INCÊNDIOS: MAIS DO
MESMO…
15/8/18 (Dia da Assumpção de Nossa Senhora).
“Ordinariamente todos os ministros são inteligentes,
escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção,
vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas.
Porém, são nulos a resolver crises. Não têm austeridade,
nem a
concepção, nem o instinto político, nem a expe-
riência que faz o Estadista. É assim que há muito tempo
em Portugal são regidos os destinos políticos. Política do
acaso, governado por vaidades e por interesses, por es-
peculação e corrupção, por privilégio e influência de
camarilha,
será possível conservar a sua independência?”
Eça de Queiroz, 1867, in “O Distrito de Évora”.[1]
Agosto.
Lá
voltámos ao mesmo!
Desta
vez a meteorologia ajudou: Inverno e Primavera chuvosos, Verão tardio e meigo.
Mas era apenas uma questão de tempo.
E
o que se falou; discutiu e se intentou fazer, neste intervalo de tempo?
Pelo
menos de dezenas de milhares de horas de televisão e rádio e quilómetros de
escrita, ninguém nos livrou: tudo baldado.
Actuou-se,
ou tentou actuar-se em muitas áreas: limpezas e mais limpezas; relatórios;
discussões científicas sobre ordenamento do território; escolha e compra de
novos equipamentos; treino de novas equipas; muita conversa, muitas visitas,
etc.
Debalde.
Tentou-se
mexer na Protecção Civil - um cancro a vários níveis – mudando chefias e
reorganizando serviços e competências (quando os civis metem os pés, lá vão
chamar os militares…) o que era uma necessidade premente.
Mas
o tempo que passou foi curto e ainda não deve ter havido oportunidade de
melhorar grandemente a coisa.
O
combate ao grande fogo de Monchique prova-o. Veremos o que se segue.
Aliás a mudança de comando das
operações a meio do incêndio não indicia nada de bom…
Quis
transformar-se as Forças Armadas (FA) – que estão sem nada (homens, logística,
dinheiro, equipamento, etc.), em bombeiros e até se quis atribuir à Força Aérea
competências sem lhes dar o mínimo de meios e autoridade, o que poderá
constituir outro desastre a prazo.
Fez-se
muita coisa mas, aparentemente, nada resultou.
E
também não se apuraram responsáveis pelos desastres da “época” passada, na
triste e lamentável repetição sistemática do ADN nacional…
É
natural pois, que o país continue a arder. E vai continuar a arder.
Gostaria
de estar enganado, mas reafirmo que vai continuar a arder porque depois de tudo
o que apontei sucintamente atrás, ninguém se atreveu a mexer no essencial e no
óbvio: em legislar contra os putativos negócios que envolvem o fogo e em cortar
a mão a quem ateia os incêndios, seja por dolo (mais grave) seja por incúria.
Sim
porque os incêndios não começam sozinhos, salvo em raríssimas excepções.
É
claro que se os locais não estiverem limpos nem ordenados, a propagação do fogo
é mais fácil e com maior intensidade…
Mas
isso não é causa, é efeito!
Ora
ninguém (a não ser esta praça velha e mais meia dúzia de “enviesados” mentais,
que nem conseguem fazer-se ouvir …) quer dar conta desta evidência e sobre o
assunto caiu um véu de silêncio cúmplice, idiota e cobardolas, dez vezes pior
do que a história do rei ir nú!
E
tal estende-se da política, à comunicação social, às forças de segurança, aos
empresários, aos comentadores, aos investigadores, enfim, de um modo geral a
toda a gente.
Porque
será?
Ora
aí está um bom tema para politólogos, sociólogos, psicólogos, e outros “ólogos”,
investigarem!
Parece que um verdadeiro manto de
auto censura caiu sobre a sociedade portuguesa.
Parece, não, é um facto!
Será
que estamos todos em estado de negação?
Estamos
com medo de nos olharmos ao espelho?
E
escusam de mandar as culpas para cima das (hipotéticas) alterações climáticas,
que passaram, aliás, a ter umas costas assaz de largas…
O
problema, meus caros concidadãos, é que se criou uma sociedade cheia de vícios,
gorda de espírito e de corpo; em que a corrupção campeia; cheia de direitos e
nenhuns deveres; em que os princípios falecem face aos interesses; onde o
individualismo impera sobre o colectivo; onde a falsa teoria do bom selvagem
esbarra na realidade da natureza humana.
Ora
o sistema “soit dizant” democrático (aliás como outros) foi eleito, desde 1974,
como o alfa e o ómega da felicidade humana.
Acontece
que a prática das coisas não só permitiu todo este descalabro, como o fomentou.
Reconhecer
isso pode levar à implosão do regime. Por isso é tabu falar-se ou admitir-se
que são os próprios cidadãos (a não ser que estejamos em face de grupos
organizados de terroristas) deste pobre país, os principais culpados destas
tragédias que nos assaltam vai para quatro décadas.
Compreende-se,
pois, que é difícil, doloroso e politicamente suicidário (para quem queira
ganhar votos…) assumir estas verdades.
O que explica muito do patético
discurso público com que os políticos da nossa praça – com especial incidência
neste caso, para o PM e o MAI – nos brindam amiúde.
Mas
enquanto não o fizermos e actuarmos em conformidade, as calamidades causados
pelos incêndios, continuarão a abater-se sobre todos nós.
E
quanto mais dinheiro o governo anunciar que vai “despejar” no combate e
prevenção dos incêndios mais fogos vai haver.
Adeus e até ao próximo fogaréu.
João
José Brandão Ferreira
Oficial
Piloto Aviador
[1] Se bem que a afirmação de
que “os ministros serem inteligentes, escreverem bem e discursarem com cortesia
e pura dicção”, já tenha conhecido melhores dias…