quarta-feira, 6 de novembro de 2019


A ENTRONIZAÇÃO DO IMPERADOR DO JAPÃO E AS RELAÇÕES COM PORTUGAL


1/11/19
                                                 “Inda outra muita terra se te esconde
                                                  Até que venha o tempo de mostrar-se;
                                                  Mas não deixes no mar as Ilhas onde
                                                  A natureza quis mais afamar-se:
                                                  Esta, meia escondida, que responde
                                                  De longe à China, donde vem buscar-se,
                                                  É Japão, onde nace a prata fina,
                                                  Que ilustrada será co a Lei divina.”
                                                  Camões, Lusíadas, X, 131.        

            O novo Imperador do Japão – a mais antiga monarquia hereditária do mundo – de seu nome Naruhito, de 59 anos, tomou posse do trono no pretérito dia 22 de Outubro.
            Tal deveu-se não por morte de seu pai, o Imperador Akihito, mas por este ter abdicado em seu favor, aos 85 anos, tornando-se Imperador Emérito, uma prática que parece ter virado moda.
            De facto a actual Monarquia conhecida como o “Trono do Crisântemo” baseada, actualmente, na dinastia Yamato, reconhece a legitimidade de 125 monarcas que se sucederam desde a ascensão do Imperador Jimmu, em 11 de Fevereiro de 660 A.C., até aos dias de hoje.
            Pela Constituição vigente, de 3 de Novembro de 1946 – uma Constituição elaborada sob a batuta dos EUA, que ocuparam militarmente o país até 1952, após a derrota japonesa, em 1945 – o Japão é uma Monarquia Constitucional onde o poder do imperador é muito limitado. Basicamente é o “símbolo do Estado e da unidade do povo” e não tem qualquer poder executivo, legislativo ou judicial. [1]
            Portugal foi o primeiro país ocidental a “tocar no Japão, em 1543, na cidade de Tanegashima, onde anualmente se comemora condignamente essa chegada, evento praticamente ignorado entre nós.[2]
            Quando os portugueses chegaram ao Japão, os japoneses viviam algo isolados do mundo no seu arquipélago, havendo guerras permanentes entre os diferentes clãs, num estádio medieval antigo.
            De imediato se estabeleceram laços comerciais – conhecido na altura por “comércio Nanban” - e se deu início à evangelização, maioritariamente feita por jesuítas.
            Logo em 1571, os portugueses fundam o porto de Nagasáqui, devido aos laços desenvolvidos entre o Jesuíta Gaspar Vilela e o Dáimio Omura Sumitada.
            A introdução da espingarda no Japão por oferta dos portugueses – o único povo na história do mundo que oferecia armas de fogo a povos com quem contactava – veio a revelar-se de enorme importância, pois permitiu que um “Xogum” (comandante do exército) conseguisse a unidade do país e o consequente nascimento de um estado-nação.
            Infelizmente a influência holandesa e algum exacerbamento de nacionalismo religioso nalgumas camadas da sociedade japonesa vieram a resultar em perseguição das comunidades cristãs entretanto formadas, levando ao seu quase desaparecimento.
            Algumas palavras portuguesas entraram no léxico japonês e vice - versa.
            Os laços comerciais, diplomáticos e políticos porém, nunca se perderam e só vieram a ser molestados na II Guerra Mundial, pela ocupação japonesa do Timor português, originada na provocatória e escusada ocupação prévia, por parte de holandeses e australianos (violando a nossa neutralidade) o que não desculpa as atrocidades cometidas sobre a administração e população portuguesa do território, perpetradas pelos japoneses.
            Ainda no século XVI veio uma embaixada japonesa a Portugal, onde se demoraram, passando depois pelo Vaticano antes de regressarem ao Japão, numa viagem que demorou mais de dois anos.
            O Japão é hoje uma das maiores (e melhores) Nações do mundo, com a qual mantemos excelentes relações e com cuja cultura nos podemos deliciar através dos escritos do português e oficial da marinha de guerra, que se radicou para sempre no Japão, em 1898, sendo cônsul em Kobe, e lá morreu, Venceslau de Morais (Lisboa, 30/5/1854 – Tokushima, 1/7/1929).
            Na actualidade as trocas comerciais entre Portugal e o Japão – país com 377.899 Km2 e cerca de 127,5 milhões de habitantes, com um PIB “per capita” de cerca de 38.200 dólares - são hoje modestas, mas têm um grande potencial de crescimento, assim como o Turismo. Números de 2017 indicam que na balança comercial de Bens e Serviços vendemos 219.4 milhões de euros e importámos 330,8, o que resulta num saldo negativo de 111,4 milhões de euros. Quanto ao turismo as receitas têm vindo a subir nos últimos cinco anos, estimando-se para o mesmo ano um valor de 38,8 milhões de euros.

                                                           *****
            Pois o Presidente da República Portuguesa que consegue arranjar tempo para tudo – incluindo telefonar para um programa televisivo para falar com uma apresentadora esganiçada que se dedica a emitir agudos e gargalhadas alvares – e busca o dom da ubiquidade, não arranjou um buraco na sua agenda para estar presente na cerimónia.
            Mesmo depois de a meio do seu mandato já ter mais quilómetros percorridos do que o seu antecessor “globetrotter” Soares. Que Deus tenha nos esplendores da justiça eterna!
            E fez-se representar por um anterior presidente sobrevivo. O “tio” Cavaco agradece. Porventura fizeram as pazes?
            Nem Presidente do Parlamento, nem Primeiro – Ministro nem qualquer Ministro.
            Será que o PR Marcelo não se dignou deslocar a tão longínquas paragens porque os japoneses não são lá muito afins de uma presidência de proximidade, ou o estrito protocolo japonês não permitir “espontaneidades” ou quebras de protocolo, tão ao gosto do luso Presidente?
            Não conseguiu garantir uma “selfie” com o Imperador? Que diabo, uma vez não são vezes…
            A agenda diplomática não recomenda? Duvidamos que se não conseguisse acertar as coisas.
            A Força Aérea não tinha avião para o transportar? É possível, dado as frotas (toda a actividade) estar a parar por falta de pessoal, dinheiro e material. Mas não faltam aviões para alugar.
             Estava muito empenhado em dar posse ao governo no sábado (26)? Bom, conseguia com algum esforço patriótico estar cá a tempo. E se não estivesse não se perdia nada. Adiava e nós agradecíamos.
            Aquilo não é um governo, parece uma turbamulta que se conseguiu transportar na Carris (que por acaso não estava em greve), ilegalmente, por muitos irem em pé - já sei, o ministro das finanças deve ter cativado as verbas para o terceiro autocarro – a fim de irem almoçar todos juntos, como se fossem uma família siciliana…
            A gente paga.
            Mesmo as comemorações previstas para 2020, dos 160 anos das relações diplomáticas, não parecem poder ser alegados como “desculpa”.
            O que seria então?
            Lembramos que estiveram presentes delegações de mais de 160 países (existem cerca de 200), contando-se 65 chefes de estado e dezenas de primeiros-ministros, segundo relatos noticiosos.
            E em todo o Oriente e Oceânia, só as relações com a Tailândia e a China (esta sobretudo por causa de Macau), estão ao nível do Japão.
            Enfim, que mais poderemos esperar desta mal parida III República?




                                            João José Brandão Ferreira
                                           Oficial Piloto Aviador (Ref.)


[1] Na ocupação participaram ainda, forças australianas, indianas, neozelandesas e da Grã-Bretanha. O Tratado de S. Francisco, assinado em 8 de Setembro de 1951, marca o fim da ocupação militar. Após a sua ractificação, em 28 de Abril de 1952, o Japão voltou a ser um Estado independente (partindo do princípio de que não existem clausulas secretas ao Tratado). São conhecidas as limitações “auto impostas” relativamente às Forças Armadas, apelidadas de Autodefesa.
[2] Foram os navegadores António Mota, António Peixoto e Francisco Zeimoto.

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