quinta-feira, 28 de julho de 2016

O FUTEBOL, ESSE FENÓMENO…




“Não se deve confundir a esfera armilar
com a bola do Ronaldo…”
Leal Henriques
(Técnico de voo com quem tive o gosto de voar).

Passada a “histeria” colectiva que perpassou pelo país, durante o campeonato europeu de futebol 2016, existe alguma serenidade para meditar sobre este fenómeno social, que move e apaixona multidões.
 
E, neste ponto, há desde já, uma constatação a fazer: o futebol deve ser o único desporto que atrai milhares de pessoas sem que estas alguma vez o tenham praticado; o exemplo disso é a assistência aos jogos, por um número cada vez maior de mulheres.
 
Ou seja o futebol de um simples desporto passou a fenómeno/festa social, daí (os factores interrelacionam-se) a negócio de biliões e a aproveitamento mediático e publicitário, massivo foi, de aritmético a exponencial em três décadas.
 
Por isso logo se transformou em aproveitamento político cada vez mais elaborado.
 
Neste âmbito, se pensarmos na União Europeia, existe uma contradição de monta, que poucos terão equacionado, e que é esta: como é que se pode fugir para a frente com o “mais Europa” e o “federalismo europeu” e continuar com este folclore de campeonatos onde se tocam constantemente os hinos dos diferentes países e os mais apaixonados se mascaram com os símbolos nacionais (embora desrespeitando-os mas, enfim, isso é outra discussão)?
 
E quando houver uma “Europa Unida” – o que se Deus e a Geopolítica quiserem jamais ocorrerá – como é que se vai continuar com um campeonato europeu de futebol (ou outro)?
 
Infelizmente o futebol para além deste clima de festa, tem o seu lado escuro, o lado da corrupção, dos negócios ilícitos, das tricas constantes, etc., como profusamente vem documentado quase diariamente nos órgãos de comunicação social.
 
Ora salvo melhor opinião, o futebol devia ser apenas um desporto e nada mais do que isso, não fazendo sentido o dinheiro que nele se verte; as dívidas astronómicas dos clubes; os honorários pornográficos de treinadores e jogadores; a vigarice com a outorga de nacionalidade, etc..
 
Com o “mercado” que para aí vai, o que é que distingue umas equipas das outras? E podem considerar-se como sendo de um país ou de outro, ou apenas amálgamas de nacionalidades?
 
E não seria mais interessante e útil pôr os jovens a jogar futebol do que andar a alimentar treinadores de bancada e comentadores desportivos?
 
Dizem, porém, que é disso que a “malta” gosta, mas se a maioria das pessoas passasse a gostar de caca de passarinho, também era disso que se lhes passava a dar? (No evangelho do dia 24, uma parábola justificava a destruição de Sodoma e Gomorra, por nelas, Deus não ter encontrado 10 justos…).
 
Bom, mas o que interessa é que Portugal ganhou – também com o investimento já feito no futebol, já se justificava. Façamos contas: qual terá sido a actividade em que, como sociedade, nos tenhamos empenhado mais, em termos relativos? Na investigação científica? Na Cultura? Nas Forças Armadas? Na Pesca? No Serviço Nacional de Saúde? Em formar diplomatas?
 
Não creio que alguma delas supere o futebol, mas responda quem souber.
 
Apesar de tudo a vitória foi merecida e toda a equipa foi humilde e, por uma vez, jogou com a cabeça! Teve um sabor ainda especial, por derrotarmos alguns adversários de mau porte.
 
Felizmente que, simultaneamente, fomos campeões de hóquei em patins, e outros atletas conseguiram medalhas em ginástica, vela e atletismo, etc., o que melhorou sobremaneira o conjunto dos eventos.
 
Embora não devamos engalar em arco pois o nível médio de preparação e educação física da generalidade da população, bem como o número de praticantes federados, deixa muito a desejar.
 
Mas ganhámos e isso deixa tudo o resto para trás: o verdadeiro massacre mediático que envolveu o euro 2016; o frenesim das altas figuras do Estado em quererem passar umas por cima das outras (não era melhor fazer uma escala?), para assistirem aos jogos da selecção, como se disso dependesse a salvação pública ou, já agora, o pagamento da divida! (e vejam se para a próxima combinam antes, quem paga…).
E claro, já ninguém se lembra das graves acusações que políticos da moda faziam ao “Estado Novo” e ao Professor Salazar, sobre o “ópio do povo” que, no entender deles, representava então o futebol (para já não falar em Fátima e no Fado, que graças a Deus, continuam de boa saúde!).
 
Lá se condecorou a rapaziada toda, com uma comenda, o que não estando mal, convém manter alguma contenção, senão passaremos a condecorar qualquer aluno que passe no exame da 4ª classe (quando houver), ou o cidadão da 3ª idade que atravesse a rua com sucesso…
 
Mesmo o grave acidente ocorrido com o C-130 da Força Aérea, que causou três mortos, precisamente no dia em que a selecção de futebol regressava à Pátria, com honras de escolta aérea por F-16, desde que entraram no espaço aéreo nacional, desviou por um momento as atenções de todos.
 
Compreende-se: os militares apenas cumprem as suas missões “firmes e hirtos e voltados para a frente”, para o caso de um dia necessitarem de combater e, eventualmente, morrer na defesa dos que pulavam nas ruas. Que reconhecimento ou alegria é que isso lhes pode trazer?
 
*****
Verdadeiramente notável, contudo, foram três ocorrências, que mereceram muito menor relevo, o que apenas encontra explicação no desvario moral e ideológico em que vivemos. Refiro-me à carta em que o treinador nacional Fernando Santos agradeceu a Deus a vitória obtida; o entusiasmo e orgulho dos emigrantes e as reacções de júbilo e euforia da alma portuguesa que deixámos nos antigos territórios que colonizámos.
 
Fernando Santos tinha escrito uma carta um mês antes do final do campeonato e leu-a no dia da vitória. O inusitado foi o agradecimento acima de todos a Deus Pai e à Virgem Maria (Padroeira de Portugal desde 1646…), pelo sucesso obtido. Inusitado por ser raro, em pleno século XXI um Homem fazer tal invocação em público, mesmo num país de maioria cristã e católica. E que anda muito esquecido disso.
 
Foi uma evocação espiritual no meio do materialismo mais insano.
 
Depois temos o orgulho dos emigrantes.
 
Não há memória da nossa gente criar problemas em qualquer local para onde vá. É afável, humilde, trabalhadora, cumpre as leis (o que nem sempre faz no seu país) e integra-se em qualquer sítio, seja no sertão de África, nos gelos do Canadá ou nos confins da China.
 
E faz isto tudo sem perder a sua personalidade própria.
 
Quando se juntam, dá-se-lhes uma “saudade do caraças”, da “ santa terrinha” e aí descobrem que são portugueses dos quatro costados e patriotas invictos, entre o furioso e o lamechas – coisa que quando vivem em Portugal não se dão conta (falam até mal de tudo), mesmo quando nunca o deixaram de ser!
 
Em alguns casos, nomeadamente em países europeus, alguns sofrem enxovalhos ou ouvem dizer mal da sua terra, a maioria das vezes por alimárias que não sabem do que falam.
 
De modo que a juntar ao bacalhau, ao salpicão, ao tinto e restante parafernália gastronómica, se lhes atiram com umas cançonetas que lhes soem bem no ouvido e uns eventos desportivos, em que o futebol é rei, então aquela alminha lusitana transborda que é um gosto vê-la.
 
Há que continuar assim.
 
Finalmente as repercussões deste evento nos antigos territórios ultramarinos onde ninguém perguntou a ninguém, se queriam deixar de ser portugueses, as manifestações de alegria e contentamento, foram transversais nas diferentes sociedades apenas com as excepções habituais nos transviados ideológicos e cleptocratas reinantes.
 
Se hoje se fizesse naquelas partes que Portugal já foram, um referendo isento, não tenho dúvidas que a maioria das populações votaria por uma portugalidade assumida.
 
Deve ser por isso que uns adiantados mentais da Camara de Lisboa, querem eliminar os brasões das antigas províncias ultramarinas nos jardins da Praça do Império (que também deve mudar de nome…), em Belém!
 
A CPLP tem muito para andar, mas não lhe querem dar asas…
 
O caso mais impressionante foram as imagens colhidas em Malaca.
 
O estandarte real português só esteve hasteado nesta cidade durante 130 anos (1511-1641) e a permanência esteve longe de ser pacífica. Depois de nós vieram os holandeses e os ingleses (em 1759) (que de um modo geral todos os colonizados por eles, detestam), até que se tornou independente, integrada na Malásia, em 1957.
 
Apenas existem duas pequenas aldeias de pescadores que albergam os descendentes de portugueses, a que o Terreiro do Paço tem dedicado o maior dos desprezos. Pois foi esta gente e alguns turistas lusos e outros que por lá andavam, que vibraram com a vitória das cores nacionais.
 
Não me parece que estes exemplos se passem com mais ninguém…
 
Este é um capital único que nos resta.
 
Confesso que toda a porcaria à volta do futebol me chateia e só não me absorto do que se passa porque o dilúvio mediático não mo permite. Mas confesso também, que ao ver a selecção portuguesa jogar, não consigo evitar que os pêlos do peito se ericem e o sangue corra mais rápido nas veias. 
 
Apesar do futebol ser apenas um desporto, não deixa de vir ao de cima os velhos brios que nos vêm de Ourique. Enfim, fenómenos.

1 comentário:

  1. Sr Tenente Coronel Brandão Ferreira

    Apreciei muito este seu texto.

    Em resumo: "Panem et circenses"!

    E quando faltar o "panem"?

    Tenho para mim que 90% dos mais novos desconhecem total ou parcialmente as realidades (meios e métodos) da vida agrícola e pecuária, da qual toda a gente vive.

    Não sabem nem querem saber.

    Absorvidos que estão pelos estudos estéreis já completamente facilitados, pelos Facebooks, pelos inúmeros Festivais musicais, pelas sistemáticas vidas nocturnas, pelo álcool, pelo tabaco à mistura com estupefacientes mais ou menos duros, não cuidam do Futuro, não cuidam do "Amanhã", tão pouco os respectivos familiares.

    Na realidade não estão minimamente preparados para ganhar o "Pão nosso de cada dia".

    E esta vida de "cigarra", já não se circunscreve só à juventude urbana das grandes cidades; está disseminada
    mais ou menos por toda a parte.

    Pergunto a mim mesmo:

    Quando a geração mais idosa desaparecer e com a herança de um País totalmente hipotecado, de que expedientes se socorrerão para sobreviver?

    Será por intermédio de pontapés numa bola?

    Meus cumprimentos

    Manuel Alves

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