quarta-feira, 25 de junho de 2014

ASPECTOS DA OPOSIÇÃO AO “ESTADO-NOVO” IV

Por razões judiciais tenho feito alguma pesquisa no arquivo do Ministério da Defesa, onde se encontra documentação muito interessante, infelizmente ainda longe de estar toda identificada e tratada.

Encontrámos uma miríade de transcrições de emissões de rádios estrangeiras algumas das quais possuíam programas preparados e emitidos por “exilados” portugueses que militavam em Partidos e organizações que lutavam contra o Regime Político instituído em Portugal, em 1933.
Ocorreu-me que seria interessante transcrever alguns trechos dessas emissões para os contemporâneos puderem avaliar o que então se dizia (e as queixas e “denúncias” que se faziam) – na substância e na forma – e poderem comparar com aquilo que se passou a seguir à “Revolução” do 25/4/1974 e com o que se passa hoje em dia.
Não farei comentários deixando a cada um retirar as suas conclusões.
Vou cingir-me à “Rádio Voz da Liberdade”, órgão da Frente Patriótica de Libertação Nacional” (FPLN), que emitia a partir de Argel, entre 1964 e 1974.[1]
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Pessoas amigas alertaram-me, entretanto, para o perigo de que o desconhecimento e ingenuidade de muitos concidadãos, ignorância da História Pátria, aliados à muita desinformação veiculada pelos órgãos de comunicação social e agentes políticos, na actualidade, podem levar a que os menos avisados possam acreditar na veracidade da totalidade dos textos transcritos. Nada, porém, pode estar mais longe da realidade. Aqui fica o aviso que deve sobretudo ser tido em conta, relativamente ao que era dito quanto à guerra que travámos em África durante 14 anos.
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Eis o 5º texto lido em 15/9/1965, intitulado “A Emigração – um Grave Problema Nacional.[2]
“Depois de na última emissão termos dado um balanço das proporções assustadoras dessa autêntica hemorragia de aptidões físicas e intelectuais de que padece o nosso país, vamos agora ver as causas da expatriação de dezenas de milhares de portugueses que anualmente procuram estabelecer a sua vida em países estrangeiros.
Hoje vamos voltar a atenção para o nível de emprego, isto é para as possibilidades de se adquirir uma colocação que são dadas ao povo português.
Uma primeira questão que se põe é a seguinte: existe verdadeiramente em Portugal o desemprego?
Existe, se bem que as estatísticas habilmente manipuladas pelos serviços salazaristas apenas acusem uma percentagem pequena de desemprego, umas tantas dezenas de milhares de casos, e seria tudo. Manifesta-se em Portugal uma forma particular de desemprego que na linguagem cor - de – rosa oficial se chama sub-emprego. E não passa afinal de desemprego mascarado.
Segundo o Diário de Lisboa, que mal se pode suspeitar exagero quanto aos números, o subemprego atinge mais de metade da população activa total. Com efeito, na Indústria, o conjunto de operários portugueses trabalham em média menos de duzentos e cinquenta dias por ano, o que dá aproximadamente seis meses de desemprego anual. Nos campos, a situação é infinitamente pior, as maquinarias, a monda química e outros meios técnicos anarquicamente usados, todos os anos lançam por vários meses centenas de milhares de assalariados agrícolas para o desemprego, e regiões há no nosso país em que os braços estão parados durante seis meses ou mais.
Por outro lado, o governo salazarista nada tem feito para assegurar condições de emprego a todos os portugueses. Basta ver o crescimento demográfico do país, ou por outras palavras, o aumento da sua população, faz-se ao ritmo de cerca de cem mil almas por ano. Isto leva a que todos os anos, outros tantos jovens aproximadamente entrem na idade de procurar trabalho.
Quanto ao encontrar cem mil novos lugares de trabalho anuais, é o próprio ministros das Corporações que nos respondeu no dia dez de Julho passado declarando com toda a facilidade e sobranceria de que um ministro de Salazar é capaz, para dar descabida importância a resultados menos que medíocres. Que se prevê a eventual criação nos três anos cobertos pelo plano intercalar de fomento, de cerca de cinquenta mil, quando seriam necessários trezentos mil.
Compreende-se, portanto, por que é que um organismo internacional como a O.G.P.F. (?), no seu relatório de 1964 sobre Portugal, profere estas palavras: no seu estado actual de desenvolvimento, a economia portuguesa não pode oferecer possibilidades de emprego suficientes à população em idade de trabalhar. É por isso, concluiu o relatório citado, que a emigração tem sido relativamente importante desde há muito tempo.
Nestes termos comedidos de uma organização reputada que consagra aqui a incapacidade da ditadura salazarista, e que ao fim de trinta e nove anos de governação equivale a um verdadeiro sistema de emergência política. Isto não é porém um facto casual, ou a impotência perante obstáculos insuperáveis, antes resulta de uma política económica que menosprezando o povo, orienta deliberadamente para a participação dos interesses de uns tantos monopolistas nacionais e estrangeiros.
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Eis o sexto texto lido em 5 /6/ 1965: Editorial “Contra o Fascismo e o Colonialismo um só combate”.[3]
“A opressão exercida sobre o povo português está tão estreitamente ligada à opressão exercida sobre os povos das colónias que hoje o combate contra o fascismo e contra o colonialismo é um só e mesmo combate. Lutar pelo direito dos povos das colónias à independência, é lutar pelo direito do povo português a uma verdadeira independência nacional, porque enquanto se mantiver a exploração colonial, seja sob a forma de colonialismo fascista seja sob a forma de neocolonialismo, o povo português continuará também a ser explorado. Só a plena independência de Angola, da Guiné e de Moçambique significará a plena independência de Portugal. A liquidação do fascismo passa pela liquidação do colonialismo. Em Portugal, em Angola, na Guiné e em Moçambique, o combate pela liberdade é um só combate. Assim o compreendeu já o povo português, assim o compreenderam os povos das colónias, e mais do que palavras valem os actos”
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Texto lido em 9/6/1965 com o título “Bona corre em auxílio dos colonialistas portugueses”.[4]
“O boletim da agência de imprensa soviética traz um artigo de que o assunto tratado nos merece a maior atenção.
Vamos ler seguidamente alguns trechos desse artigo, que tem por título “Bona corre em auxílio dos colonialistas portugueses”.
Os dirigentes da Alemanha Ocidental declaram muitas vezes que têm simpatia pelos países em via de desenvolvimento. Eles compreendem a sua luta pela consolidação da independência. A propaganda de Bona dá uma grande publicidade às lutas e à ajuda desinteressada dada pela República Federal Alemã aos estados de África e de Ásia.
Mas nenhum pretexto nem demagogia poderão dissimular o caracter imperialista e neocolonialista da política alemã ocidental na Ásia e na África. A aproximação da República Federal Alemã e de Portugal, e a ajuda prestada por Bona ao regime de Salazar, na sua luta contra o movimento de libertação nacional em Angola, na Guiné, e em Moçambique, são bem demonstrativos dessa política demagógica.
A aliança Bona-Lisboa não tem nada de imprevisto nem de artificial. Os velhos dirigentes da República Federal Alemã, entre os quais se encontram vários nazis activos, têm manifesta simpatia pelo regime terrorista e fascista de Salazar. O governo oeste alemão realiza uma estreita aliança militar com o governo português. Em Beja, em todo o Portugal, existem bases militares com grandes efectivos da Força Aérea e do Exército da República Federal Alemã.
Os meios governantes e monopolistas da Alemanha de Oeste consideram as colónias portuguesas como pontos de apoio da sua influência em África. A "Krupp" e outros grandes monopólios investem grandes capitais na economia de Angola e de Moçambique, explorando as suas riquezas nacionais. No ano passado, Bona fez um empréstimo ao governo salazarista, no valor de 400 milhões de marcos, que foi utilizado, em grande parte, para lutar contra os patriotas das colónias.
Van Hassan, ministro da guerra, acaba de visitar Portugal, onde se encontrou com o Ministro da Defesa Fascista, Gomes de Araújo, com Salazar e com o Presidente Tomaz.
Nesses encontros, foi estudado o problema do prosseguimento da cooperação militar entre os dois países, e da política estrangeira da Alemanha e de Portugal, em relação a África.
Quando a notícia da ajuda da RFA ao governo fascista e colonialista de Portugal se propagou, …. (falha de recepção) …. dos povos das colónias portuguesas. Mas o representante do ministro da defesa do governo de Lisboa desmentiu essa posição. Como, para os colonialistas portugueses, Angola, a Guiné e Moçambique são províncias ultramarinas, a ajuda militar estende-se também a esses territórios. E, com efeito, a RFA vai fornecer a Salazar 60 aviões para reforçar a Aviação Portuguesa, que extermina a população de Moçambique, de Angola e da Guiné.
Os monopolistas da "Krupp" intensificam a penetração nestes países. Aumenta a cooperação militar e económica entre Bona e Lisboa. Perante estes factos, qualquer argumento demagógico do governo Oeste Alemão desfaz-se em pó. Bona ajuda o governo fascista e colonialista de Salazar.”
Palavras para que? Eram artistas portugueses!
Alguns ainda andam por aí.


[1] Recorda-se que a Argélia tinha ascendido à independência, em 1962, depois de uma longa e cruenta guerra com a França. A Argélia tinha um regime político de partido único de inspiração marxista, cujo 1º Presidente foi Ben Bella. Assumia-se como um país do “Terceiro Mundo” vindo, mais tarde, a situar-se na órbitra da extinta URSS. A FPLN tinha lá o seu “quartel- general”, desde 1962 e o principal apoio. Na FPLN pontuavam Piteira Santos, Tito de Morais e Manuel Alegre. A “Rádio Voz da Liberdade” era um dos seus principais instrumentos e os dois principais (únicos?) locutores eram Manuel Alegre e Estela Piteira Santos.
[2] Fundo 5/23/79/12, do Arquivo do MDN.
[3] Arquivo do MDN, Fundo 5/23/79/11.
[4] Arquivo do MDN, Fundo 5/23/79/11.

1 comentário:

  1. Lendo variados textos sobre a História de Portugal facilmente se conclui que, desde a origem, Portugal tem sido altamente prejudicado por muitos dos seus filhos que por palavras e actos traem os superiores interesses da Nação.
    A meu ver, jamais seremos uma Nação firme, coesa e progressiva enquanto não se conseguir purgar ou erradicar essa característica atávica: a geração constante de traidores e vende pátrias.
    Manuel A.

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