NO CENTENÁRIO DA AVIAÇÃO MILITAR
“Chamei Manuel Gouveia em Tripoli e disse-lhe:
- Você sabe Gouveia, que vamos cruzar uma
região perigosíssima e o voo é longo, cerca de 1000 Km. Os perigos
multiplicam-se. Se formos obrigados a aterrar, a morte é certa: no deserto ou
morremos de forme senão encontrarmos ninguém, ou morremos decapitados se alguém
nos vir; no mar, tão deserto como o deserto, se procurarmos esse refúgio a
morte é certa, também. Se você quer vá para o Cairo num navio, nós o
esperaremos aí.
Gouveia olhou para mim zangado e um pouco
malcriadamente – porque não o direi? – respondeu-me apenas:
- O meu comandante parece que não me
conhece, eu sou do Porto, da terra que deu nome a Portugal. Se for preciso,
morrer, morre-se.”
Brito Pais
(extraído do relatório da viagem aérea Macau, em 1924)
A atleta Rosa Mota é figura destacada na
actual campanha contra o cancro de pele, causado pela excessiva exposição ao
astro-rei.
É uma boa ideia e faz bem.
Rosa Mota está na calha, certamente, para
ir para o Panteão Nacional.
Foi medalha de ouro na mais difícil
competição desportiva desde a invenção dos Jogos Olímpicos: a corrida da
Maratona.
Portou-se bem a nossa “Rosinha” e estou
certo que a maioria dos seus compatriotas a considerou uma heroína.
Não se lhe conhecem taras, nem consta
que alguma vez tenha feito algo que envergonhasse a nação dos
portugueses.
E se não se enganar a apostar em
eventuais candidaturas à Presidência da República terá direito – a avaliar por
exemplos recentes – a lugar em sarcófago de pedra, na antiga Igreja de Santa
Engrácia.
O que esperamos aconteça – Deus assim o
entenda – daqui a muitos anos.
É isto ser-se honesto, talvez a forma de
se ser herói todos os dias, o papel mais difícil de ser feito em
sociedade.
Um herói, pode sê-lo apenas por um acto
que, numa hora de bom e desprendido julgamento, coragem extrema, ou de uma
virtude excepcional, faça com que um ser humano pratique um acto ou acção, que
o distinga dos demais e que não está ao alcance da capacidade da maioria.
Alguns casos existem assim na sociedade
portuguesa e que não foram ainda reconhecidos como tal.
Entre eles destaca-se, seguramente, o
caso Major Piloto Aviador António Lourenço de Sousa Lobato, nascido em terras
do Minho, mais precisamente na Aldeia de Sante, freguesia de Paderne, concelho
de Melgaço, a 11 de Março de 1938.
É aqui que começa a fazer sentido o
título do escrito: é que António Lobato (AL) é Oficial Superior da Força Aérea,
na situação de reforma.
Que fez então este nosso concidadão de
tão notável que, não só merece uma homenagem nacional que nunca lhe foi feita,
mas também que a sua história deva ser contada recorrentemente, em todas as
escolas do país?
Resumidamente: 1 AL alistou-se na FA
em 1957 e fez parte do Curso de Pilotagem P3/57. Recebeu as suas asas em Junho
de 1959, e tinha o posto de Segundo-Sargento.
1 Ver livro de sua autoria “Liberdade ou
Evasão”, Erasmus, Amadora, 1995 – há demasiado tempo esgotado!
O outro avião despenhou-se e o piloto
morreu.
Partiu em missão de soberania para a
então Província da Guiné, em Julho de 1961, ainda a guerrilha não tinha tido
início.
Ajudou a FA a operar naquele território
a partir do… nada.
No dia 22 de Maio de 1963, após uma das
muitas missões em que já participara, no regresso à base, suspeitando que podia
ter sido atingido por fogo inimigo, pediu ao seu asa – piloto recém - chegado e
inexperiente – que passasse por baixo do seu T-6 para ver se detectava algo de
errado. O “asa” cometeu um erro na manobra, tendo chocado com o seu avião de
que resultou AL ter de efectuar uma aterragem forçada.
Após a aterragem foi preso por um grupo
de populares afectos ao PAIGC, que o entregou a uma força de guerrilheiros
chefiados por Nino Vieira que viria, mais tarde, a ser Presidente da
Guiné-Bissau, qualidade em que receberia AL em audiência.
AL sofreu maus tratos por parte dos
indígenas, mas foi bem tratado pela guerrilha – que viu nele um valioso troféu
de guerra e o levou para a Ex- Guiné Francesa.
Ia começar para AL um longo e doloroso
cativeiro, que duraria sete anos e meio, tendo sido resgatado na célebre
operação Mar Verde, comandada pelo extraordinário combatente que foi o
Comandante Alpoim Calvão, em 22/11/1970, juntamente com mais 25 portugueses,
que jaziam numa masmorra em Conacri.
Um feito que D. João de Castro não
desdenharia…
No entretanto AL mudou três vezes de
prisão, conheceu a “solitária”, fugiu e foi recapturado, três vezes, e passou por
um processo mental de sobrevivência que bem poderia ser estudado por um grupo
selecionado de psicólogos.
Nesta luta teve um apoio precioso da
família, sobretudo da sua jovem mulher – que esteve à sua altura – (tinham
casado há poucos meses antes de ter sido feito prisioneiro), que chegou a pedir
uma audiência ao Papa, visando a sua libertação.
No mesmo sentido, ainda está por fazer,
a história do que foi feito a nível do Estado Português – e foi bastante – para
o libertar.
Mas o mais notável em tudo o que se
passou, é que o Sargento António Lobato, manteve-se firme na sua qualidade de
militar e combatente da FA Portuguesa, nunca traiu o seu juramento para com a
Pátria, cumpriu sempre o Dever Militar, e, tentado várias vezes a trocar a
prisão, pela “liberdade”, num país de leste, mais tarde na Argélia (onde
pontificava a chamada Frente Patriótica de Libertação Nacional, de exilados
portugueses), sempre recusou.
Para a sua libertação tinha “apenas” que
redigir uma mensagem radiofónica em que declarava a sua oposição à guerra –
logo a justiça da luta do IN – e comprometer-se a nunca mais pegar em armas
contra a guerrilha.
Note-se que estas propostas chegaram a ser
feitas pelo líder do PAIGC Amílcar Cabral, que o visitou na prisão.
Um dia inquirido porque nunca quisera
aceitar o que lhe ofereciam, deu esta resposta extraordinária, por simples e
profunda e que diz tudo: “com que cara é que eu chegava ao largo da minha
aldeia?”.
Pois, caros leitores, é um homem desta
têmpera, que se manteve posteriormente sempre impoluto, de que no século
passado haverá, talvez, em todo o mundo, uma mão cheia de exemplos que se lhe
igualem, que a grande família portuguesa desconhece e o Terreiro do Paço nunca
reconheceu e homenageou.
É certo que a FA e o Governo da altura,
o reintegraram nas fileiras, pagaram-lhe todos os retroactivos e promoveram-no
por distinção a Tenente. A seguir e mediante legislação para o efeito criada,
passaram-no ao quadro permanente, na especialidade de piloto aviador.
Mas até hoje, nem no activo – onde nunca
se tentou tirar sequer partido em qualquer circunstância do valiosíssimo
exemplo, experiência e valor, do militar em questão – na reserva e reforma se
colocou este português dos quatro costados e pessoa de carácter, no lugar a que
por direito próprio merece ocupar.
E nós, os outros, também devemos ter
direito a justamente nos orgulharmos dele.
Ora a FA nunca se lembrou que tinha AL
entre um dos mais notáveis dos seus. Nem sequer o convida para o aniversário
anual, onde AL devia ter lugar de honra…
É claro que no actual regime sem norte,
nem valores dignos desse nome, enfermo de corrupção, em que nos habituámos
(mal) a viver, AL tem contra si, o facto de não ter sido desertor, traidor, tão
pouco gozar da fama de antifascista, senão certamente já teria sido cumulado
com várias “ordens da liberdade”, esgotado telejornais e entrevistas.
Mas, parece, que não foi isso que ele
aprendeu no largo da sua aldeia…
A Força Aérea ainda vai a tempo de
emendar a mão e colmatar uma injustiça, e promover uma homenagem ao Major
Lobato.
E tem uma oportunidade de ouro agora,
aproveitando as comemorações do centenário da aviação militar, que se iniciaram
a 14 de Maio do ano passado, mas que por estranho silêncio, ninguém sabe de
nada, nem o Estado Português se associou.
Parece até, que a própria FA tem
vergonha do evento!...
Atitude que desmerece a citação do
“grande” Tenente Manuel Gouveia e que, em boa verdade, sintetiza e
consubstancia a missão da Força Aérea: voar e lutar.
Já tarda e já basta.
Pelo António Lobato
“Acção, acção, acção, …..Aviação”!
(Início do “grito” da Força Aérea)
Este sim, um Lusitano de valor.
ResponderEliminarOs homens de grande valor são sempre raros.
É uma questão de senso comum.
Numa democracia(ou mediocracia, melhor dizendo) porém só vale um voto.
Tanto quanto o alegre, soares ou emplastro...
Conheci A.L. durante o curso P2/60 na B.A.7. Um belo dia, voando em instrução com o Asp. Costa Santos, passámos por A.L. A partir de : o avião é meu ! foi um festival de dog fight entre os dois Chips.
EliminarAmilcar D. Ribeiro.
Conheci o major António Lobato na BA1 em 1976 e 77 eu como médico aspirante a prestar serviço militar nesta base aérea. O Major António Lobato sempre foi um militar verdadeiro e íntegro um herói nacional.O seu passado com sofrimento enorme será sempre um exemplo notável,nestes tempos em que se tenta fazer esquecer a historia da Pátria
ResponderEliminarConheci o major António Lobato na BA1 em 1976 e 77 eu como médico aspirante a prestar serviço militar nesta base aérea. O Major António Lobato sempre foi um militar verdadeiro e íntegro um herói nacional.O seu passado com sofrimento enorme será sempre um exemplo notável,nestes tempos em que se tenta fazer esquecer a historia da Pátria
ResponderEliminarAlguém sabe onde vive este grande senhor? ..em que zona do país? Como poderei contactá-lo ?
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