segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

NO CENTENÁRIO DA AVIAÇÃO MILITAR

“Neste templo de São Romão mártir repousam os restos de Dom Bartolomeu Lourenço de Gusmão, presbítero português nascido na cidade de Santos – Brasil – no ano de 1685, primeiro inventor do Aeróstato. Faleceu nesta capital a 19 de Novembro de 1724. A cidade de Toledo dedica-lhe esta lembrança.
Epitáfio

No ano que agora começa comemora-se (?) um século da existência da Aviação Militar em Portugal.

Colocámos uma interrogação frente ao termo “comemorar”, já que ignoramos a existência de quaisquer planos para que tal realidade (não é uma simples efeméride) seja devidamente evocada e registada.

A única coisa que se sabe – apesar de ainda nada ter vindo a público – é que a Força Aérea (FA) está a preparar algumas iniciativas e que se associará à Comissão que está a preparar a evocação do centenário da Primeira Guerra Mundial, naquilo que a este conflito diga respeito.

Desejamos os maiores sucessos ao empreendimento, lembrando apenas que a Instituição FA, que resultou da fusão, em 1 de Julho de 1952, da Aeronáutica Militar, criada em 1914 e do Serviço da Aviação Naval, fundada em 1917, tem uma dimensão nacional, cuja importância acompanha a par e passo a História do último século português.[1]

E, como tal, as comemorações não devem ficar confinadas ao âmbito militar (ou do Ramo), mas ter uma dimensão nacional que o caso merece e justifica.

E que a extração pindérica e anti - patriótica da actual crise, não deve servir de desculpa para pouco ou nada se fazer de modo a que não continuemos na senda de nos depreciarmos a nós próprios (quanto não a mentir historicamente!), o que faz, por exemplo que ainda hoje o feito de Gago Coutinho e Sacadura Cabral ao cruzarem pela primeira vez o Atlântico Sul, seja ignorado da maioria das gentes e colocado à esquerda de outros muito menos importantes.

Permitimo-nos fazer algumas reflexões e avançar uma ideia.

João Torto, o barbeiro/sangrador, de Viseu é, tanto quanto se sabe, a primeira vítima da “conquista do ar”, na Nação dos Portugueses.

De facto, aquele nosso antepassado fabricou umas “asas” e lançou-se da torre da Sé de Viseu, no dia 20 de Junho de 1540, vindo a falecer dos ferimentos sofridos.

Sacrificou-se pelo sonho antigo de imitar as aves e pagou com a vida a sua intrepidez, que a eventual inconsciência não deslustra.

Mas o título de percursor ou “pai” da aviação nacional deve ser atribuído ao Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724) – mais uma personagem esquecida – que “inventou a “Passarola” e a apresentou à Corte Portuguesa no recuado ano de 1709.

O Padre Bartolomeu de Gusmão (BG) nasceu em Santos, Brasil – na altura território português – e estudou com seu irmão Alexandre no seminário jesuíta da Baía.

Nele, foram discípulos do seu reitor o Padre Alexandre de Gusmão (que lhes concedeu o apelido), notável político, diplomata e escritor (1695-1752), que foi o artífice do importante Tratado de Madrid, de 1750, ao qual se deve a actual unidade geopolítica brasileira.

BG desenvolveu as suas aptidões para a Física e para a Matemática tendo sido autor de diversos inventos.

Pela segunda vez em Lisboa, em 1708, tinha na sua ideia um projecto de largo alcance, inspirado no Princípio de Arquimedes, celebre sábio de Siracusa (287-212 a. C.).

Por petição sua, de 19 de Abril de 1709, BG pediu privilégio para um “instrumento para se poder andar no ar”.

Nasceu assim a “Passarola”, nome crismado de um desenho de sua autoria e que rapidamente se propagou, galgando fronteiras.[2]

O projecto é apoiado pelo jovem Rei D. João V, que recebe o nosso padre em audiência, nesse mesmo ano.

Seguiram-se seis experiências com vários protótipos, no segundo semestre de 1709, dentro e fora do palácio real, perante toda a Corte e membros da comunidade científica e académica.

Deste modo elevaram-se no ar vários tipos de balão esférico cheios de ar quente aquecido na base por diversos processos.

Alguns incendiaram-se.

A “célebre” inveja, sem dúvida o pior defeito social português, que medra sobretudo nos medíocres, que levaram à chacota, acompanhadas de suspeitas de heresia lançadas pela Inquisição e de BG ter “pacto com o diabo”, impediram que o projecto se desenvolvesse e ainda trouxeram dissabores ao inventor, que aproveitou para ir viajar pela Holanda, França e Inglaterra.

Doutorou-se, em 1720, em Cânones, na Universidade de Coimbra.

Sempre com o favor do Rei é elevado a Capelão - Mor da Capela Real; é enviado extraordinário à Cúria Romana e nomeado sócio efectivo da Academia da História, em 1723.

Novas intrigas na Corte levam a que se auto exile em Espanha onde morre aos 38 anos.

Jaz em Toledo, em campa rasa.

Esta é uma breve história de tão notável personagem.

Não é só o seu invento, que precedeu aquele dos irmãos Montgolfier, em 74 anos, que justifica ser considerado o “pai” da aviação portuguesa, é também o seu fundamento científico e o seu pensamento estratégico, talvez a primeira vez que, no mundo, alguém teorizou naqueles termos, sobre a utilização do “mais pesado do que o ar”.[3]

Por tudo isto bem parece que a figura deste “nosso maior” – que hoje pode ser considerado luso-brasileiro – deve ter um lugar de destaque em tudo o que se venha a fazer no âmbito dos 100 anos da Aviação Militar, em Portugal.

Finalmente a ideia:

O de obter da eventual família e das autoridades espanholas, a autorização para a transladação dos restos mortais de BG de Toledo para solo Pátrio – a FA disso se encarregaria (em desejável comunhão de esforços e sentir, por parte da Aviação Civil).[4]

Três locais afluem à ideia como desejáveis para a sua morada final:

O Panteão Nacional; a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Benfica, que é a Igreja da FA; e a nossa preferida: a capela da Nossa Senhora do Ar, na Granja do Marquês, em Sintra, onde está a respectiva imagem, entronizada em cerimónia realizada a 20 de Outubro de 1995.[5]

Para além disso situa-se na Base Aérea 1, a mais antiga base aérea do País, sendo vizinha do Museu do Ar e da Academia da FA, hoje casa mãe de todos os oficiais deste Ramo.[6]

Tudo isto podia ser tratado, ou ajudado a tratar por uma “Academia Aeroespacial”, justamente com o nome de BG, caso existisse, e as invejas e a “inquisição” contemporâneas, não tivessem achado a ideia ruim, apesar de não terem chamado o diabo em seu auxílio.

Bartolomeu de Gusmão merece, a Força Aérea merece e todos nós também deveríamos merecer.




[1] A Aeronáutica Militar foi criada pela Lei nº 162 de 14 de Maio; a Aviação Naval nasceu em 28 de Setembro de 1917.[2] Foi publicado, por ex., no periódico alemão “Wilnerische Diàrium”.
[3] Os irmãos Montgolfier, usando a mesma tecnologia que BG, passaram a ser considerados internacionalmente, os percursores da aerostação, ao elevarem um balão com dois ocupantes, em Paris, no ano de 1783.
[4] Também se torna necessário solicitar ao Governo Brasileiro a transladação de parte dos restos mortais de BG, transladados, em 2004, para o Brasil onde jazem na Catedral Metropolitana de S. Paulo…
[5] A imagem de Nossa Senhora do Loreto foi considerada padroeira de todos os aviadores (no mundo) e venerada como “Nossa Senhora do Ar”.
[6] Aproveitamos para salientar que o Museu do Ar foi distinguido em 2013, “ex-áqueo” com o Museu Machado de Castro, com o prémio da APOM – Associação Portuguesa de Museologia. O que também não mereceu o relevo devido.

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