QUEM ESTÁ LOUCO, O ERDOGAN OU OS EUROPEUS?
28/3/17
“Muito
honrado Capitão Paxá, bem vi as palavras da tua carta. Se em Rhodes tivessem
estado os cavaleiros que estão aqui neste curral podes crer que não a terias
tomado. Fica a saber que aqui estão portugueses acostumados a matar muitos
mouros e têm por Capitão António da Silveira, que tem um par de tomates mais
fortes que as balas dos teus canhões e que todos os portugueses aqui têm
tomates e não temem quem não os tenha!”
Resposta que
deu António da Silveira, Capitão de Diu, à carta que Suleimão Paxá, Comandante
Turco (que era eunuco), que com 70 galés e 23.000 homens cercava a cidade,
defendida por 600 portugueses.
Nessa carta,
Suleimão prometia livre saída de pessoas e bens, desde que entregassem a fortaleza
e as armas. E prometia esfolar vivos, todos os que não o fizessem, gabando-se
de ter com ele muitos guerreiros que ajudaram na conquista de Belgrado, a
Hungria e a Ilha de Rhodes. Perguntava no fim a Silveira, como se iria defender
num “curral com tão pouco gado!”
Gaspar
Correia, “Crónica dos Feitos da Índia”, Vol. IV, pág. 34-36.
Recep
Tayyip Erdogan, 63 anos, é o Chefe de Estado de um país chamado Turquia, membro
da NATO, aspirante frustrado a membro da UE e herdeiro de um dos mais temíveis
impérios existentes à face da terra, no segundo milénio da era de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Império que ganhou projecção mundial após conquistar
Constantinopla em 1453, data que marca o fim do Império Romano do Oriente e
tida como marco inicial para o que se convencionou chamar “Idade Moderna”.
O
Império Otomano (1299-1923), que tinha o seu núcleo original no Planalto da
Anatólia, quis expandir-se em todas as direcções, nomeadamente para Oeste,
tendo progredido perigosamente no Norte de África, nos Balcãs e no Mediterrâneo
Oriental.
Este
império foi finalmente sustido no Norte de África, quando já estava em Argel
(porventura a maior motivação para D. Sebastião ter querido ir a Larache,
principal objectivo a preservar e que não incluía a surtida que acabou tragicamente
em Alcácer Quibir); no Mediterrâneo Oriental foram derrotados na batalha naval
de Lepanto, em 1571, mas nunca se conformaram - note-se que foi graças à
esquadra portuguesa que foram batidos novamente em Matapão, em 19 de Julho de
1717, faz este ano 300 anos.
Finalmente
progrediram nos Balcãs, em direcção à Europa Central, até efectuarem dois
terríveis cercos a Viena, coração do Império Austro-Húngaro, dos Habsburgo, em
1529 e 1683, data em que foram inexoravelmente derrotados.
O
“croissant”, massa folhada em forma de “crescente vermelho”, que se passou a
comer ao pequeno-almoço e ao lanche, aí está a ilustrar a vitória. Ou seja,
cada vez que se come um croissant, quer dizer que se “come” um turco ao
pequeno-almoço…
É
possível que os turcos, desde então, não achem graça à coisa.
No
fim da I Guerra Mundial a Dinastia Otomana desapareceu e o seu império
desagregou-se, tendo grande parte dos seus territórios ficado debaixo do
controlo de potências ocidentais vencedoras da guerra, sob mandato da então
Sociedade das Nações, nomeadamente a França e a Inglaterra.
Mais
tarde a maioria destes territórios veio a adquirir, sucessivamente, a
independência.
A
criação do Estado de Israel, em 1948, veio baralhar e complicar ainda mais a
complexa geopolítica da região.
Em
1923, o General Mustafá Kemal Atatürk assumiu o cargo de primeiro Presidente da
República da Turquia, até à sua morte em 10/11/1938, e transformou o país num
estado laico, onde os militares tinham um peso desproporcionado.
A
necessidade de conter a URSS no início da Guerra-Fria, no fim da Segunda Guerra
Mundial e arranjar um estado tampão mo Cáucaso e Oriente Médio, fez com que a
Turquia fosse convidada a aderir à NATO, o que aconteceu em 1952.
A
Turquia apesar de tudo, dos problemas internos - onde se destaca a questão
curda - e dos ódios figadais e seculares (por vezes milenares) entre todos os
povos daquela região, teve um papel mais estabilizador do que o contrário.
Seria
ocioso explicitar tudo o que se passou.
A
Turquia tirou partido da sua participação na NATO, onde a quezília secular com
a Grécia, agravada pelo conflito Cipriota, constituiu sempre uma dor de cabeça
para a Aliança (e agora é também para a UE), recebeu armamento moderno, acesso
a tácticas, doutrinas e logística, e permitiu trocas comerciais com os países
do Ocidente, facilitando a emigração de largas massas de turcos e curdos para a
Europa.
O
ovo da serpente começou a crescer desmesuradamente…
E
pertencer à NATO ajudava a conter um dos seus ancestrais inimigos, o Império Russo!
Quando
Erdogan chega a Chefe do Governo (2003-2014) e a Presidente, logo de seguida,
tudo muda: cada vez há maior oposição na UE, nomeadamente em França (melhor
dizendo, no Grande Oriente Francês…) relativamente à entrada da Turquia na UE. Chegaram
inclusive, ao ponto de assumirem como “dogma de fé” que na Arménia tinha havido
um genocídio de cristãos, feito pelos Otomanos, entre 1915 e 1923 (o que por
acaso até é verdade). [1]
Ankara,
obviamente estrebuchou.
Erdogan
– que em 1994, proferiu uma frase algo premonitória, “a Democracia é um
comboio: quando se chega ao nosso destino, saímos” – começou paulatinamente a
por de lado a herança de Atatürk e a retirar poderes aos militares.
A
seguir entrou numa deriva islamita, torpedeando o laicismo e aproximando-se de
tudo o que preconiza o Corão.
Finalmente
envolveu-se no conflito Sírio e ficou submerso de refugiados.
Em
15/7/2016 deu-se um estranhíssimo caso de tentativa de golpe de estado.
O
que se passou parece um decalque do “11 de Março de 75”, português.
Erdogan
não perde tempo e parte à perseguição dos seus opositores.
Prendeu-os
e saneou-os, às dezenas de milhar e insiste para que os EUA extraditem um
conterrâneo seu (de que ninguém ouvira falar até então), como suposto cabecilha
do frustrado golpe de estado.
O
homem – Fethullah Gülen – ainda vive nos EUA, mas as principais potências
ficaram quedas e mudas, a olharem para ontem, sem saberem o que fazer ou dizer.
Erdogan
tarda, mas arrecada.
Com
estes trunfos na mão, embala para mudar a Constituição a fim de reforçar o seu
poder. Pelos vistos a eternizar-se nele.
Estamos
pois em vista de um potencial “Califa”, que a seu tempo ocupará o palácio de Topkapi.
Só falta organizar o Serralho e o Regimento de Janízaros.
Porém,
para obter estes poderes necessita de votos para um referendo que quer fazer,
prestes. Os turcos existentes nos seus domínios não lhe chegam e pretende
catequizar a diáspora.
E
não se fez rogado: país onde houvesse comunidade que valesse a pena
influenciar, seria “invadida” por comparsas seus, a começar por membros do seu
próprio governo!
Não
sabemos exactamente o modo como informou os governos dos países visados ou
sequer se deu ao trabalho de o fazer; queria ir e pronto!
Quando
os governos e as opiniões públicas de alguns dos países europeus visados
souberam da trama, dispuseram-se a contestar tais desejos/ordens.
O
que espoletou a ira do putativo otomano e foi um ver se te avias de guerra de
palavras, ameaças e despautérios.
O que encontra amplos antecedentes
nos devaneios democráticos e cobardia dos países europeus e da UE, a que têm o
despautério de apelidar de “superioridade moral da democracia”!
Chamam-lhe um figo…
Os
países europeus reagiram individualmente de um modo frouxo, cobardolas e
apaziguador, o que denota o estado de degenerescência política, social e
anímica, em que a Europa se encontra (para já não falar na incapacidade militar,
que é consequência daquelas…).
A
UE como tal, não reagiu e por cá ouviram-se umas frases de circunstância
circunspecta. Ou seja os europeus viraram uns verdadeiros eunucos…
Entretanto
o grão - turco profere ameaças e manda, filantropicamente – só pode – as
famílias turcas emigradas, terem cinco filhos.
Compreende-se:
enquanto não têm balas, disparam rebentos.
Como
fazem cá falta os tomates do Capitão António da Silveira e dos cavaleiros que
estavam com ele, em Diu.
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador