terça-feira, 11 de outubro de 2011

O “CONGELAMENTO” DAS PROMOÇÕES NAS FAs É INADMISSÍVEL

“Nenhum homem, com uma arma na mão, passa fome”
Provérbio Romano

            E além de inadmissível é inadequado, indecente, insólito, insensato, inviável, injusto, incoerente, insustentável e irresponsável. E quem defende tal coisa é vítima de uma insuficiência mental e ignorante.

            Vamos tentar explicar porquê.
            Tudo começou no último governo “Sócrates” aquando do inegável cavalgar da crise – apesar da sua negação algo esquizofrénica – as instituições europeias obrigaram o governo a tomar medidas (com anos de atraso), de contenção orçamental.
            De entre as medidas - cuja procissão ainda vai no adro, não se vislumbrando quando irão atingir os principais responsáveis pelo descalabro – surgiu o congelamento das promoções e progressões de carreira na função pública.
            Daqui a estenderem tais medidas às FAs, foi um fósforo. E aqui reside o primeiro erro crasso: foi confundir os militares com os funcionários públicos e a Instituição Militar (IM), com qualquer organismo ministerial.
            Coincidiu com isto a entrada em vigor de uns ajustamentos remuneratórios (extensivos à GNR e PSP), que andavam a ser negociados fazia tempo, e ainda hoje não completamente implementados nas Forças de Segurança.
            Face ao que aí vinha, os Ramos das FAs aplicaram a lei naquilo que era permitido em termos de promoções e salários o que, naturalmente, acarretou um aumento da massa salarial na rubrica do pessoal que, além de estar, há anos, sub orçamentada, não tinha as verbas necessárias para fazer face aos novos ajustamentos.
            O governo, através dos ministros da Defesa e das Finanças, reagiu como virgem enganada e, corando com a falta de vergonha, afirmaram a sua surpresa e incompreensão pela situação criada. Como se alguma coisa tivesse sido feita à sua revelia, ou fora do seu conhecimento.
            Reclamando-se ofendidos, enviaram uns funcionários da Inspecção de Finanças – que entendem tanto da realidade militar como da apanha da azeitona – meterem o bedelho onde não deveriam ser chamados, sendo-lhes franqueadas as portas dos quartéis sem sequer um protesto das chefias militares que se ouvisse.
            Com o atestado de incompetência passado aos militares (e até ao próprio MDN), S. Exªs vieram gritar aos quatro ventos, terem encontrado miríades de irregularidades.
            As irregularidades foram, de pronto, desmentidas pelas chefias dos Ramos. Desencadeia-se em seguida uma pequena campanha nalguns órgãos de comunicação social, contra as FAs, toda ela peca e demagógica.
            Entretanto cai o governo e vem um novo, que lamenta a herança do anterior e chega a afirmar, pela boca do novel MDN – que relativamente às FAs, o pretérito governo devia pedir desculpa à IM pelo modo como a tratou.
            Vai-se a coisas concretas e zás, mantém o congelamento das promoções e continua a afirmar irregularidades na questão dos vencimentos afastando, porém, a hipótese de obrigar à devolução de verbas. Os protestos nas Forças de Segurança sobem de tom, e as chefias militares desdobram-se em comunicados afirmando o cumprimento da lei. Todos fingem que não se ouvem uns aos outros…
            Os “media” dão relevo à posição dos políticos e quase ignoram as declarações dos Ramos (secundadas pelas associações de militares). As chefias não dão outros passos públicos e nenhum general é, por sua vez, afastado.
            Estão todos bem uns para os outros…
            Entretanto as finanças insistem nas irregularidades e o MDN dá um prazo (irrealista) para os Ramos emendarem a mão, até ao fim de Outubro, e voltar tudo à data de 31 de Dezembro de 2009. O granel está lançado.
            Quanto às promoções ainda é pior e mais grave. É uma questão de tempo até a situação implodir e explodir. Depois não digam que não foram avisados.
            Até este governo tomar posse ainda se conseguiu, com meses de atraso, promover dois ou três coronéis e oficiais generais. Depois disso, foi o vazio…
            Comecemos por aqui: as promoções verificaram-se no topo da hierarquia. Ora isto põe em causa a coesão do corpo militar onde os regulamentos se aplicam a todos os postos por igual; e desvirtua um princípio secular da IM que manda tratar primeiro dos praças, a seguir dos sargentos e por último dos oficiais. O oficial de dia, por ex., é o último a comer e só depois de garantir que o rancho é servido e adequadamente servido, aos homens… Existe uma excepção a isto na Cavalaria: aí os cavalos são tratados primeiro!
            E antes de cada um tratar de si, trata-se do equipamento, do armamento, das viaturas, tudo. Nenhum navio da Armada atraca sem estar tudo a brilhar no convés. Assim deve continuar a ser.
            Explicar estas coisas a um “iluminado” da política é tarefa hercúlea, quiçá impossível, mas ter-se-á que ter a paciência de lhes apontar o básico. Mas apenas até se ter alguma certeza de que querem aprender.
            Em termos mais simples e directos o congelamento das promoções pura e simplesmente desarticula o funcionamento das FAs e torna-as inoperacionais.
            Em primeiro lugar porque uma estrutura militar é a mais hierarquizada entre todas as organizações batendo, inclusive, a Igreja Católica. Ora pondo em causa o princípio da hierarquia e da antiguidade, atinge-se a IM nos seus fundamentos. O artigo 1º do RDM cita explicitamente a hierarquia como “valor militar fundamental”. A seguir, instalar-se-á o caos na gestão de pessoal; não será possível dar carreira a ninguém e serão geradas injustiças e anacronismos em catadupa. O edifício legislativo ficará posto em causa e os regulamentos internos, serão impossíveis de cumprir.
            Quanto à carreira é mister salientar dois ou três pontos. Em primeiro lugar a carreira tem para um militar uma importância ímpar, sem paralelo em qualquer outra profissão. Um militar não pode mudar de “empresa”, não pode emigrar e apenas pode aspirar a funções mais importantes e aumento de vencimento se for subindo na cadeia hierárquica. As vagas em cada quadro e especialidade são estritas e a progressão é feita mediante factores de apreciação objectivos e subjectivos.
            Para se ser promovido é necessário ter um mínimo de tempo no posto, boas informações, desempenho de determinadas funções ou aquisição de habilitações técnicas/académicas e experiências diversas.
            E “last, but not least”, sobretudo para o caso em apreço, cada posto tem limites de idade (algo que não há na função pública), o que quer dizer que se um militar atingir o limite de idade no posto, passa automaticamente à reserva. Por muito menos do que isto 123 capitães reuniram-se nos idos de 1973, e depois de algumas discussões empolgadas resolveram remover os governantes da altura.
            Toda a gestão de pessoal nas FAs tem séculos de maturação e passou há muito o teste do tempo. Está oleada, é adequada, dá estabilidade dentro da instabilidade da condição militar e permite a cada servidor da instituição saber quem é, onde está, onde estão os outros, e o que pode esperar. O comando é centralizado mas a execução é descentralizada. Agora imagine-se que para promover um cabo, é preciso autorização do Ministro das Finanças!
            A situação é, pois, de insanidade total.
            Aliás nem se percebe onde está o busílis das promoções, se existem regras que todos conhecem e existem quadros orgânicos para cada ramo/posto/especialidade/arma, etc.
            Ora se o quadro é fixado por lei e a cada quadro corresponde uma verba; e se só pode haver uma promoção quando se dá uma vaga, o único ganho que se vislumbra que as finanças arrecadem é o diferencial das promoções que não se darão, ao posto imediato, acrescidos daqueles militares que passem à reserva por terem atingido o limite de idade no posto e percam a oportunidade da promoção, assim recebendo menos de pensão de reforma. Mas a ser assim tal configura um conjunto de injustiças perfeitamente inomináveis.
            Podia-se ainda aduzir um sem número de argumentos, mas creio que o ponto foi ilustrado.
            O governo poderá estar a fazer “birra” e a forçar o salvar a face das parvoíces cometidas.
            E poderá querer estar a “castigar” os militares pelas irregularidades que teima em afirmar terem sido cometidas.
            Não brinquem, porém, com coisas sérias e não façam chegar a mostarda ao nariz das pessoas.
            A situação de congelamento das promoções decretada ainda com a agravante de não ter prazo é inadmissível – e não chamem a “troika” à colação, pois a troika que vá dar uma volta ao bilhar grande.
            E uma situação que é inadmissível tem mesmo que ser mudada.

4 comentários:

  1. Meu caro Ten.Cor.
    Assim...sim...
    Bem explicadinho para militar e político perceber.
    Desta vez gostei da forma e do conteúdo, está V.Exª de parabéns.

    Manuel J.M. Talhinhas.

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  2. Sr. Ten.Cor.
    Mais uma vez de acordo com o conteúdo, na generalidade. Mas perdoe-me, e esta questão daria "pano para mangas", mas o Sr. sabe bem que os 123 Capitães se começaram a reunir por uma questão Corporativa, um dos pilares do "odioso" Estado Novo, e rapidamente manipulados pelo Partido Comunista. Realço que fui Alf. Mil. de Cavalaria, e servi em Moçambique no Esqº de Cav.2, com muita honra.
    Melhores cumprimentos
    Miguel Sanches

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  3. Se ainda existisse serviço militar obrigatório, provavelmente a "geração à rasca" não estaria organizada numa manifestação inconsequente com uns cartazes e slogans em frente à Assembleia da República, mas talvez fosse mais veemente com umas metralhadoras e uns tanques...

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  4. Li a sua mensagem atentamente, não sou militar, nunca fui, mas admiro-os como sendo um dos pilares de estabilidade de qualquer país, bem haja pelo que teve a coragem de escrever. Iria no entanto um pouco mais longe, nomeadamente em relação a esta União dos Estados Europeus completamente desarticulada, desde que nos apelidaram de Clube dos PIGS que me custa um pouco estar integrado na nesta Europa. Bem Haja.

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