Numa
interessante “tertúlia” promovida pelo Dr. Ribeiro e Castro e a Livraria Ferin,
coube a vez ao Padre Feytor Pinto de, no passado dia 27 de Abril, dissertar
sobre o tema em título.
É
muito agradável ouvir o padre Feytor Pinto pelos dotes de oratória que possui e
pelos conhecimentos e fio de meada discursiva, claro e pontuado que exibe.
Porém
(há sempre um “porém” qualquer, à nossa espera), a dissertação sintética, como
não poderia deixar de ser, aparenta pautar-se pelo “política e socialmente
correcto” e dominante e aqui é que se torna necessário fazer alguns reparos e
tecer algumas considerações que parecem pertinentes para uma melhor compreensão
do que verdadeiramente se passou.
O
que era de todo impossível lucubrar no período de debate.
À
laia de introdução o Padre Feytor Pinto (F.P.) deixou no ar a ideia de que a
Igreja Portuguesa tinha, a partir do consulado do Professor Salazar, ficado
subordinada ao Estado, dando como exemplo do que afirmava, a Concordata de 1940
e dentro desta, o facto da nomeação dos bispos carecerem de anuência
governamental.
O
Padre FP cai aqui em várias incorreções.
Em primeiro lugar “esqueceu-se” de que Salazar após tomar posse com Presidente do Conselho de Ministros, se reuniu com o já Cardeal Cerejeira e, sem embargo da grande amizade e admiração mútua, que vinha dos tempos da Universidade de Coimbra, tomou a iniciativa de separar claramente as águas: a Deus o que é de Deus e a César o que é de César [1]. Princípio que, creio, sobreviveu à morte de ambos e se mantém até hoje.
Depois
porque a Concordata de 1940 (a que está associado o Acordo Missionário) é um
documento notável, que foi dura e longamente negociado entre o Governo Português
e a Santa Sé – ou seja, representa uma peça de Direito Internacional, entre
dois Estados e que ultrapassa largamente o âmbito religioso.
E
não se entende a admiração do padre FP no que toca à nomeação de bispos, já se
terá esquecido que o Beneplácito Régio foi imposto pelo Rei D. Pedro I e apenas
abolido ao tempo de D. João II, sem embargo do cuidado sempre posto neste
âmbito, o que não evitou a existência de inúmeros conflitos desde então?
Certamente que o facto de 19 dos 34 reis de
Portugal terem sido excomungados por Papas, não lhe é desconhecido. Só para
citar este exemplo.
Mas
talvez o Senhor Padre prefira o que aconteceu à Igreja após 1820 e que veio a
culminar no terramoto que foi a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, só tenuemente
mitigado a partir da Regeneração de 1851 (e da débacle que tal causou em todo o
ultramar português); para já não falar nas perseguições, humilhações,
violências, roubos e depredações inomináveis, ocorridas na I República,
relativamente à Igreja Católica (e só a esta).
Talvez
preferisse o modo como os bispos eram então “nomeados”…
A
Concordata de 1940 veio pois, colocar ordem no caos e tensões existentes nas
relações entre a Igreja e o Estado Português, entre este e a Santa Sé e,
também, na inserção social da Igreja na Nação Portuguesa, os quais remontavam à
implementação do Liberalismo em Portugal.
Onde,
obviamente pontuou a Maçonaria sobre cuja acção o Padre Feytor Pinto,
convenientemente, aos costumes disse nada.
Ou
talvez, ainda, o Senhor Padre prefira a actual Concordata (de 18/5/2004) a
qual, onze anos depois de assinada, ainda não está completamente regulamentada.
Matéria sobre a qual a Conferência
Episcopal pouco fala, mesmo quando o Governo manda retirar os crucifixos dos
edifícios públicos, curiosamente no dia seguinte, ao sucesso da procissão da
imagem da Nossa Senhora de Fátima pelas ruas de Lisboa, em 12 de Novembro de
2005, que já não se realizava fazia décadas.
Deste
modo, Padre Feytor Pinto, a mim parece-me que o período que durou o Estado Novo
foi aquele em que, em toda a nossa História, houve maior equilíbrio e igualdade,
nas relações entre o Estado e a Igreja em Portugal!
A
História dos 60 anos da Igreja (a partir de 1954, ano anterior à ordenação de
F.P. como Padre) contada pelo orador aparece como uma história de oposição ao
Estado Novo e depois (moderadamente) contra os excessos do PREC, e coincide, ou
resume-se, àquilo que os chamados “católicos progressistas” (cuja lista
parcial, realçou nominalmente, no fim) fizeram ou intentaram fazer.
Tudo
o resto é uma espécie de buraco negro…
Para
o efeito realçou:
·
A Acção Católica (que o governo não geria);
·
O Escutismo, presume-se que católico (que o
governo não via com bons olhos, por eventual concorrência com a Mocidade Portuguesa,
segundo disse…);
·
A escolha dos alunos enviados para o Colégio
Português em Roma;
·
O Congresso dos Organismos Operários, em 1955;
·
A Carta do Bispo do Porto, em 1958;
·
O Encontro da Juventude Católica, em 1963
(liderado por João Salgueiro);
·
A acção dos Bispos D. Sebastião de Resende, na Beira
e D. Francisco Rendeiro, no Algarve;
·
O Concílio Vaticano II, apresentado como alfa e
ómega de tudo;
·
A Acção do Papa Paulo VI;
·
A figura do Cardeal D. António Ribeiro.
Sobre
o Cardeal Cerejeira, restantes bispos, Ordens Religiosas e restante povo de
Deus cuja vivência decorreu, tanto na Metrópole como no Ultramar, fora das
preocupações explicitadas, nem uma palavra.
Minto,
relativamente ao Cardeal que exerceu o seu múnus durante 52 anos, referiu a sua
benignidade relativamente ao modo como se deslocava cedo (sem dar nas vistas),
a tomar o pequeno-almoço com o Padre Felicidade Alves que, na paróquia de Belém,
invectivava tudo e todos (acrescento eu).
Padre que se despadrou e, como vários outros, apesar de tudo poucos, que se comportava como um comunistóide de sotaina e que o bom do Cerejeira (um fraco disciplinador no dizer de Salazar), não soube ou quis, meter na ordem, em tempo.
Quanto
ao Ultramar apenas o subentendeu quando apelidou de “colonial” a guerra que
travámos em 14 anos (sem contar com a Índia), em termos justos de legítima
defesa, aliás como prescrito no tão incensado “Vaticano II”, na sua encíclica
“Gaudiam et Spes”.
O
Padre FP está enganado sobre o que fala, pois se assim não fosse, não teria
qualquer dificuldade em bem aconselhar os jovens que disse virem ter consigo,
queixando-se de não quererem ir para a guerra…
A
defesa da figura controversa do Bispo do Porto D. António Ferreira Gomes,
também não parece muito curial.
Que
se saiba o prelado não gozava sequer de grande apoio na Conferência Episcopal e
com a sua intervenção veio ferir a tal separação de águas entre o que pertencia
a Deus e a César. Mesmo assim foi preciso uma gota de água para o “expulsar”,
nunca tendo sido incomodado de outra qualquer forma: o facto de ter tornado
público uma carta de crítica áspera, que tinha enviado ao Presidente do Conselho.[2]
Não
foi o único bispo a exilar-se ao longo da História, que o diga, por exemplo, o
Cardeal Alpedrinha [3]. Como diria o outro, é a
vida.
Marcello
Caetano, numa acção algo filantrópica de reconciliação, resolveu autorizar o
regresso daquele, ao mesmo tempo que fez outros gestos semelhantes. Parece que,
no fim, se arrependeu de tudo.
Consta
ainda que D. António teve sete secretários pessoais. Cinco acabaram por o
deixar e só dois o seguiram: os, mais tarde, Bispo de Setúbal, D. Manuel
conhecido pelo “Bispo Vermelho”, a que se reconhece coragem e acção pastoral e
social relevante; e o Bispo das Forças Armadas e Segurança, D. Januário, sobre
quem economizo palavras, nada dizendo.
Certamente
que a acção de todos não levou em conta a frase assassina de Salazar sobre o
badalado antigo Bispo da Invicta, “tinha demasiada cultura para a inteligência
que possuía”…
Sobre
a acção dos Bispos de Nampula e da Beira, referidos, certamente fizeram aquilo
que a sua consciência lhes ditava, opondo-se à guerra, mesmo sabendo o que isso
aproveitava aos inimigos de Portugal.[4]
Fica
sempre bem, aliás, a um ministro de Cristo, condenar as guerras e apelar à Paz.
Mas que alternativas davam S. Excelências Reverendíssimas para acabar com a
guerra? Nunca se soube exactamente o que propunham, embora todos soubessem o
que queriam. Mas seria isso justo e adequado?
Dos cerca de 500 padres e missionários existentes
na altura em Moçambique, apenas cerca de 50 seguiam as ideias daqueles
prelados, e muitos eram estrangeiros. Nunca se ouviu também a sua voz condenar
os latrocínios feitos pela Frelimo; tão pouco as barbaridades cometidas após a
independência do território.
Mas
entende-se que estes “pormenores” tenham passado despercebidos ao Padre FP.
O
mesmo parece ter acontecido ao Papa Paulo VI que, esqueceu-se do título de Nação
Fidelíssima, outorgado pelos seus antecessores aos portugueses, resolveu pautar
a sua actuação pela dos inimigos de Portugal. Foi triste e foi lamentável.
Mas
o Padre FP mostrou-se algo indignado por a emissão da RTP ter sido cortada
quando o então Padre António Ribeiro, deu a notícia de que o Papa Paulo VI
tinha visitado a União Indiana (Bombaim), em 30/11/1964.
Lembra-se
que desde 1950 que estávamos de relações cortadas com aquele país, que este nos
fizera um conjunto de malfeitorias despudoradas, durante 14 anos e cometera uma
escabrosa agressão militar sobre o Estado da Índia Portuguesa, em 1961,
integrando-o á força no seu território, e o Sr. Padre FP acha que se deveria
fazer o quê?
A
seguir o Sumo Pontífice recebe no Vaticano os chefes dos Movimentos Terroristas
(há quem lhes chamasse de “Libertação”) que nos faziam guerrilha em Angola,
Moçambique e Guiné (em 1/7/1970) e o Sr. Padre FP, quer que um qualquer governo
que se preze fique contente e bata palmas?[5]
Já reparou que a vinda de Paulo VI a Fátima, em 13/5/1967, e esta ter decorrido
sem qualquer incidente, se pode considerar um pequeno milagre?
A
propósito, o dia Mundial da Paz, criado por Paulo VI e citado pelo Padre FP, já
resolveu alguma coisa até hoje?[6]
Já
a notável criação da Universidade Católica, decidida em 1968, não lhe mereceu
qualquer encómio, a não ser o comentário de que levou 20 anos a realizar-se.
Ficámos sem saber porquê.
O
Padre FP passa depois a relatar os eventos do golpe de Estado de 25/4/74 e o
que se lhe seguiu, referindo alguns dos sucessivos eventos dramáticos, com uma
bonomia, como se o clima de agitação e de loucura que colocou o país à beira de
uma guerra civil fosse uma espécie de piquenique colectivo com muitos
cabeçudos, bombos, cavalhadas e folclore!
E
chega ao ponto de elogiar várias vezes o Marechal Costa Gomes a quem referiu
como sendo um “católico de comunhão” e ter tido um “papel de equilíbrio”.
Não
sei se o papel de equilíbrio tem a ver com a alcunha de “rolha” ou se comungar
liga bem com o nome de “Judas”, com que o crismaram enquanto aluno do Colégio
Militar. Ou até, se ambos se compaginam com o facto de ter baixado, mais a
mulher, ao Hospital Militar da Estrela, na véspera do golpe que depôs o regime
vigente.
As
orações da Capela do Rato tinham finalmente sido ouvidas, e não propriamente
aquelas que apelavam á paz…[7]
Mas como não sabemos o que é que Costa Gomes
fez pela Igreja e pelos Católicos, talvez um dia o Padre FP nos possa esclarecer.
Ou se foi, até, da CIA, do KGB, ou dos dois…
Ou
se apenas dava para tudo conforme a égide do momento.
Que
deve ter sido um Grande Homem, deve: que diabo fizeram dele Marechal do
Exército!
Enfim,
nas suas palavras, o 25 de Novembro de 75 “trouxe alguns raios de esperança…”.
E
a Igreja começou a reorganizar-se. Nela teve papel destacado o novo Cardeal D.
António Ribeiro, como foi afirmado e eu corroboro, com um merecido título de
“Príncipe da Igreja”.
Esta
acção foi muito facilitada pela única asneira que o novo regime político em
Portugal não cometeu: a de não perseguir ostensivamente a Igreja e os
católicos, como o fizeram os filhos de 1820, 1834 e de 1910.
Até
porque a Igreja ajudou a que uma ditadura comunista não se viesse a implantar
em Portugal.
Sem
embargo de o ataque continuar, hoje em dia, sobre formas dissimuladas e, por
isso, mais perigosas.
Apesar
das várias tentativas de reforço da acção da Igreja na Sociedade, aquela foi
ultrapassada pela dinâmica desta e pela emergência de conceitos ideológicos e
doutrinas que vão ao arrepio de tudo o que o Evangelho prescreve.
O
laicismo ganhou terreno e outras religiões e seitas, também.
Os grandes órgãos de comunicação social são-lhe de um modo geral, hostis (como são com as FA e com tudo o que cheire a instituição).
A
Igreja perdeu a batalha da televisão.
E
perdeu duplamente: primeiro porque não conseguiu filhar a TVI; depois porque as
três que existem no mercado engalfinham-se a ver quem consegue nivelar mais por
baixo e em propagandear o império do relativismo moral, que é a peste viral do
século XXI.
E
que é mortal para a Igreja e para os homens.
O
Padre FP, nada referiu sobre estes assuntos cruciais, aparentando ser um
“optimista inveterado”.
Aliás,
já tinha referido com alguma efusão expressiva, os anos 60 e 70, como “a época
das revoluções todas”. Pois é, temos vindo a pagar caro, tanta “revolução”…
A
Igreja tem que ter coragem para dar a cara em defesa do que acredita e não ter
medo.
Nas
últimas décadas tem optado pela discrição, estando a despertar há poucos anos
por causa da crise financeira e económica, onde já tem créditos firmados no
apoio social às populações mais carenciadas.
Não
se defende suficientemente dos ataques e também tem tido pouco apoio dos
leigos.
Mas
há que ser muito mais afirmativa na divulgação da palavra de Deus; no combate
ao Relativismo Moral; no apoio à vida; na defesa da família natural; e na dos
cristãos perseguidos; no ataque e denúncia das taras sociais; no combate á
corrupção, ao vício, às ideologias malsãs e ao Deus Mamom”.
E,
já agora, na defesa da Pátria Portuguesa e da Portugalidade.
É
que, sendo a Igreja Universal, convém não esquecer que, uma boa parte dela, é
portuguesa.
[1] Logo após tomar posse como Chefe do Governo, em 5 de Julho de 1932, Salazar deslocou-se ao Paço do Campo de Sant’Ana e depois de formalmente desejar “ que o Estado e a Igreja tenham boas relações de colaboração”, acrescentou: “Manuel, a partir deste momento os nossos destinos separam-se completamente. Eu defendo os interesses de Portugal e do Estado, e os interesses da Igreja só contam para mim enquanto se conjugarem com aqueles, e apenas nesta medida. E o Estado é independente e soberano.”
Ver Franco Nogueira,
Salazar, Vol. II, pág. 152.
[2] De facto o Bispo não foi
expulso, mas ausentou-se do país na sequência do Governo ter impedido, na prática,
que ele exercesse as suas funções na Diocese. A Santa Sé, não o destituiu do
título, tendo nomeado um “Administrador Apostólico. Na sequência foi proibido o
seu retorno a Portugal.
[3] Inimigo figadal de D. João
II.
[4] O mais aguerrido nas
atitudes era D. Sebastião de Resende, Bispo da Beira, cujo antagonismo terá
começado com o Ministro do Ultramar, Raul Ventura, em Junho de 1957, por causa
da criação do liceu local. Não consta, também, que o Senhor Bispo tivesse razão
na contenda.
[5] E que não foram mais do
que veículos dos diferentes imperialismos reinantes, nomeadamente americano e
soviético…
[6] A não ser ter sido “usurpado”
pela ONU, que também resolveu decretar um dia “internacional” da paz, agora a
21/9…
[7] Aliás, havia católicos tão
“progressistas” que até albergaram, ao que se sabe, um conhecido bombista das
Brigadas Revolucionárias, de seu nome Carlos Antunes, em 1973, na Casa de
Retiro da Buraca…
Tenente Coronel Brandão Ferreira,
ResponderEliminaros meus cumprimentos,
a minha admiração,
eao
Transcrevendo:
ResponderEliminar《O Escutismo, presume-se que católico (que o governo não via com bons olhos, por eventual concorrência com a Mocidade Portuguesa, segundo disse…》
É uma avaliação tosca que Feytor Pinto elaborou.
Baseado num episódio que precisa ser melhor contado.
Veio de Carneiro Pacheco que pretendia fazer da MP a única e exclusiva organização de juventude.
Cerejeira alertou Salazar.
Este nunca apoiou Carneiro Pacheco apesar dos laços de amizade que já vinham de Coimbra.
E não lhe deu ouvidos.
Retirou-o da pasta de Ministro da Educação Nacional e deu-lhe um cargo junto da Santa Sé para o compensar.
Salazar não tomava mto a sério as sugestões do velho amigo e ex-colega de Coimbra.
Transcrevendo:
ResponderEliminar《O Escutismo, presume-se que católico (que o governo não via com bons olhos, por eventual concorrência com a Mocidade Portuguesa, segundo disse…)》
Uma história que carece ser melhor contada.
Um episódio protagonizado por Carneiro Pacheco que pretendia que a MP ocupasse o lugar único e exclusivo como organização de juventude.
Alertado por Cerejeira, Salazar não deu ouvidos a CP.
Dispensou-o do cargo de Ministro da Educação.
Expediu-o para Roma num cargo decorativo ao gosto da vaidade do antigo colega.
Carneiro Pacheco era uma velha amizade dos tempos de Coimbra.
Salazar parece que não o tomava muito a sério.
Atenção à nota (2).
ResponderEliminarO II volume pg. 152 do Franco Nogueira lá referidos não parece coerente.
São os remotos tempos de Salazar em que se inicia no ministério.
Nessa altura Ferreira Gomes não era de certeza bispo.
Um seminarista em Roma quando muito, um jovem padre recém ordenado.