uma reforma (se for isso que se pretende, o que desde já duvidamos) complexa como é esta, não deve (porque poder pode) ser feita de supetão, como são aquelas que surtem de revolucionarites agudas!

Será então de bom senso tentar moderar a compressão do tempo e do espaço para que o feto não verta em aborto (apesar de não pagar, ainda, taxa moderadora).

Depois é aconselhável priorizar a reforma e ponderar o que pode ou deve, ser feito em simultâneo.

E logo uma coisa se destaca: a reforma de todo o sistema político, que é o pai e a mãe de todos os males – sem esquecer a preparação e escolha das pessoas que o vão operacionalizar.

E que, praticamente ninguém, quer discutir (o que é a negação da própria Democracia…).

Daqui resultaria uma nova Constituição (esta é mázinha graças a Deus e aos homens) e a macro estrutura do Estado e suas instituições.

Segue-se em hierarquia as funções do Estado, a Segurança, a Justiça e o bem - estar. Isto é, como é que nos vamos organizar para atingir os múltiplos objectivos dentro destes três âmbitos. Que estruturas e capacidades se devem edificar, qual o número de pessoas necessárias e quanto é que tudo custa.

E será sustentável?

Se não for sustentável então é necessário rever todo o processo e os objectivos, que podem estar desajustados.

E tudo tem de ser pensado e feito tendo como pano de fundo a realidade social, cultural e a idiossincrasia própria do povo português.

Tudo tem que ser muito bem balanceado e aferido em termos que mais se assemelham a uma arte do que a uma ciência e como tal é incompatível com modelos tecnocráticos de aplicação cega, por gente sem jeito nem conhecimentos adequados das realidades e, por vezes ao serviço de interesses estranhos (quando não, obscuros), que não têm nada a ver com a “tal Nação” e a “tal Pátria”!... [4]

Finalmente, uma reforma destas, não pode ser feita ou discutida por toda a gente, ou apenas por meia dúzia de iluminados – partindo do princípio que há alguma seriedade em tudo isto.

Tem que haver prazos e regras.

Vários modelos se podem conceber, mas todos eles devem procurar estabelecer diferentes patamares de decisão (três parece razoável) e procurar a nomeação de grupos de trabalho (GT) específicos para diferentes áreas, com profissionais capazes e independentes de “lobies” e ideologias político- partidárias. Nestes GT confluiriam contributos específicos que pudessem ter origem em iniciativas da chamada “sociedade civil”.

Os GT devem ser suficientemente alargados para acolherem todos os saberes e, em simultâneo, reduzidos para poderem funcionar. E, claro, tem que ser chefiado por alguém com capacidade de liderança.

A coordenação de todos os GT é essencial e a coordenação deve começar por estes no sentido de verificarem a áreas de sobreposição, em falta ou complementares, de modo a harmonizar todo o “edifício”.

E chega.[5]

A melhor reforma é aquela que não se dá por ela nem é anunciada previamente como indispensável, para … ontem!

É aquela que se vai fazendo à medida que se antecipa a sua necessidade.

Infelizmente, não fomos por esse caminho e estamos a pagar caro por isso.

Demasiado caro.

______________________

[1] “Utópicas” no sentido em que jamais serão alcançadas na sua plenitude; sendo intangíveis, devem constituir meta a tentar ser atingida.
[2] Se não houver Segurança não pode haver Justiça e sem existir Segurança e Justiça, não pode haver Bem-Estar…
[3] Embora se espere que, preferencialmente, façam com que sejam os da trincheira oposta a fazer esse sacrifício…
[4] Já não deve ser nada fácil encontrar portugueses que conheçam (e sintam) Portugal, dadas as tremendas machadadas que foram dadas na identidade nacional nas últimas quatro décadas…
[5] Pois não é fácil, mas tem que se tentar…

3 comentários:

  1. Caro Adamastor,

    Este texto não é um vulgar post, pois é um tratado de ciência política e de sociologia. Tive a tentação de o transcrever pars o meu blogue, mas hesitei pela extensão e pelo receio de não gostar. Mas se me decidir transcrever referirei a origem, para garantia dos direitos de autor.

    Parabéns por estes ensinamentos que só poderão pecar por não serem compreendidos pelos políticos actuais.

    Abraço
    João

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  2. Uma "Ordem de Operações" clara e concisa. Se algum jota-político conseguir ler o seu artigo jamais o irá perceber porque não está preparado para entender os Fins do Estado.

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  3. Não levaria muitos minutos a explicar, a quem tem de decidir, esta lição de bem governar; poderiam não entender ou não querer ouvir...mas dá-se-lhes a volta: divulga-se!
    Acabei de partilhar no Facebook.

    Tendo começado como uma atoarda cretina, passou por refundar, reformar...o Estado, genericamente; parece que acabou em reformar o Estado...Social! Afinal era este o objectivo desejado, mas escondido, ao qual é preciso por travão.
    Como se demonstra (o artigo prova isso) lidamos com ignorantes e pessoas pouco (ou nada) sérias.

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