quinta-feira, 29 de maio de 2014

O VIDEO DA DEFESA


 
Há poucos dias foi colocado no sítio do Ministério da Defesa (MDN) e no “Youtube”, um vídeo de 3’ e 32”, onde se enumeram um conjunto de acções tidas como “reformas”, fazendo a sua apologia e verberando os críticos das mesmas.
Estou em crer que a fita do tempo e o fio condutor do filme deve ter sido feito por um astronauta, já que só quem vive para além da Tropopausa pode escrever uma coisa daquelas como, também, pela velocidade das imagens e do som que nem um piloto de F-16 consegue visualizar ou reter seja o que for.
Deve ser por isso que os querem vender (aos F-16) …
Todavia analisando a pelicula mais detalhadamente descobrimos coisas interessantíssimas - apesar de pouco verdadeiras – apresentadas como êxitos retumbantes.
Eis algumas a “vol d’oiseaux”:
·         O Hospital das FA representa o “Rossio na rua da Betesga”; uma diminuição sensível de capacidades e uma trapalhada em termos de execução. O que foi pensado deixa de fora a componente operacional da Saúde Militar – o verdadeiro amago da questão - e põe em causa o praticamente único direito que resta aos militares (e à família militar), derivado do Estatuto da Condição Militar.
E não resolve nem toca nas verdadeiras razões pelas quais a evolução dos Serviços de Saúde Militar tem sido lenta, sem embargo da sua complexidade, e que são a falta de entendimento crónico a nível do Conselho de Chefes Militares e o esvaziamento da sua autoridade, e a compatibilização das carreiras das especialidades do pessoal ligado à Saúde, e a sua condição de militares, o que se agrava na razão inversa em que a disciplina prospera.
Além disto as FA estão a ser vítimas do desejo político/ideológico – a que são alheias – de passar os cuidados de saúde da população, para instituições privadas. Ponto final.
·         Gabam-se, a seguir, de terem descongelado as promoções (ás pinguinhas…). É preciso ter lata! Então quem é que as congelou, em primeiro lugar? Deviam era pedir desculpa por uma medida que jamais devia ter sido aplicada às FA e colocar tudo na normalidade, o que ainda não ocorreu! Absolutamente inqualificável.
·         A questão dos estaleiros de Viana do Castelo é de facto relevante para a DN (a capacidade de construção naval, não tem apenas importância económica, mas outrossim, relevância estratégica) e a degradação a que chegaram nunca deveria ter tido lugar. A responsabilidade é de todos os governos anteriores e as razões situam-se a nível dos objectivos definidos para o sector (se é que alguns); da (in) competência das administrações (onde por vezes prevaleceram amizades e cumplicidades partidárias) e das normas que regulam o trabalho e os sindicatos.
Não se entende porque é que estes estaleiros estivessem debaixo da alçada do MDN e menos se alcança que, em vez de se ter concentrado a acção em pôr os estaleiros a funcionar, se tenha optado em fazer deles, campo de luta política. Mas sobre isto nunca ouvimos qualquer preocupação por parte do MDN. 
Com tudo isto a capacidade tecnológica e o “saber fazer” esvaíram-se!
        Será mesmo que o problema foi resolvido?
·         Gabam-se de terem redimensionado o número de efectivos, é preciso ter lata, novamente!
De facto não se redimensionou coisa alguma, a única coisa que se fez foi cortar a eito por razões que se prendem apenas com dificuldades de tesouraria e com o livre arbítrio de S. Excelências.
Cortaram de qualquer maneira para níveis que até o insuspeito General Loureiro dos San-
       tos classificou, recentemente, de absurdos.
       Usam e abusam (e não é só de agora, que isto já leva mais de 20 anos), de uma desonesti-
dade intelectual inacreditável – para além de inverterem o correcto planeamento dos sistemas de forças e dispositivo – pois após sucessivas facadas nos efectivos vêm dizer que o enquadramento está distorcido, não se justifica tantas unidades, etc..
Podem-se escrever livros sobre isto, pois a realidade ultrapassa sempre a ficção…
·         Não compreendem, também, as críticas ao facto de terem reunido as Escolas Práticas das Armas, na Escola Prática de Infantaria (EPI), em Mafra.
Em boa verdade a responsabilidade maior cabe à chefia do Exército, da altura que, aparentemente quis fazer um “bonito” ao Governo, já que tal desiderato constava do respectivo programa. Não discuto a necessidade, ou a adequabilidade de, nos tempos actuais, as Escolas Práticas – que continuam a ser muito importantes na idiossincrasia de cada Arma ou Serviço – estarem reunidas, tanto para economizar recursos, como principalmente, para mais eficazmente operarem em conjunto.
Sabe-se que, raramente existem soluções ideais, muito menos aquelas que não trazem custos de alguma espécie. Mas, que diabo, qualquer antigo cabo readmitido, consegue perceber que só existe um local no País, onde essa “Escola” conjunta pode ser implementada, e esse local chama-se Santa Margarida, complementada com o Polígono de Tancos.
Ora transferir tudo para o “calhau” nome pelo qual, no jargão militar, se designa o Convento de Mafra onde, desde 1890, funcionava a EPI é algo aberrante e só explicável por uma nostalgia do passado e uma avaliação peca da realidade. É que tal unidade, apesar de ocupar parte da Tapada de Mafra que lhe é contígua, já dificilmente cumpria os requisitos para a formação dos descendentes do Santo Condestável D. Nuno, quanto mais para lá meter todas as outras escolas.[1]
Isto para já não falar dos custos de manutenção do Convento que, sendo monumento nacional, saem do orçamento do Exército.
Se porém formos analisar, pela rama, o que se fez, toparemos que o nome atribuído à nova unidade é “Escola das Armas”, tendo-se deixado cair o termo “Prática”, o que aparenta ser um contra senso e ainda:
- Os quarteis das antigas escolas não fecharam, mantendo o equipamento pesado;
- A ETAT ficou no mesmo sítio, bem como as Transmissões;
- Incluiu-se o Centro Militar de Equitação e Desportos, que nunca foi propriamente uma “escola prática”;
- Manteve-se o Serviço de Material e a Administração Militar, na Póvoa do Varzim.
Afinal o que se ganhou com tudo isto?
Exactamente! Ganhou-se um aborto. E vamos ficar por aqui.
·         E que dizer da vã glória de terem metido raparigas no Colégio Militar!?
Que pacóvio provincianismo, disfarçado de “progressismo!
Não se esqueçam, já agora, de arranjarem também uma turma para membros precoces do LGBT…
Ganhem tino.[2]  
·         Rejubilam por terem feito aprovar um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN)!
Mas haverá algum MDN, digno desse nome, que não invente um novo? Não vou comentar tal documento que não é mais do que um conjunto de generalidades e vacuidades, que não serve para nada (como os anteriores não serviram), não só porque não é guia orientador seja para o que for, como ninguém lhe vai ligar coisa alguma.
Deixo apenas um alvitre: não se pode sequer conceber um CEDN, se o País não tiver qualquer Poder real, para aplicar. E o único “conceito” que os sucessivos governos têm seguido é justamente o de destruírem todo o poder que nos restava…
·         Alguém saberá o que “eles” querem dizer no vídeo, ao ufanarem-se de terem “estabilizado o orçamento das FA”? Quem descobrir ganha um VW Carocha oferecido pelas finanças!  
·         Gabam-se de terem revisto as leis estruturantes da DN. Mas, ó almas do purgatório, desde 1982, já pararam para fazer mais alguma coisa?
- As sucessivas revisões têm apenas um denominador comum: de um modo geral vão sendo piores umas que as outras e têm-se destinado a reduzir as FA a três militares, um de cada Ramo;
- Depois vai ser ainda necessário racionalizá-lo e redimensioná-los;
- Essas apelidadas revisões têm vindo a destruir toda a doutrina, para além dos valores deontológicos, virtudes e foros próprios da Instituição Militar. Passo a passo, pedra a pedra, até não restar nada.
A próxima revisão do EMFAR está a chegar. Vai ser outro motivo de orgulho…
·         Arranjaram mais clientes para o Arsenal do Alfeite, afirmam.
Mas será que isso tem alguma coisa de extraordinário? Não fará parte da gestão normal da coisa?
Todavia, já meditaram no erro que foi, ter-se retirado o Arsenal à Marinha como já o tinham feito às OGMA relativamente à Força Aérea (no tempo de um governo PSD)?
A ganância de arranjar tachos para a fauna partidária justifica tudo?
·         Regozijam-se ainda, vejam lá, por terem acabado com o Fundo de Pensões dos Militares, pois estava a dar muito prejuízo. Mas não foi também um anterior governo do PSD, que criou o Fundo para compensar outros cortes que tinham feito, nomeadamente no estatuto da reserva?
       E se o fundo era mal gerido que culpa é que os militares têm disso? Mas vão ficar sem ele!
·         Batem palmas a eles mesmos, por terem cancelado vários projectos que sofriam acidentes de percurso, como os helicópteros NH 90 e as viaturas blindadas Pandur.
Acaso os meios já não fazem falta? Foram considerados obsoletos ou com problemas técnicos insuperáveis? Nada disso foi alegado e, de facto, nada disso se passou.
Então porque os cancelaram? Por estarem a correr mal? Mas nesse caso porque não se resolveram os problemas em vez de cancelar projectos válidos e onde já se tinha gasto tanto esforço e dinheiro? Que aconteceu aos responsáveis?
Ou trata-se apenas de poupar na tesouraria mandando às urtigas como têm feito com quase tudo o que, fingidamente aprovam nas leis de programação militar que, até hoje, nunca foram cumpridas?
·         E aquela de estarem todos contentes por terem construído dois Patrulhas oceânicos para a Marinha? Mas foram eles ou o que já vinha do anterior?
E não era para serem oito? Onde estão os outros? É preferível irem gastar mais uns milhões a manterem operacional uma corveta com mais de 40 anos de serviço, como estão a fazer? A construção dos Patrulhas (já nem falo do navio Polivalente Logístico) não podia ter ajudado a salvar os Estaleiros de Viana?
·         E a venda dos 12 F-16, que coisa bem - feita, dizem S. Exas!
Eu chamo-lhes apenas um crime de lesa-Pátria, por razões que já expandi e não vou repetir. Vão ler.
Apenas refiro uma frase do filminho associada a esta decisão: “Portugal é hoje vendedor de material militar”. Afinal há humoristas no MDN, humoristas de humor negro apropriado a uma ópera bufa.
*****
Ainda sobre o pedaço de película, pergunta-se:
Para que serve? Quem o mandou fazer? Quanto custou? Qual a rúbrica de onde saiu o dinheiro para o pagar? Quem o fez?
Haverá mais algum ministério que faça “peças” deste calibre que mais parecem de propaganda eleitoral desenfreada?
O facto de não serem admitidos quaisquer comentários ao filme, tanto no sítio do MDN, como no “Youtube”, revela bem a má consciência de quem autorizou a exibição desta peça inolvidável que, seguramente, irá ficar nos anais da 7ª Arte!
Em jeito de balanço os grandes reformadores elogiam-se afirmando que “outros pensaram e eles fizeram”. Pois podem limpar as mãos às paredes.
*****
Reformar ou restruturar, Senhor MDN (dirijo-me agora a V.Exª por presumir ser o reformador – mor da República), não é chegar a uma função – para a qual não estamos preparados, como é nítido no seu caso – e desatar a partir tudo à sua volta, comportando-se como um elefante numa loja de porcelanas.
Uma reforma só se faz, em primeiro lugar, quando é necessária; depois definindo bem o objectivo e ter boa e reta intenção.
É preciso, de seguida, saber fazer, escolher bem as pessoas para a executar, elaborar estudos, nas estruturas adequadas, definir prazos realistas e alocar recursos. E não esquecer esta coisa evidente de que qualquer reforma necessita de um investimento inicial, o qual irá ser amortizado com os ganhos que se espera ter no futuro.
Ganhos, que no caso das FA, não devem ser apenas no campo financeiro, mas sobretudo no melhor cumprimento das suas missões.
Manda ainda o bom senso, ter sempre em conta o ónus que qualquer mudança sempre acarreta e não querer fazer demasiadas coisas ao mesmo tempo…
E tendo ainda em consideração que a nível militar a eficácia deve preferir à eficiência e que, tão pouco, as reformas nas FA, são compagináveis com ciclos eleitorais coisa que, imagino, seja para si, Sr. Ministro algo difícil de entender.
Ora se nós transpusermos os passos atrás aludidos para as “reformas” de que nos fala a tal sequência de fotogramas, não conseguimos – mesmo pedindo emprestado a melhor boa vontade ao Professor Marcelo – deixar de atribuir uma classificação de “mau” (o a 4 valores, na escala de 0 a 20) ao citado vídeo. E à intenção que lhe está subjacente.
Sem querer gastar mais cera com tão ruim defunto, direi apenas que aqueles elogiados propósitos em 3’ e 52” de animação, parecem fazer parte de uma farsa Vicentina. Provavelmente do “Auto da Barca do Inferno”…

[1] Escola Prática de Artilharia; Cavalaria; Engenharia; Transmissões, Serviço de Material, Administração Militar e, porque não, a Escola de Tropas Aerotransportadas (ETAT).
[2] LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais – e o que mais adiante se verá!).

3 comentários:

  1. Quando neste e noutros assuntos os militares não se entendem entre si, que esperam dos políticos - destes políticos em particular?
    A Saúde "foi",o Estatuto não demora muito.
    Como alguém dizia: "uns bons tabefes para saberes do que choras".
    D.Pinto

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  2. O MDN escolheu fazer propaganda barata á custa dos contribuintes. É a grande opção. Além dos sucessivos disparates e incongruências do respectivo ministro.
    GCF

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  3. Caro Brandão Ferreira:
    Subscrevo o seu comentário pois, como sabe, já tinha pedido a demissão deste MDN recentemente.
    Em email pessoal vou pedir-lhe a colaboração para duas questões, por razões mt diferentes, senão completamente opostas. Sobre um tal Major General Chaves e outro sobre o nosso amigo Major Lobato. Ab e continue com as suas brilhantes análises.
    Manuel Bernardo (Cor. Ref.)

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