terça-feira, 9 de outubro de 2012

O ASSALTO AO IASFA

www.iasfa.pt
“Estimo ter podido concluir o hospital que mandei construir para descansardes dos vossos honrosos trabalhos. Em recompensa só vos peço a paz e o temor a Deus.
Princesa Maria Francisca Benedita
(Palavras proferidas na inauguração do Hospital dos Inválidos de Runa)

O Ministro da Defesa (isto é, o Governo) fez publicar o DL 193/2012, de 23 de Agosto, em que reorganiza o IASFA(1). Esta reorganização foi feita à revelia da direcção do próprio Instituto e à margem dos Ramos das FAs.

O que se perspectiva é um “assalto” do Governo aos bens do IASFA, um nivelar por baixo dos serviços prestados e um monopólio intolerável do mando por parte da tutela.

Tanto a anterior direcção do IASFA, como o Conselho dos Chefes Militares – que, aparentemente, se têm posto à margem de tudo isto, como se nada fosse com eles – não tiveram o mínimo cuidado em avisar os beneficiários do que se estava a preparar e se está a passar.

De igual modo nenhuma das Associações de Militares foi ouvida como é de lei(2), pelo que não se fizeram representar na tomada de posse do novo Conselho Directivo, no pretérito dia 1 de Outubro(3).

O comum dos militares e familiares abrangidos continua a sua existência como se nada se passasse, ou lhe dissesse respeito.

Convém fazer uma síntese histórica da assistência social na Instituição Militar, para melhor nos situarmos.

Em 1792 deu-se início à construção do Real Hospital dos Inválidos, em Runa, o qual foi inaugurado em 1827(4); em 1844 foi criado o Asilo dos Inválidos da Marinha. Só em 1925 foi criado o Cofre de Previdência dos Oficiais do Exército Metropolitano, seguido do mesmo, em 1927, para os Sargentos de Terra e Mar; em 1948 surgiu a Comissão Admnistrativa de Casas de Renda Económica e, em 1950, a Acção Social da Armada (ASA). Seis anos depois nasceu a Obra Social do Exército e Aeronáutica (OSEA).

A ASA e a OSEA fundiram-se, em 1958, no que veio a designar-se por Serviços Sociais das FAs (SSFA). No ano seguinte foi criado o Cofre de Previdência das FAs (CPFA); finalmente, em 1995 surgiu o IASFA que integrou os SSFA e o CPFA.

Com isto dito podemos sintetizar dizendo que o IASFA tem como principais funções a Acção Social Complementar (ASC), consubstanciada:
No apoio social;
Assistência habitacional(5);
Apoio a deficientes e/ou dependentes;
Apoio a idosos;
Apoio financeiro;
Assistência médica e sanitária;
Apoio a crianças e jovens;
Assistência no lazer;
Alojamento temporário e alimentação.

E, ainda, a gestão da ADM (Assistência na Doença aos Militares) depois de esta “valência” ter transitado dos Ramos, em 2005 – o que trouxe problemas acrescidos ao IASFA(6).

O universo abrange todos os militares e militarizados das FAs, no activo, reserva, ou reforma e seus dependentes (e ainda os civis titulares que se inscreveram até 1995), os quais descontam, obrigatoriamente, uma percentagem fixa do seu vencimento bruto, para o efeito. Actualmente esse desconto é de 1,5%, mas poderá ser rápida e discricionariamente aumentado.

O “universo” totaliza cerca de 130.000 almas, dos quais apenas cerca de 45.000 são titulares pagantes.

A Direcção do IASFA era composta por três elementos (oficiais generais), um presidente e dois vogais, nomeados pelo MDN, ouvidos os Ramos. Este sistema era já pouco adequado, pois o conjunto do “povo pagante” não tinha uma palavra a dizer sobre quem ia gerir o dinheiro que obrigatoriamente descontavam, mas o novo organograma piora as coisas.

Tal deduz-se do facto do Conselho Directivo ser apenas constituído por duas pessoas (ou seja um dos Ramos nunca está representado), podendo os lugares ser ocupados por um civil qualquer, o que passou desde já a acontecer com o vogal, num processo de transferência de poderes pouco límpido, que apenas contou com o apoio do anterior presidente que, aliás, transita.

Convinha que tudo isto fosse clarificado para que o futuro não fique inquinado pela dúvida.

O problema maior do IASFA e a grande fatia da sua dívida de 64.337.435 euros (referida a 30/6/12) tem a ver com as dificuldades decorrentes do cumprimento das obrigações com a assistência na doença - ADM.

Os custos estimados da ADM referentes a 2011 são como segue:
Instituições militares (hospitais, centros de saúde, postos clínicos, etc.) – 25 Milhões de euros (ME);
Regime de acordos – 24ME;
Farmácias (medicamentos) – 24ME;
Regime livre – 12ME.
Total - 85ME

Além destes custos o Estado suporta cerca de 30ME através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), tal como acontece com os outros cidadãos que não tenha subsistema de saúde.

Os custos atrás apontados têm sido suportados através:
Das quotas dos beneficiários, cerca de 19ME (sobre 12 meses e sem recair sobre os subsídios da condição militar e outros);
Do copagamento no regime de acordos nos medicamentos e regime livre, cerca de 36ME.
Total - 55ME.

Ora não sendo os encargos com o SNS da responsabilidade da ADM, quer dizer que os beneficiários já suportam 52 dos 85ME totais, ou seja 65%.

Se as quotas recaíssem sobre os 14 meses e os subsídios – o que o MDN se apresta a fazer rapidamente – os 19ME cobrados passarão para 24.

Se o Estado actuar como fez com a ADSE e financiar 2,5% por cada titular, tal representaria cerca de 40ME, o que colocaria a ADM “sustentável”. Mas nada indica que tal se venha a verificar.

Entretanto todos os beneficiários penam meses a fio sem serem ressarcidos das comparticipações a que têm direito.

Todavia, pior do que tudo isto tem sido a queda provocada na ASC, que é o fulcro da acção do IASFA, e sobre a qual foram cortados 0,8% das quotas, o que colocou aquela em colapso eminente.

Acresce que a maioria dos beneficiários ainda deve pensar que dos 1,5% que descontam, 0,8% vai para a ASC e 0,7% para a ADM, o que devendo ser o correcto, deixou de se verificar.

Em conclusão tudo leva a crer que o MDN queira fazer com o IASFA o mesmo que os governos provisórios (pós 25/4), fizeram com a segurança social da altura: nacionalizaram-na, passando a gerir a seu bel-prazer a riqueza herdada dos privados, para cujo bolo o Estado não tinha gasto um tostão.

Só que agora não é para financiar quem para lá desconta, mas sim para desviar verbas para onde entender, degradando todos os serviços prestados de modo a “empurrar” os beneficiários para o negócio privado dos seguros e da banca.

Em face do exposto torna-se urgente eleger entre todos os militares uma comissão (caso as chefias não o queiram fazer), para saldar contas com o MDN; elaborar estatutos para levantar de novo o CPFA (ou algo semelhante) e preparar eleições gerais para se elegerem os respectivos corpos sociais.

Os militares não devem precisar de tutela política para o âmbito em causa. O Estado há muito que deixou de ser uma pessoa de bem e, ao contrário do que defendia a Princesa Benedita, os “nossos trabalhos também deixaram de ser honrosos”…

Se não conseguirmos levar este desiderato por diante, é porque merecemos bem, o que temos.

-----------------
1 - Instituto de Acção Social das Forças Armadas
2 - Lei Orgânica nº 3/2001, de 29 de Agosto.
3 - Bem como os dois vogais que cessaram funções
4 - Uma ideia notável para a época e com muito poucos exemplos idênticos em todo o mundo. As invasões francesas foram a principal causa da derrapagem temporal das obras.
5 - É bom recordar que o IASFA dispõe de cerca de 1800 fogos…
6 - Problema agravado por se ter optado pela utilização do sistema informático do Exército em vez do da Força Aérea, que era de longe o melhor de todos…

2 comentários:

  1. Era previsível este descalabro com a ruinosa decisão, de integração das ADM's, antes geridas e integradas nos Orçamentos dos Ramos das FA´s. Não foram apenas os Ramos os perdedores, os militares foram as principais vítimas desta «trapaça». Primeiro porque o poder político os achincalhou perante a opinião pública ao anunciar que também teriam de descontar para a ADM à semelhança dos restantes trabalhadores do Estado. Criado esse desconto por subsituição com o k vinha sendo efectuado para o IASFA, eis k actualmente os militares estão a descontar para ambos os sectores....Mas a trapaça não irá ficar por aqui, pois com a nomeação de um Vice presidente civil, nomeado pelo Governo, vai certamennte com «a missão» de «dar cabo» de todo um património feito à custa dos descontos (inicialmente em regime de voluntariado e ultimamente por sistema obrigatório)dos seus associados, fundamentalmente, os Militáres. Parece que já não basta destruir o país, há k dar cabo das instituições militares que vinha funcionando eficazmente!

    ResponderEliminar
  2. Se não nos precavemos, é certo e sabido: o assalto dá-se da noite para o dia, por decreto.
    Os militares - a IM - também tiveram as suas culpas: não se cuidou devidamente da casa e mostrou-se moleza, o que serve a esta "tropa civil" mal formada.
    Mas ainda estamos a tempo, se actuarmos já, por antecipação.
    Concordo inteiramente com a sugestão que apresenta, na parte final, mas creio que será necessário fazer um "papel" para se andar para a frente, porque doutra forma haverá apenas assobios para o lado...

    ResponderEliminar