HONRAS MILITARES
NO FUNERAL DO PROFESSOR FREITAS DO AMARAL
23/10/19
“Não se pode
ser liberal e socialista ao mesmo tempo; não se pode ser monárquico e
republicano; não se pode ser católico e comunista – de onde deve concluir-se
que as oposições não podiam em caso algum constituir uma alternativa e que a
sua impossível vitória devia significar aos olhos dos próprios que nela
intervinham, cair-se no caos, abrindo novo capítulo de desordem nacional”.
Oliveira
Salazar
O
Professor Freitas do Amaral (PFA) personagem bem conhecida no País com uma
extensa vida pública e académica foi a enterrar no pretérito dia 5 de Outubro.
Com
mais ou menos encómios e manifestações de pesar prestaram-se as honras e
homenagens fúnebres, como é uso nestas ocasiões.
A
única voz que destoou, se assim se pode dizer, foi a do “secretário perpétuo”
da associação que visa evocar e doutrinar sobre os “valores de Abril” – seja lá
o que isso for – que elaborou um comunicado onde se vitupera o facto de
“alguém” ter considerado o PFA, um dos “pais da democracia” portuguesa.
Contrapunha a excelsa figura (e
quem o acompanhou no comunicado) que quem era o pai da democracia tinham sido
os capitães do dito mês, florido a cravos, não sendo época dos mesmos.
Talvez
esteja aí a explicação para que tantos nacionais se sintam órfãos (quem quererá
ter pais destes?) e por isso fiquem em casa em vez de irem votar…
Seria
até engraçado pedir a cada um dos tais capitães (não sei se há uma lista dos mesmos)
que fizesse uma redacção em que explicassem o que era para eles a Democracia e
o que é que isso tinha a ver com um decreto-lei esquecido, o 353/73, de 13 de
Julho.
E
eu a julgar que apenas havia um pai da democracia, personagem bem conhecida que
nos legou uma fundação com o seu nome. Mas não, agora parece que há mais…
Embora
tenha para mim (como já escrevi em tempos) que aqueles que podem ostentar o
título (como o entendemos no Ocidente) sejam uns cavalheiros que conspiraram
numa loja maçónica com o cognome de “Sinédrio” (nome do tribunal judaico) onde
pontuava um bacharel em leis, chamado Manuel Fernandes Tomás.
Mas
enfim, quem pode entender as vaidades da natureza humana, ou ensinar História a
vesgos?
Não
vem ao caso analisar a figura do cidadão agora desaparecido, nem tal fica bem
numa situação “post mortem”, próxima. Vamos deixar isso para os historiadores e
não só, onde o mesmo será julgado pelos eventuais bons ou maus motivos.
Mas
pretendemos analisar uma ocorrência, pois esta foi engendrada por vivos e para
os sobrevivos. Não para os mortos.
Referimo-nos
às honras militares que acompanharam o funeral.
E
isto, repito, é responsabilidade de pessoas/entidades, que estão bem vivas. E,
presumo, não fazem coisas ao acaso.
Vejamos:
A
definição de quem tem direito a honras militares, encontra-se descrito no
Regulamento de Continências e Honras Militares, plasmado no Decreto-Lei 331/80,
de 28 de Agosto, o qual, no seu Capítulo IX (Honras Fúnebres), art.º 136º diz
assim: “Quando falecer o Presidente da República, ou qualquer militar na
efectividade de serviço (quadro permanente ou quadro de complemento),
ser-lhe-ão prestadas as honras fúnebres constantes do quadro D do presente
Capítulo.
2.
Os militares do quadro permanente na situação de reserva, não prestando
serviço, e os reformados terão as seguintes honras:
a)
Oficiais…
b)
Sargentos e praças readmitidos...
3.
As honras serão prestadas por força do ramo a que pertencia o militar falecido
(…).
Ora
por este articulado podemos verificar que o PFA não tinha direito a honras
militares.
O
PFA também não era condecorado com Ordem Militar da Torre e Espada.
Porém
– há sempre um “porém” na legislação nacional – o artigo 137º estipula:
“Poderão
ser prestadas honras fúnebres militares a entidades não constantes do artigo
anterior, quando tal for determinado superiormente.
Esta
determinação deverá indicar qual a categoria a aplicar do quadro D deste
Capítulo”.
Ora
este artigo dá para tudo o que se queira, salvaguardando o bom senso que
ninguém sabe definir o que é, a não ser pelo senso comum.
Ora
não se conhece a determinação nem quem a fez, mas não poderemos andar longe ao
dizer que só uma de três entidades o possa ter feito: o PR, o PM ou o MDN.
Dadas
as honras prestadas (apesar dos quantitativos das forças terem vindo a baixar
de escalão dada a cada vez maior exiguidade dos efectivos existentes – e um dia
destes acabam), dá ideia de que a equivalência outorgada ao falecido para o
efeito é das mais elevadas senão a mais elevada. Até teve direito a cadetes das
Academias Militares (que melhor estariam a estudar) e a salva de artilharia de
19 tiros, para além de uma companhia a três pelotões (um de cada Ramo) e a
Banda da Armada.
A
pergunta que se coloca então é a de saber o que justifica a atribuição
“excepcional” a tais honras.
Seria
por ter cumprido o serviço militar na Reserva Naval (as forças que prestaram as
honras eram, maioritariamente da Marinha) lugar apetecível para onde iam grande
parte dos chamados “filhos maus das famílias boas”, o que lhes permitia de um
modo geral, ficarem a salvo do duro serviço de campanha?
Seria
por ter cumprido as “ordens” dos revolucionários do “PREC”, em fundar um
partido rigorosamente ao centro, de modo a que o espectro partidário apenas
pudesse alastrar até à extremíssima esquerda?
Foi por ter escrito a primeira
versão da Lei 29/82, Lei da Defesa Nacional e das FA, que confinou os militares
aos quartéis com extensas restrições aos seus Direitos, Liberdades e Garantias,
tornando-se uma espécie de ajuste de contas com o Conselho da Revolução e o
Pacto MFA/Partidos? Através da qual se tenta cada vez mais submeter a
Instituição Militar ao Poder Político em detrimento da subordinação?
É por suporem mesmo, que ele é pai
de alguma democracia?
Por
fazer parte da lista de assinaturas que entregou Cabo Verde ao “Deus dará”?
Por
ter declarado, prestes, na noite da morte de Sá Carneiro, que tal se devia a um
acidente, cuja investigação ainda não se tinha esboçado?
É
por ter sido ministro mais do que uma vez? Mas temos tantos…
Por ter sido Presidente da
Assembleia Geral da ONU, uma função que se poderá equiparar à de uma espécie de
eunuco de serralho, com vantagem para este último?
Por
ter “trocado e esquecido” os apoios que tinha no anterior regime, pelas delícias
daquele que lhe sucedeu?
Por ter passeado por diversas
forças político/partidárias, não certamente por uma plasticidade extraordinária
de córtex, mas sim por uma exemplar independência e irreverência de espírito?
Ou
será por, num momento de rara inspiração, o PFA ter afirmado que se fosse
necessário os generais e almirantes passariam a andar de bicicleta? (como ele
estava à frente das preocupações ecológicas actuais!).
Certamente
que muitas razões haverá para que lhe tivessem sido feitas honrosas homenagens,
como aquela que com justiça clara, lhe foi feita pelos seus pares
universitários.
Agora
todas estas homenagens deveriam ter tido lugar no âmbito civil.
As honras e continências militares
são inerentes à condição militar e são coerentes com a hierarquia e disciplina
militares, sendo prática ancestral em todas as Forças Armadas de países
civilizados.
Meter
a Instituição Militar neste caldo de cultura político/partidário é que me
parece deslocado, desproporcionado e de muito mau gosto.
O tal artigo que permite atribuir
honras militares a civis deve ser utilizado com extrema cautela, quando haja,
por exemplo, uma ligação evidente e longa entre uma pessoa e as Forças Armadas;
a um herói de guerra com relevantes serviços prestados, ou por razões
ponderosas de Estado como seja a de um chefe de estado estrangeiro que morra em
território nacional e tal se justifique.
E,
seguramente, as Forças Armadas não existem para adornar cerimónias que não
tenham um verdadeiro cunho nacional; emprestar dourados a vaidades
político/partidárias; entrar em “guerras” ideológicas; fazer “photoshop” a
fotografias mal tiradas, ou emprestar lustre a amizades antigas ou de
circunstância.
Porque
não mandaram os Bombeiros Municipais de Cascais, a Protecção Civil ou a Cruz
Vermelha?
Desde
há décadas que a maioria da classe política se comporta com o maior desprezo,
sobranceria, desleixo e até ódio (lá terão as suas razões que, aliás, nunca têm
a coragem de explicitar…), para com a Instituição Militar e os militares e
depois põe-nos a fazer de jarros com flores, quando lhes dá jeito? Haja decoro
e haja vergonha.
Abriram
mais uma caixinha de Pandora.
Quem
será o (a) próximo(a)?
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)