A CORRIDA AOS
NOMES DOS AEROPORTOS…
3/4/17
A
tradição – se é que alguma – em Portugal de baptizar os aeroportos, era o de os
designar pelas terras onde estavam inseridos.
Daí
o aeroporto que servia Lisboa, se chamar da Portela, o do Porto, ser Pedras Rubras,
o de Faro, Faro e o das ilhas (já nem vou ao ultramar) era o das respectivas localidades
(Ponta Delgada, Horta, Funchal, etc.).
Do
mesmo modo os “aeródromos” da Força Aérea, eram e são, apelidados pela povoação
onde se inserem, antecedidos de um número, por exemplo: Base Aérea Nº 1,
Sintra; Aeródromo de Manobra nº 3, Porto Santo, e assim sucessivamente.
Apenas
alguns dos aeródromos civis, normalmente tutelados por câmaras municipais,
tinham um nome associado, por exemplo, o de Coimbra, chama-se Bissaya Barreto.
De
repente deu uma febre qualquer na classe política e desatou tudo a querer
rebaptizar o existente, segundo os ditames da melhor tradição jacobina e
bolchevique de mudar os nomes às coisas a fim de as tornar conformes
ideologicamente.
A coisa começou isolada, com a atribuição do
nome de Sá Carneiro a Pedras Rubras, em 1990.
Enfim,
o senhor era filho da terra, tinha-se destacado na sociedade portuguesa como
advogado e político – apesar de nem sempre pelos melhores motivos – e tinha morrido
no exercício das funções de Primeiro-Ministro, em situação trágica (justamente
ao descolar de Lisboa com destino ao Porto), ainda hoje objecto de
controvérsia, ganhando um estatuto “de quase mártir”, sem embargo da ocorrência
ter evidenciado graves falhas de segurança, organização, profissionalismo e
até, bom senso.
A
que se deve acrescentar uma investigação verdadeiramente amadora, restando
saber se foi circunstancial ou propositada.
Mas,
de há pouco tempo a esta parte a coisa passou a dar-lhes forte.
Começou
com a mudança da Portela para Humberto Delgado, em 15/5/16; seguiu-se a
proposta a despropósito do actual PR, feita em 12/2/17, para chamar ao putativo
acrescento da Portela, no Montijo, de “Mário Soares” e culminou agora com a
atribuição do nome do Cristiano Ronaldo, em 29/3/17, à infraestrutura
aeronáutica que serve a ilha da Madeira.
Ora neste âmbito não se
descortina qualquer lógica, racionalidade ou justeza nas decisões.
O
que apenas transparece é um aproveitamento político/demagógico que tudo
submerge a que na Madeira, se deve adicionar um interesse de chamariz
turístico.
O
que faz sentido é atribuir nomes dos aeroportos a personalidades ligadas ao
meio aeronáutico e que, nesse âmbito, se tenham evidenciado.
Felizmente
neste caso não temos falta de nomes, desde logo o de Bartolomeu de Gusmão, que
deve ser considerado o “Pai” do mais pesado que o ar, português; aos pioneiros
da aerostação e da aviação, passando pelos grandes aviadores das primeiras
viagens aéreas dos anos 20 e 30, equivalentes às dos nautas de outros tempos;
até a personalidades civis e militares que se distinguiram tanto em tempo de
paz como em tempo de guerra. Neste particular encontram-se nomes muito mais
adequados e merecedores do que aqueles que agora se desenterraram para o fim em
vista.
Por
outro lado, digamos, é aceitável que se possa dar a um aeroporto importante o
nome de uma personalidade política que se tenha destacado na História do país.
Tal justifica, por exemplo, que um dos aeroportos que servem Paris se chame
“Charles de Gaulle”, embora o outro mantenha o nome da localidade onde foi
construído, Orly.[2]
*****
Ora
não parece, salvo melhor opinião, que tal se possa aplicar aos escolhidos – o
caso de Humberto Delgado (HD) é até, neste âmbito, aberrante.
Escusam
de estar a arregalar os olhos, que eu já esclareço.
HD
- feito marechal indevidamente, por a sua proposta não ter tido parecer
favorável do então Supremo Tribunal Militar – foi escolhido por uma parte
minoritária de políticos defensores de uma determinada ideologia.
Ideologia
e escola de políticos, que o corajoso, mas muito pouco atinado general,
combateu furiosamente durante a maior parte da sua vida.
E
acaba por ser premiado não por qualquer coerência política ou de serviços
prestados ao país; tão pouco pelo facto de ter sido aviador – campo onde não
demonstrou qualquer virtuosismo assinalável – ou de ter estado ligado à
Direcção - Geral da Aeronáutica Civil, ser representante português na ICAO e
ter participado nas negociações que levaram ao estabelecimento dos ingleses na
ilha terceira durante a II GM. Ou, até, por ter estado ligado à fundação da
TAP.
Mas
sim por ter passado a ser bandeira da Oposição ao regime do Estado Novo, a
partir de 1958 – com excepção dos comunistas, que lhe chamavam o “general
coca-cola” (ele era anti – comunista primário e não regateou elogios a Hitler)
– quando se malquistou pelas piores razões, com alguns governantes que não lhes
quiseram conceder determinados lugares rendosos que a sua ambição desmedida
exigia.[3]
Tudo isto depois de ter abominado
a I República, ter participado no Golpe de Estado Militar do 28 de Maio, de
1926; ter assumido funções de confiança no Regime do Estado Novo, e até ter
sido punido por excesso de zelo “Fascista” (leiam o folhetim radiofónico “Da
Pulhice do Homo Sapiens”, de sua autoria…).
Certo é que no 80º aniversário da
implantação da República - regime que ele combateu e execrou enquanto vivo – o
transladaram para o Panteão Nacional. Se a hipocrisia pagasse impostos…
Ter morrido, em 1965, às mãos de
uma brigada da PIDE enviada a Espanha para o prender, foi a cereja em cima do
bolo.
Resta
perceber a aparente incompetência revelada pelos seus membros, na cilada
planeada; o que deu origem ao disparo e as verdadeiras razões porque foi feito,
já que parece não haver dúvidas sobre o autor, que provavelmente levou o segredo
para a cova.
Assim
como falta objectivamente saber e assumir, quem e como, empurrou HD para a
cilada, ou se, este desiludido com a experiência de vida dos últimos anos, pura
e simplesmente se vinha entregar.
Agora
que, face às circunstâncias é uma aberração o nome dele ter substituído o da
Portela, isso é.
*****
O nome de Mário Soares é outro
absurdo.[4]
Em
primeiro lugar porque ainda não foi tomada oficialmente a decisão de que o
complemento da Portela será no Montijo – e se imperar o bom senso face aos
constrangimentos existentes e suas consequências, tal decisão jamais será
tomada – depois por ter sido uma hipótese aventada com um pé no ar e, depois, por
nada o ligar à aeronáutica senão o facto de ter dado o equivalente a várias
voltas à terra, de avião, em visitas “de Estado” e também o de ter o estranho
hábito de quase sempre que voava na TAP pedir lagostins para a refeição.
Mas, sobretudo, por não merecer.
A
opinião ilustra-se através do concurso pífio da Drª. Maria Elisa Domingues:
houve aí um erro de “casting”; é que Mário Soares não devia concorrer no
concurso sobre o “melhor português de sempre”, mas sim ao do pior português
desde que o Afonso Henriques teve a felicidade de vencer o combate de S. Mamede,
em 1128. Aí sim, tinha amplas hipóteses de ficar nos primeiros lugares (e não é
certo que conseguiria bater o Álvaro Cunhal…).
E não, ele não é o pai da
“Democracia” em Portugal, como por aí enchem a boca. Esse título cabe ao
Bacharel Manuel Fernandes Tomás (1771-1822), doutrinador e principal expoente
da Revolução Liberal ocorrida no Porto, em 1820…
Não
vou perder mais tempo com tão ruim defunto lamentando apenas que o PR tenha
botado opinião extemporaneamente e com isso tentado, desde logo, marcar terreno
e condicionar tudo e todos.
Será que anda a estudar o Luís
XIV, que dizia que “o Estado sou eu”?
Mas
talvez, por ironia do destino ou justiça divina, aqueles que tão prestes
mudaram nomes de ruas, apearam estátuas e denegriram figuras de muito maior
gabarito que o seu, venham, um dia, a sofrer igual sorte quando a roda da vida
e da História trilhar outros caminhos.
*****
O
caso de Cristiano Ronaldo é apenas confrangedor. E tal assertividade não põe,
nem quer pôr, em causa a pessoa do ainda jovem madeirense cuja qualidade como
atleta é inquestionável e nada fez até hoje que nos envergonhasse. E tem sido,
sem dúvida, uma mais-valia para o bom nome de Portugal e dos portugueses.
Mas, até por ser tão jovem, nada
garante que se venha a aviltar, por qualquer razão, antes de entregar a alma ao
Criador. Nesse caso faz-se o quê, depois?
Onde
está então o problema?
O
problema está em que está tudo fora do seu lugar e sobretudo porque a
atribuição desta honraria é reflexo da pobreza espiritual do país.
Isto
é, o nosso país vive numa mentira histórica que criou para si mesmo: num regime
político cheio de erros e vícios; num relativismo moral galopante; num inverno
demográfico tenebroso; numa corrupção aritmética sustentada; numa ficção
financeira suicida; num vazio de preocupação geopolítica, etc., e por tudo isto
carecido de qualquer estratégia, objectivo e rumo.
Sendo o atrás citado substituído
por pão, circo e aldrabices. Pouco pão e muito circo, basicamente vertido em
futebol e novelas (Fátima e o Fado estão de boa saúde, graça a Deus).
E, pelos vistos, ter habilidade em dar
chutos numa bola prefere aos rasgos havidos em qualquer outra profissão…
Cristiano
teve o azar, isto é, a sorte de calhar como mel nesta sopa!
Daí
que eu sugeria para compensar, que o estádio do Marítimo se passasse a chamar
Sacadura Cabral e o estádio do Nacional, apelidado de Gago Coutinho, por acaso
os “aeronautas” que em 1921, fizeram a primeira travessia aérea entre o
“Contenante” e a ilha da “Semilha”, vulgo Madeira.
Assim,
pelo menos, ficávamos algo quites.
João
José Brandão Ferreira
Comandante de Linha Aérea
[1] Arrisco até a pensar que o
“nome de Bissaya Barreto”, admirador de Salazar, apesar de ter sido carbonário,
ceda o lugar ao glorioso assaltante de bancos Palma Inácio – que por lá se
escondeu – e o pai Mortágua vá designar o nado morto terminal aéreo civil, de
Beja – que diabo, ao menos estes estão entre os pioneiros da pirataria aérea moderna!
[2]
Embora também parcialmente em Villeneuve-le-Roi
[3]
Uma longa - metragem não chegava para descrever tudo o que se passou, embora
muito diferente dos filmes que têm contado a vida dele…
[4]
E compará-lo ao DE Gaulle é como comparar o olho do “sim senhor” com a feira de
Castro…
Está aqui muita pesquisa. Muito bom.
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