Por razões judiciais tenho feito
alguma pesquisa no arquivo do Ministério da Defesa, onde se encontra
documentação muito interessante, infelizmente ainda longe de estar toda
identificada e tratada.
Encontrámos uma miríade de
transcrições de emissões de rádios estrangeiras algumas das quais possuíam
programas preparados e emitidos por “exilados” portugueses que militavam em
Partidos e organizações que lutavam contra o Regime Político instituído em
Portugal, em 1933.
Ocorreu-me que seria interessante
transcrever alguns trechos dessas emissões para os contemporâneos puderem
avaliar o que então se dizia (e as queixas e “denúncias” que se faziam) – na
substância e na forma – e poderem comparar com aquilo que se passou a seguir à
“Revolução” do 25/4/1974 e com o que se passa hoje em dia.
Não farei comentários deixando a
cada um retirar as suas conclusões.
Vou cingir-me à “Rádio Voz da
Liberdade”, órgão da Frente Patriótica de Libertação Nacional” (FPLN), que
emitia a partir de Argel, entre 1964 e 1974.[1]
*****
Pessoas amigas alertaram-me,
entretanto, para o perigo de que o desconhecimento e ingenuidade de muitos
concidadãos, ignorância da História Pátria, aliados à muita desinformação
veiculada pelos órgãos de comunicação social e agentes políticos, na
actualidade, podem levar a que os menos avisados possam acreditar na veracidade
da totalidade dos textos transcritos. Nada, porém, pode estar mais longe da realidade.
Aqui fica o aviso que deve sobretudo ser tido em conta, relativamente ao que
era dito quanto à guerra que travámos em África durante 14 anos.
*****
Eis o 5º texto lido em 15/9/1965,
intitulado “A Emigração – um Grave Problema Nacional.[2]
“Depois de na última emissão
termos dado um balanço das proporções assustadoras dessa autêntica hemorragia
de aptidões físicas e intelectuais de que padece o nosso país, vamos agora ver
as causas da expatriação de dezenas de milhares de portugueses que anualmente
procuram estabelecer a sua vida em países estrangeiros.
Hoje vamos voltar a atenção para
o nível de emprego, isto é para as possibilidades de se adquirir uma colocação
que são dadas ao povo português.
Uma primeira questão que se põe é
a seguinte: existe verdadeiramente em Portugal o desemprego?
Existe, se bem que as
estatísticas habilmente manipuladas pelos serviços salazaristas apenas acusem
uma percentagem pequena de desemprego, umas tantas dezenas de milhares de
casos, e seria tudo. Manifesta-se em Portugal uma forma particular de
desemprego que na linguagem cor - de – rosa oficial se chama sub-emprego. E
não passa afinal de desemprego mascarado.
Segundo o Diário de Lisboa, que
mal se pode suspeitar exagero quanto aos números, o subemprego atinge mais de
metade da população activa total. Com efeito, na Indústria, o conjunto de
operários portugueses trabalham em média menos de duzentos e cinquenta dias por
ano, o que dá aproximadamente seis meses de desemprego anual. Nos campos, a situação
é infinitamente pior, as maquinarias, a monda química e outros meios técnicos
anarquicamente usados, todos os anos lançam por vários meses centenas de
milhares de assalariados agrícolas para o desemprego, e regiões há no nosso
país em que os braços estão parados durante seis meses ou mais.
Por outro lado, o governo
salazarista nada tem feito para assegurar condições de emprego a todos os
portugueses. Basta ver o crescimento demográfico do país, ou por outras
palavras, o aumento da sua população, faz-se ao ritmo de cerca de cem mil almas
por ano. Isto leva a que todos os anos, outros tantos jovens aproximadamente
entrem na idade de procurar trabalho.
Quanto ao encontrar cem mil novos
lugares de trabalho anuais, é o próprio ministros das Corporações que nos
respondeu no dia dez de Julho passado declarando com toda a facilidade e
sobranceria de que um ministro de Salazar é capaz, para dar descabida
importância a resultados menos que medíocres. Que se prevê a eventual criação
nos três anos cobertos pelo plano intercalar de fomento, de cerca de cinquenta
mil, quando seriam necessários trezentos mil.
Compreende-se, portanto, por que
é que um organismo internacional como a O.G.P.F. (?), no seu relatório de 1964 sobre
Portugal, profere estas palavras: no seu estado actual de desenvolvimento, a
economia portuguesa não pode oferecer possibilidades de emprego suficientes à
população em idade de trabalhar. É por isso, concluiu o relatório citado, que a
emigração tem sido relativamente importante desde há muito tempo.
Nestes termos comedidos de uma
organização reputada que consagra aqui a incapacidade da ditadura salazarista,
e que ao fim de trinta e nove anos de governação equivale a um verdadeiro
sistema de emergência política. Isto não é porém um facto casual, ou a
impotência perante obstáculos insuperáveis, antes resulta de uma política
económica que menosprezando o povo, orienta deliberadamente para a participação
dos interesses de uns tantos monopolistas nacionais e estrangeiros.
*****
Eis o sexto texto lido em 5 /6/
1965: Editorial “Contra o Fascismo e o Colonialismo um só combate”.[3]
“A opressão exercida sobre o povo
português está tão estreitamente ligada à opressão exercida sobre os povos das
colónias que hoje o combate contra o fascismo e contra o colonialismo é um só e
mesmo combate. Lutar pelo direito dos povos das colónias à independência, é
lutar pelo direito do povo português a uma verdadeira independência nacional,
porque enquanto se mantiver a exploração colonial, seja sob a forma de
colonialismo fascista seja sob a forma de neocolonialismo, o povo português
continuará também a ser explorado. Só a plena independência de Angola, da Guiné
e de Moçambique significará a plena independência de Portugal. A liquidação do
fascismo passa pela liquidação do colonialismo. Em Portugal, em Angola, na
Guiné e em Moçambique, o combate pela liberdade é um só combate. Assim o
compreendeu já o povo português, assim o compreenderam os povos das colónias, e
mais do que palavras valem os actos”
*****
Texto lido em 9/6/1965 com o
título “Bona corre em auxílio dos colonialistas portugueses”.[4]
“O boletim da agência de imprensa
soviética traz um artigo de que o assunto tratado nos merece a maior atenção.
Vamos ler seguidamente alguns
trechos desse artigo, que tem por título “Bona corre em auxílio dos
colonialistas portugueses”.
Os dirigentes da Alemanha Ocidental
declaram muitas vezes que têm simpatia pelos países em via de desenvolvimento.
Eles compreendem a sua luta pela consolidação da independência. A propaganda de
Bona dá uma grande publicidade às lutas e à ajuda desinteressada dada pela
República Federal Alemã aos estados de África e de Ásia.
Mas nenhum pretexto nem demagogia
poderão dissimular o caracter imperialista e neocolonialista da política alemã
ocidental na Ásia e na África. A aproximação da República Federal Alemã e de
Portugal, e a ajuda prestada por Bona ao regime de Salazar, na sua luta contra
o movimento de libertação nacional em Angola, na Guiné, e em Moçambique, são
bem demonstrativos dessa política demagógica.
A aliança Bona-Lisboa não tem
nada de imprevisto nem de artificial. Os velhos dirigentes da República Federal
Alemã, entre os quais se encontram vários nazis activos, têm manifesta simpatia
pelo regime terrorista e fascista de Salazar. O governo oeste alemão realiza
uma estreita aliança militar com o governo português. Em Beja, em todo o
Portugal, existem bases militares com grandes efectivos da Força Aérea e do
Exército da República Federal Alemã.
Os meios governantes e
monopolistas da Alemanha de Oeste consideram as colónias portuguesas como
pontos de apoio da sua influência em África. A "Krupp" e outros
grandes monopólios investem grandes capitais na economia de Angola e de
Moçambique, explorando as suas riquezas nacionais. No ano passado, Bona fez um
empréstimo ao governo salazarista, no valor de 400 milhões de marcos, que foi utilizado,
em grande parte, para lutar contra os patriotas das colónias.
Van Hassan, ministro da guerra,
acaba de visitar Portugal, onde se encontrou com o Ministro da Defesa Fascista,
Gomes de Araújo, com Salazar e com o Presidente Tomaz.
Nesses encontros, foi estudado o
problema do prosseguimento da cooperação militar entre os dois países, e da política
estrangeira da Alemanha e de Portugal, em relação a África.
Quando a notícia da ajuda da RFA
ao governo fascista e colonialista de Portugal se propagou, …. (falha de
recepção) …. dos povos das colónias portuguesas. Mas o representante do
ministro da defesa do governo de Lisboa desmentiu essa posição. Como, para os
colonialistas portugueses, Angola, a Guiné e Moçambique são províncias
ultramarinas, a ajuda militar estende-se também a esses territórios. E, com
efeito, a RFA vai fornecer a Salazar 60 aviões para reforçar a Aviação
Portuguesa, que extermina a população de Moçambique, de Angola e da Guiné.
Os monopolistas da "Krupp"
intensificam a penetração nestes países. Aumenta a cooperação militar e
económica entre Bona e Lisboa. Perante estes factos, qualquer argumento
demagógico do governo Oeste Alemão desfaz-se em pó. Bona ajuda o governo
fascista e colonialista de Salazar.”
Palavras para que? Eram artistas
portugueses!
Alguns ainda andam por aí.
[1] Recorda-se que a Argélia tinha ascendido à independência, em 1962, depois de uma longa e cruenta guerra com a França. A Argélia tinha um regime político de partido único de inspiração marxista, cujo 1º Presidente foi Ben Bella. Assumia-se como um país do “Terceiro Mundo” vindo, mais tarde, a situar-se na órbitra da extinta URSS. A FPLN tinha lá o seu “quartel- general”, desde 1962 e o principal apoio. Na FPLN pontuavam Piteira Santos, Tito de Morais e Manuel Alegre. A “Rádio Voz da Liberdade” era um dos seus principais instrumentos e os dois principais (únicos?) locutores eram Manuel Alegre e Estela Piteira Santos.
[1] Recorda-se que a Argélia tinha ascendido à independência, em 1962, depois de uma longa e cruenta guerra com a França. A Argélia tinha um regime político de partido único de inspiração marxista, cujo 1º Presidente foi Ben Bella. Assumia-se como um país do “Terceiro Mundo” vindo, mais tarde, a situar-se na órbitra da extinta URSS. A FPLN tinha lá o seu “quartel- general”, desde 1962 e o principal apoio. Na FPLN pontuavam Piteira Santos, Tito de Morais e Manuel Alegre. A “Rádio Voz da Liberdade” era um dos seus principais instrumentos e os dois principais (únicos?) locutores eram Manuel Alegre e Estela Piteira Santos.
[2]
Fundo 5/23/79/12, do Arquivo do MDN.
[3]
Arquivo do MDN, Fundo 5/23/79/11.
[4]
Arquivo do MDN, Fundo 5/23/79/11.
Lendo variados textos sobre a História de Portugal facilmente se conclui que, desde a origem, Portugal tem sido altamente prejudicado por muitos dos seus filhos que por palavras e actos traem os superiores interesses da Nação.
ResponderEliminarA meu ver, jamais seremos uma Nação firme, coesa e progressiva enquanto não se conseguir purgar ou erradicar essa característica atávica: a geração constante de traidores e vende pátrias.
Manuel A.