domingo, 13 de março de 2011

UM MERGULHO NA LÍBIA DE KADHAFI

Passei 25 dias na Libia a voar para uma companhia deles, em Julho/Agosto de 2008. Eis o retrato que então escrevi. Achei engraçado desenterrrá-lo agora....
22/08/2008

Posta em quarentena após ter sido bombardeada do ar por americanos com apoio inglês, em Abril de 1986, na sequência de alegado apoio activo a actividades terroristas no mundo, a Líbia, parece ter parado no tempo. Aparentemente em represália deste ataque as autoridades líbias, certamente com várias conexões internacionais, prepararam e levaram a cabo uma sabotagem num avião americano que se despenhou em Lockerbie, na Escócia, morrendo todos os ocupantes.

Na sequência foram instauradas sanções económicas e políticas. A Líbia virou para grande parte do mundo, um Estado pária. O processo de julgamento internacional demorou mais de 10 anos e confirmou as ligações líbias.

O tempo passou, os dirigentes líbios assumiram as responsabilidades no atentado (embora não o arrependimento) e a necessidade de petróleo e mercados, fez o resto: a Líbia passou pouco a pouco a sair do limbo e o seu líder Kadhafi – que está a comemorar o 38.º ano no poder -, passou a ser novamente um chefe de Estado a quem se podia convidar para jantar.

A história do país conta-se em três penadas:

Vestígios arqueológicos revelam ocupação pré-histórica; os fenícios chegaram e estabeleceram cidades em 7 AC. Seguiram-se gregos até que os romanos a incorporaram no seu império. O cristianismo ainda chegou no seu tempo, seguiram-se os vândalos e até Bizâncio ocupou parte do território.

No século VII os árabes ocuparam e islamizaram todo o norte de África e por aí ficaram até hoje. Nada de significativo se passou entretanto. Até que em 1911 os italianos lançaram as suas garras expansionistas e transformaram-na na colónia da Tripolitania. Efémera presença que quase não deixou traço e se esfumou por 1943. Ingleses e franceses lançaram então administração tipo protectorado sobre partes dos despojos italianos, até que através da Resolução da ONU de 24/12/1951, foi outorgada a independência e a Líbia tornou-se um reino. De pouca dura também: em 1/9/1969 um jovem militar de 25 anos, assumiu o poder e republicanizou o país, que viria a ser transformado no “The Socialist People’s Libyan Arab, Jamahiriya” (seja lá o que isso for!), em 2/3/1977.

É o terceiro maior país de África com 1.759.540 Km2, apesar de quase tudo ser areia e pedra; a densidade populacional é de 3,2 h/Km2 e a maioria está concentrada na orla costeira. Faz fronteira a este, com o Egipto; a sul, com o Sudão, Chade e Níger e a oeste com a Argélia e Tunísia. Chove pouco e o Inverno tem temperaturas moderadas sendo o restante ano muito quente.

O aspecto actual do país não é nada famoso. Além do ar pouco respirável devido ao calor, poeirada e poluição (falamos de Tripoli) o que vemos é desolador. A cidade está degradadíssima, as pessoas têm mau aspecto da cabeça aos pés e são pouco sociáveis e, muitos, arrogantes e agressivas. A pobreza impera embora se veja pouca gente a esmolar e o que mais se vê são cidadãos (?!) sentados com ar absorto ou a deambular sem destino certo.

A burocracia e o desleixo convivem alegremente. Todos os “chefes” e são muitos, são assaz ciosos da sua “autoridade”… o sistema emperra.

No aeroporto por exemplo, os passageiros têm que passar até chegar ao avião, aí por uns seis controlos de papelada. Mas para o RX olha-se displicentemente, quando se olha…

A corrupção está por todo o lado. Vem dos confins dos tempos.

O país não parece ser muito policiado, apenas se vê polícias com metralhadoras na guarda de edifícios públicos. Os militares estão metidos nos quartéis, e dos que vislumbrámos têm todos aspecto pouco cuidado. Anda-se em segurança nas ruas, que por seu lado estão pejadas de fardas brancas – os polícias de trânsito. Aparentemente servem apenas como elemento decorativo e para baixar o índice de desemprego já que o tráfego é caótico e perfeitamente indisciplinado. E quando se tira a carta – partindo do princípio que há alguma escola – devem-lhes ensinar que as linhas que dividem as avenidas, não se destinam a que os carros se conduzam entre elas, mas que o eixo longitudinal do veículo lhes siga paralelo …

A actividade económica parece reduzir-se ao pequeno comércio de lojas e de rua e de fraca qualidade; turismo nem sabem o que seja; serviços, nem o do lixo (já lá iremos) tudo se aparenta resumir à exploração de petróleo, algumas pedreiras e agora o gás. A propósito, segundo informações colhidas num profissional do ramo, numa praia privada - as únicas frequentáveis -, o barril do petróleo custa 2 dólares a extrair !...

O que resta da actividade económica, já que indústria não há e a agricultura é medieval, nota-se em algum movimento portuário (tem que se importar bens…) e sobretudo na construção civil, onde se nota um surto embora muito desordenado e alguma recuperação de edifícios, sobretudo do passado colonial.

A Líbia tem pouca população (cerca de 6 milhões de habitantes) e para além de pouca não é qualificada. De modo que o país tem importado emigrantes sobretudo de outros países árabes, para trabalhos indiferenciados e gente qualificada da Europa Ocidental e de Leste. E também chineses. Não há números certos, mas serão no mínimo três milhões, Já se notam tensões sociais por causa disto.

A única coisa que não falta no país, são mesquitas. Estão por todo o lado.

Existe um museu minimamente organizado que junta um pouco de tudo: desde peças arqueológicas a animais embalsamados, passando pelo artesanato e até um VW que em tempos pertenceu ao actual detentor do poder e adepto fervoroso do campismo touareg. A actividade cultural aparenta ser inexistente. Poucos quiosques vendem meia dúzia de jornais e revistas.

A única coisa que faz lembrar alguma socialização são os cafés onde se fuma a típica “chicha” e uns jardins onde uns magotes de pessoas se tentam aliviar do calor.

Curiosamente nalguns destes jardins e a horas mortas (de manhã) vislumbram-se casais isolados que entabulam namoros primitivos. É um avanço !

A curta ocupação colonial italiana não deixou marcas a não ser a actual e imponente embaixada e a unica coisa que há merecedora de visita, 200 km em redor, são as ruínas de duas antigas cidades romanas: Sabrata e Leptis Magna.

Este é um curto resumo do país de Kadhafi – aparentemente tudo se conflui nele e na sua família – que após 38 anos no poder e uma riqueza enorme no subsolo não dá ao visitante outro retrato que não este.

O regime que ninguém sabe identificar claramente e que resulta de uma mescla de autoritarismo típico árabe com noções de marxismo mal mastigado e umas ideias peregrinas (verdes), para condimentar, a única medida palpável com que se topa é a distribuição gratuita de pão a quem o não pode pagar – embora ninguém conseguisse explicar como isso se processa. Enquanto isso, só a alcatifa que forra o avião particular do grande líder custou 15 milhões de dólares, mas dificilmente se consegue encontrar manteiga à venda...

O senhor, dizem, não dorme muitas vezes no mesmo sítio e não se sabe onde e possui um “bunker” perto do centro da cidade guardado a sete chaves. E quando alguém o aborrece ou a algum dos seus, como aconteceu há pouco tempo com um dos filhos que a polícia suíça teve o atrevimento de questionar, por alegada agressão a pessoal do hotel onde se aboletava, não há problemas: suspende-se de imediato os voos para Genéve!

Resta saber a gravidade do contrabando nuclear detectado na Suíça, em Junho passado, com destino à Líbia e que envolvia um conhecido cientista nuclear paquistanês. Há gente que não tem emenda, e outros que não aprendem…

Mas a imagem de marca da Líbia que choca qualquer ser civilizado é o lixo.

O país assemalha-se a um monturo gigantesco. Tal situação é incompreensível.

Em primeiro lugar por não ser possível não haver dinheiro nem vontade (ainda por cima há paletes de gente sem fazer nada…) para montar um serviço de limpeza que funcione (para já não falar em educar as pessoas para a higiene); por outro, como é imaginável ao comum dos habitantes aceitarem viver no meio de tanta javardice!

Na Guiné, onde também já estive, ainda passava um carro do lixo de vez em quando. Mas a natureza era pródiga: havia jagudis (abutres). Ora os jagudis eram melhores que um batalhão de “almeidas”, pois até comiam o lixo. Acontece, porém, que nem os jagudis querem viver na Líbia.

Só resta uma solução.

Agora que os negócios de Portugal se estão a encaminhar para este simulacro de país, e que o nosso ministro, entre todos o Primeiro, está prestes a fazer do mentor da Jamahiriya, o seu terceiro grande amigo (a seguir a Zapatero e Chávez), o governo português devia oferecer à Líbia os serviços da ASAE (recomenda-se visita ao mercado). Por duas razões: Prestávamos (apesar de tudo) um bom serviço ao planeta e, livrávamo-nos deles.

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