quarta-feira, 5 de abril de 2017

A CORRIDA AOS NOMES DOS AEROPORTOS…



A CORRIDA AOS NOMES DOS AEROPORTOS…
3/4/17

                A tradição – se é que alguma – em Portugal de baptizar os aeroportos, era o de os designar pelas terras onde estavam inseridos.
                Daí o aeroporto que servia Lisboa, se chamar da Portela, o do Porto, ser Pedras Rubras, o de Faro, Faro e o das ilhas (já nem vou ao ultramar) era o das respectivas localidades (Ponta Delgada, Horta, Funchal, etc.).
                Do mesmo modo os “aeródromos” da Força Aérea, eram e são, apelidados pela povoação onde se inserem, antecedidos de um número, por exemplo: Base Aérea Nº 1, Sintra; Aeródromo de Manobra nº 3, Porto Santo, e assim sucessivamente.
                Apenas alguns dos aeródromos civis, normalmente tutelados por câmaras municipais, tinham um nome associado, por exemplo, o de Coimbra, chama-se Bissaya Barreto.
                De repente deu uma febre qualquer na classe política e desatou tudo a querer rebaptizar o existente, segundo os ditames da melhor tradição jacobina e bolchevique de mudar os nomes às coisas a fim de as tornar conformes ideologicamente.
                 A coisa começou isolada, com a atribuição do nome de Sá Carneiro a Pedras Rubras, em 1990.
                Enfim, o senhor era filho da terra, tinha-se destacado na sociedade portuguesa como advogado e político – apesar de nem sempre pelos melhores motivos – e tinha morrido no exercício das funções de Primeiro-Ministro, em situação trágica (justamente ao descolar de Lisboa com destino ao Porto), ainda hoje objecto de controvérsia, ganhando um estatuto “de quase mártir”, sem embargo da ocorrência ter evidenciado graves falhas de segurança, organização, profissionalismo e até, bom senso.
                A que se deve acrescentar uma investigação verdadeiramente amadora, restando saber se foi circunstancial ou propositada.
                Mas, de há pouco tempo a esta parte a coisa passou a dar-lhes forte.
                Começou com a mudança da Portela para Humberto Delgado, em 15/5/16; seguiu-se a proposta a despropósito do actual PR, feita em 12/2/17, para chamar ao putativo acrescento da Portela, no Montijo, de “Mário Soares” e culminou agora com a atribuição do nome do Cristiano Ronaldo, em 29/3/17, à infraestrutura aeronáutica que serve a ilha da Madeira.
                Aguarda-se em jubilosa ansiedade o que mais virá por aí![1]          
               Ora neste âmbito não se descortina qualquer lógica, racionalidade ou justeza nas decisões.
                O que apenas transparece é um aproveitamento político/demagógico que tudo submerge a que na Madeira, se deve adicionar um interesse de chamariz turístico.
                O que faz sentido é atribuir nomes dos aeroportos a personalidades ligadas ao meio aeronáutico e que, nesse âmbito, se tenham evidenciado.
                Felizmente neste caso não temos falta de nomes, desde logo o de Bartolomeu de Gusmão, que deve ser considerado o “Pai” do mais pesado que o ar, português; aos pioneiros da aerostação e da aviação, passando pelos grandes aviadores das primeiras viagens aéreas dos anos 20 e 30, equivalentes às dos nautas de outros tempos; até a personalidades civis e militares que se distinguiram tanto em tempo de paz como em tempo de guerra. Neste particular encontram-se nomes muito mais adequados e merecedores do que aqueles que agora se desenterraram para o fim em vista.
                Por outro lado, digamos, é aceitável que se possa dar a um aeroporto importante o nome de uma personalidade política que se tenha destacado na História do país. Tal justifica, por exemplo, que um dos aeroportos que servem Paris se chame “Charles de Gaulle”, embora o outro mantenha o nome da localidade onde foi construído, Orly.[2]
                                                                      *****
                Ora não parece, salvo melhor opinião, que tal se possa aplicar aos escolhidos – o caso de Humberto Delgado (HD) é até, neste âmbito, aberrante.
                Escusam de estar a arregalar os olhos, que eu já esclareço.
                HD - feito marechal indevidamente, por a sua proposta não ter tido parecer favorável do então Supremo Tribunal Militar – foi escolhido por uma parte minoritária de políticos defensores de uma determinada ideologia.
                Ideologia e escola de políticos, que o corajoso, mas muito pouco atinado general, combateu furiosamente durante a maior parte da sua vida.
                E acaba por ser premiado não por qualquer coerência política ou de serviços prestados ao país; tão pouco pelo facto de ter sido aviador – campo onde não demonstrou qualquer virtuosismo assinalável – ou de ter estado ligado à Direcção - Geral da Aeronáutica Civil, ser representante português na ICAO e ter participado nas negociações que levaram ao estabelecimento dos ingleses na ilha terceira durante a II GM. Ou, até, por ter estado ligado à fundação da TAP.
                Mas sim por ter passado a ser bandeira da Oposição ao regime do Estado Novo, a partir de 1958 – com excepção dos comunistas, que lhe chamavam o “general coca-cola” (ele era anti – comunista primário e não regateou elogios a Hitler) – quando se malquistou pelas piores razões, com alguns governantes que não lhes quiseram conceder determinados lugares rendosos que a sua ambição desmedida exigia.[3]
              Tudo isto depois de ter abominado a I República, ter participado no Golpe de Estado Militar do 28 de Maio, de 1926; ter assumido funções de confiança no Regime do Estado Novo, e até ter sido punido por excesso de zelo “Fascista” (leiam o folhetim radiofónico “Da Pulhice do Homo Sapiens”, de sua autoria…).
             Certo é que no 80º aniversário da implantação da República - regime que ele combateu e execrou enquanto vivo – o transladaram para o Panteão Nacional. Se a hipocrisia pagasse impostos…
               Ter morrido, em 1965, às mãos de uma brigada da PIDE enviada a Espanha para o prender, foi a cereja em cima do bolo.
                Resta perceber a aparente incompetência revelada pelos seus membros, na cilada planeada; o que deu origem ao disparo e as verdadeiras razões porque foi feito, já que parece não haver dúvidas sobre o autor, que provavelmente levou o segredo para a cova.
                Assim como falta objectivamente saber e assumir, quem e como, empurrou HD para a cilada, ou se, este desiludido com a experiência de vida dos últimos anos, pura e simplesmente se vinha entregar.
                Agora que, face às circunstâncias é uma aberração o nome dele ter substituído o da Portela, isso é.
                                                                                 *****
              O nome de Mário Soares é outro absurdo.[4]
                Em primeiro lugar porque ainda não foi tomada oficialmente a decisão de que o complemento da Portela será no Montijo – e se imperar o bom senso face aos constrangimentos existentes e suas consequências, tal decisão jamais será tomada – depois por ter sido uma hipótese aventada com um pé no ar e, depois, por nada o ligar à aeronáutica senão o facto de ter dado o equivalente a várias voltas à terra, de avião, em visitas “de Estado” e também o de ter o estranho hábito de quase sempre que voava na TAP pedir lagostins para a refeição.
              Mas, sobretudo, por não merecer.
                A opinião ilustra-se através do concurso pífio da Drª. Maria Elisa Domingues: houve aí um erro de “casting”; é que Mário Soares não devia concorrer no concurso sobre o “melhor português de sempre”, mas sim ao do pior português desde que o Afonso Henriques teve a felicidade de vencer o combate de S. Mamede, em 1128. Aí sim, tinha amplas hipóteses de ficar nos primeiros lugares (e não é certo que conseguiria bater o Álvaro Cunhal…).
               E não, ele não é o pai da “Democracia” em Portugal, como por aí enchem a boca. Esse título cabe ao Bacharel Manuel Fernandes Tomás (1771-1822), doutrinador e principal expoente da Revolução Liberal ocorrida no Porto, em 1820…
                Não vou perder mais tempo com tão ruim defunto lamentando apenas que o PR tenha botado opinião extemporaneamente e com isso tentado, desde logo, marcar terreno e condicionar tudo e todos.
              Será que anda a estudar o Luís XIV, que dizia que “o Estado sou eu”?
                Mas talvez, por ironia do destino ou justiça divina, aqueles que tão prestes mudaram nomes de ruas, apearam estátuas e denegriram figuras de muito maior gabarito que o seu, venham, um dia, a sofrer igual sorte quando a roda da vida e da História trilhar outros caminhos.
                                                                               *****
                O caso de Cristiano Ronaldo é apenas confrangedor. E tal assertividade não põe, nem quer pôr, em causa a pessoa do ainda jovem madeirense cuja qualidade como atleta é inquestionável e nada fez até hoje que nos envergonhasse. E tem sido, sem dúvida, uma mais-valia para o bom nome de Portugal e dos portugueses.
              Mas, até por ser tão jovem, nada garante que se venha a aviltar, por qualquer razão, antes de entregar a alma ao Criador. Nesse caso faz-se o quê, depois?
                Onde está então o problema?
                O problema está em que está tudo fora do seu lugar e sobretudo porque a atribuição desta honraria é reflexo da pobreza espiritual do país.
                Isto é, o nosso país vive numa mentira histórica que criou para si mesmo: num regime político cheio de erros e vícios; num relativismo moral galopante; num inverno demográfico tenebroso; numa corrupção aritmética sustentada; numa ficção financeira suicida; num vazio de preocupação geopolítica, etc., e por tudo isto carecido de qualquer estratégia, objectivo e rumo.
               Sendo o atrás citado substituído por pão, circo e aldrabices. Pouco pão e muito circo, basicamente vertido em futebol e novelas (Fátima e o Fado estão de boa saúde, graça a Deus).
              E, pelos vistos, ter habilidade em dar chutos numa bola prefere aos rasgos havidos em qualquer outra profissão…
                Cristiano teve o azar, isto é, a sorte de calhar como mel nesta sopa!
                Daí que eu sugeria para compensar, que o estádio do Marítimo se passasse a chamar Sacadura Cabral e o estádio do Nacional, apelidado de Gago Coutinho, por acaso os “aeronautas” que em 1921, fizeram a primeira travessia aérea entre o “Contenante” e a ilha da “Semilha”, vulgo Madeira.
                Assim, pelo menos, ficávamos algo quites.


                                                               João José Brandão Ferreira
                                                              Comandante de Linha Aérea


[1] Arrisco até a pensar que o “nome de Bissaya Barreto”, admirador de Salazar, apesar de ter sido carbonário, ceda o lugar ao glorioso assaltante de bancos Palma Inácio – que por lá se escondeu – e o pai Mortágua vá designar o nado morto terminal aéreo civil, de Beja – que diabo, ao menos estes estão entre os pioneiros da pirataria aérea moderna!

[2] Embora também parcialmente em Villeneuve-le-Roi
[3] Uma longa - metragem não chegava para descrever tudo o que se passou, embora muito diferente dos filmes que têm contado a vida dele…
[4] E compará-lo ao DE Gaulle é como comparar o olho do “sim senhor” com a feira de Castro…

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