Aforismo popular aeronáutico
Ao
cabo de um milhão de textos e reportagens sobre este inverosímil acidente vou,
também, tentar fazer uma síntese (in)conclusiva.
Partindo
do princípio de que o copiloto intentou, deliberadamente, fazer o seu avião
colidir com o solo – facto que apenas a comissão de investigação estará em
condições de averiguar e determinar (tudo o resto deverá ser levado á conta da
especulação) - o ocorrido tem várias vertentes sobre que ser equacionado.
Vertentes
que confluem basicamente em duas: a selecção e formação dos pilotos (ou mais
alargadamente, do pessoal navegante) e a supervisão.
Ora
o que se tem passado em pinceladas largas? Isto:
Desde
o início da aviação comercial que a grande maioria dos pilotos deste ramo da
aviação, provinha da aviação militar.
Tal
facto manteve-se, em termos gerais, até meados da década de 60 do século
passado, nomeadamente no chamado Ocidente.
Ora
sabe-se que as exigências das operações militares - a todos os níveis – são
superiores ou, no mínimo, iguais aos da aviação civil. A partir daí a situação foi-se
invertendo, ou seja, a maioria dos pilotos civis deixou de ter experiência
militar.
A
partir sobretudo dos anos 90 do século XX, deu-se um “boom” na Aviação Civil e a
deslocação por via aérea passou a estar acessível ao poder de compra de uma
cada vez mais alargada dos consumidores.
Para tal contribuiu o desenvolvimento
exponencial do turismo, a cada vez maior internacionalização dos negócios, a
multiplicação de organismos internacionais e a diminuição dos custos do
transporte, por via da melhoria da tecnologia disponível, estruturas
organizacionais e métodos de gestão.
Finalmente
ocorreu o fenómeno das companhias “low cost”, que massificou o transporte
aéreo.
Estas companhias tentaram optimizar
todos os recursos e limitaram as ofertas de serviço ao estritamente
indispensável. Mas para praticarem os preços que exibem tal só pode ser
conseguido, aparentemente, com condições não direi inseguras, mas sem qualquer
tipo de “gordura ou almofadas de ar”, em que operam.
Só
as flutuações dos custos da energia baralham, por norma, o negócio do
transporte aéreo.
As
questões da segurança (física) tinham sobretudo a ver com áreas geográficas de
conflito – sobre as quais se podiam aplicar normas e restrições adequadas – mas
sobretudo com o terrorismo, que despontou a partir da guerra Israelo-Árabe dos
“seis dias”, em 1967, mas que teve “curiosamente”, o seu início moderno, com o
desvio do Paquete Santa Maria e o “Super Constellation” da TAP, por
oposicionistas ao governo português, em 1961!...
Porém,
o grande impacto no transporte aéreo em termos de segurança (“security”) deu-se
após o atentado às Torres Gémeas, em 2001.
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Entretanto,
o que se passou com a preparação dos novos pilotos?
Como
o seu treino de base é muito oneroso para as companhias aéreas, a sua formação
começou por ser feita nos aeroclubes mas como tal não era suficiente e a
maioria dos mesmos também não tinha estruturas adequadas, começaram a
despontar, como cogumelos, escolas de pilotagem.
Ora
uma escola de pilotagem é um negócio, uma transportadora aérea é outro negócio
e a lógica profissional é a de uma prestação de serviços em troca de uma
remuneração, onde funciona o “mercado” (ou seja a lei da oferta e da procura) e
onde a eficiência prefere à eficácia.
Tudo
ao contrário das Forças Aéreas onde a lógica (até ver) é de serviço, não de
negócio e onde a eficácia prefere à eficiência.
Ou
seja, na primeira “está-se”; na segunda, “é-se”.
A
postura é completamente diferente e assim deve ser (apesar de ter
consequências!...), pois a missão é distinta e não se deve tentar “civilizar”
os militares, tão pouco militarizar os civis…
Como
pano de fundo a tudo isto tem-se assistido a um aumento exponencial da
tecnologia, que está a ultrapassar a capacidade humana de lidar com tal facto, ao
mesmo tempo que se diminuem os tempos de voo real na instrução, o número e
quantidade de manobras efectuadas e o uso intensivo de simuladores – que são
muito úteis, mas têm de ser usados com conta, peso e medida.
Ou seja, os pilotos têm cada vez
menos experiência em voar o “avião à mão” e estão menos habilitados,
naturalmente, na resolução de emergências.
Creio que a comunidade aeronáutica
se deu, finalmente, conta disto aquando do acidente com o voo 447 da Air
France, em 1/6/09, em que um A330 se despenhou no Atlântico, com 228 pessoas a
bordo!
A
massificação e abandalhamento do ensino, a todos os níveis – a recente decisão
de anulação de 152 processos académicos, pelo Ministro da Educação é o expoente
eloquente do saque a que a coisa chegou - tem levado a que a maioria dos
alunos, seja ignorante sobre uma quantidade enorme de coisas básicas, afecta a
sua capacidade de memória e raciocínio e não lhes incute o mínimo de hábitos de
organização, disciplina, ética e boas maneiras.
A
preparação física é medíocre e os “vícios” obtidos por vida desregrada, a vários
títulos, e outras mazelas sociais – a desbunda/negócio em que se transformaram
as viagens de finalistas, é bem evidência disso - vêm ainda complicar mais o
quadro onde tudo se move.
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Como
se consegue minorar tudo isto a nível aeronáutico, que é o que estamos a
tratar?
Pois
através das Autoridades Aeronáuticas Nacionais que, em Portugal, está
consignada no INAC (agora ANAC), dependente do Ministério dos Transportes e
Comunicações, a que se deve juntar o Gabinete de Prevenção e Investigação de
Acidentes com Aeronaves (GPIAA) (a questão da “Segurança” é outro assunto muito
complexo, que não iremos abordar).
Ora
sobre os órgãos de supervisão e tutela diremos que, nas últimas décadas, por
razões várias, tiveram muita dificuldade em acompanhar o que se ia passando na
prática, estando por várias vezes à beira da exaustão de meios.
A
supervisão ao nível da maioria das empresas segue a lógica do “negócio” na
gestão dos meios existentes (ou seja como obter máximo lucro) com uma mentalidade
alargada de que qualquer investimento é um custo e da falta de escola
empresarial que remonta à expulsão dos judeus em 1496…
Acresce
a isto o facto da legislação europeia estar a ser concentrada em Bruxelas,
aumentando o tempo na tomada de decisões e retirando capacidade decisória aos
estados membros.
A massificação e o “negócio” do
transporte aéreo com o correspondente aumento da necessidade de profissionais
fazem tender, se não se tiver cuidado, que a qualidade sofra em detrimento da
quantidade; a “lei da selva” do capitalismo selvagem, em guerra civil
permanente com a “ditadura” dos sindicatos, faz o resto.
É
em todo este âmbito que se deve encarar o que aconteceu com o copiloto alemão –
como há fortes indícios de que outros já o terão feito (voo da Japan Airlines,
em 9/2/82; Royal Air Maroc, em 21/8/94; SilkAir, em 19/12/97; Egyptair, em
31/10/99; LAM, em 29/11/13 e, eventualmente, o desaparecimento do avião da
Malaysia Airlines, em Março de 2014) e cuja exposição mediática pode ter levado
a que um acto solitário – o suicídio – passasse a ser encarado em conjunto,
arrastando outros no mesmo destino. Trinta minutos de fama “oblige”!
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Ora
aqui entra novamente o recrutamento e formação dos novos pilotos civis, já que
os militares ainda têm estado um pouco ao abrigo destas modernices: é que a
legislação existente (é a já europeia “EASA”) apenas (!) obriga ao 9º ano com
matemática e física e um exame médico (não muito exigente) em organismo
certificado para o efeito.
Não são exigidas nem provas físicas
nem psicotécnicas.
Os
alunos não as fazem e as escolas não os obrigam por serem onerosas e terem medo
que os alunos “fujam” para a concorrência. Também não é de uso efectuarem-se
despiste de drogas…
Algumas
empresas exigem testes psicotécnicos quando fazem o seu recrutamento, mas
tirando casos muito fora do desvio padrão, aparentam estar mais preocupados em
não ter ao seu serviço, pessoas que lhes dêem problemas laborais. De resto não
são mais repetidos.
Tirando
isto, a supervisão é mais ténue e a hierarquia também e o convívio é esparso.
Os tripulantes só convivem quando se encontram para voar, em acções de formação
ou nas verificações.
Ao
contrário dos aviadores militares, onde a hierarquia é mais rígida e
compartimentada, o convívio é corrente e o treino e operação, é conjunto.
Acresce
a tudo isto que nas escolas civis praticamente ninguém chumba. Vão desistindo…
Mas
mesmo que tudo corresse bem – e devemos tentar sempre esse desiderato – e tudo
fosse feito “by the book”, não é possível garantir uma segurança total, com a
resolução dos problemas a 100%. Casos destes irão fatalmente acontecer, pois a
natureza humana é como é, e está cheia de tarados, apesar da teoria do “Bom
Selvagem” nos tentar convencer do contrário.
Para já não falar na célebre “Lei
de Murphy”…
Decidir
a quente, legislando a fim de garantir sempre duas pessoas no cockpit -depois
de tudo se ter feito para lá não entrar ninguém, a não ser depois de
estritamente autorizado - não parece que vá resolver nada e é apenas fruto de
demagogia comicieira que visa, por causa do transtorno mediático, tentar
conseguir uma acalmia rápida na opinião pública e publicada.
Apostar,
porém, na luta do Bem contra o Mal, talvez fosse mais profícuo… a longo prazo.
Mas
quem é que estará interessado nisso?
João José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (por
vocação)
Comandante de Linha Aérea (por
vicissitudes da vida)
Instrutor de voo (por expiação)
Li e apreciei.
ResponderEliminarCumprimentos,
Paulo Lopes
PORTO
Quem está nos lugares de decisão(a começar pelos mais altos de Estado)não quer saber de lutar pelo longo prazo(no interesse geral e do país)mas sim de garantir lucros e tachos no amanhã para si e suas familias.Daí que os bilderbergs e afins encontram caminho aberto para seus planos de longo prazo.
ResponderEliminar«Contra o acordo ortográfico
ResponderEliminarO autor do blog é contra o acordo ortográfico que querem impor ao povo português e à sua cultura, pelo que se rege pela ortografia correcta.»
Caro Brandão Ferreira
Permita-me que lhe diga que considero muito pertinente o seu artigo, o artigo saído da pena de um especialista mas permita-me ainda que lhe chame a atenção para um pormenor:
Onde escreveu copiloto não deveria ser co-piloto?
Perdoe-me mas penso que se deixou compreensível e pontualmente contaminar tal não é a intoxicação acordista.
Aceite os meus respeitosos cumprimentos
Paulo Selão, um também feroz anti-acordista.
Nota: Apenas pretendi com esta singela nota chamar-lhe a atenção para um pormenor que passa facilmente despercebido. Como é óbvio não é para publicar.
Obrigado e, mais uma vez, peço desculpa.
Sr. Tenente Coronel Brandão Ferreira
ResponderEliminarMuito oportuno, esclarecedor e preocupante este seu texto.
Acrescento apenas que ao nível dos Senhores Controladores Aéreos (falo dos Portugueses) consta-me que também existem atropelos graves no seu modo de funcionar.
Nada posso afirmar em concreto pois, "Só sabe do que se passa no Convento, quem lá está dentro"...
Meus cumprimentos
Manuel A.