O recente acórdão
do TC tornando inconstitucional o articulado da Lei do Orçamento que permite os
cortes dos subsídios de férias e de Natal, que foi promulgado pelo PR, tem
levantado o maior dos sururus.
O fundamento
principal deste acórdão baseia-se no facto de ter sido ferido o princípio da
igualdade, isto é os cortes apenas se aplicarem aos trabalhadores da função
pública e não a todos os cidadãos.
Devo começar por
dizer que considero o TC uma inutilidade dispendiosa; uma espécie de
pendericalho de novos - ricos. Em primeiro lugar porque a Constituição da
República (CR) – que deveria chamar-se Constituição de Portugal, ou da Nação
Portuguesa – devia conter apenas princípios fundamentais, ser simples e clara,
o necessário, para tornar qualquer dúvida de constitucionalidade um episódio
raro; depois porque não se justifica a sua existência, já que um dos Tribunais
Superiores, o Supremo Tribunal de Justiça poderia ter uma “secção”
especializada nesta matéria.
Finalmente,
porque tendo a nomeação dos titulares, organização e funcionamento do TC, uma
tónica eminentemente política, a independência dos seus juízes fica, desde
logo, prejudicada.
Não sendo as
coisas assim tão claras e face à contestação e controvérsia verificada, no caso
vertente, só parece haver uma solução lógica para ultrapassar o imbróglio: a de
criar mais um TC, este de 2ª instância, quiçá um Supremo TC!…
Bom, mas o que é
um facto é que o TC existe, e existindo deve ser respeitado. Ora o próprio
acórdão em apreço, contém os germes do desrespeito que o TC infligiu a si
mesmo.
De facto não faz
sentido que o TC decida que o corte dos subsídios é ilegal mas que, dado o
“adiantado da hora”, essa ilegalidade só deve entrar em vigor em 2013… Qualquer
assembleia de pastores dos baldios da Serra da Estrela conseguia, seguramente,
lavrar uma sentença de melhor siso![1]
E para o provar
basta atentar no que diz o nº 1 do artigo 282º da CR:
Artigo 282
(Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade)
1.
A declaração de inconstitucionalidade ou de
ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor
da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das
normas que ela, eventualmente, haja revogado.
Por outro lado, e
com o mesmo critério, o TC deveria tornar inconstitucional, os cortes nos
vencimentos da função pública. Porque não o fez? É a pedido?
E as vergonhosas
excepções que se foram fazendo aos citados cortes, nalgumas instituições do
Sector Empresarial do Estado, respeitarão o princípio da igualdade?
Ou será que o
acórdão do TC (o que Deus não queira…), se destina apenas a facilitar a vida ao
governo, de modo a mais facilmente poder cortar, no futuro o 13º e 14º mês ao
sector privado?
Alega o TC que o
Orçamento do Estado já levava seis meses de execução e que se a
inconstitucionalidade vigorasse já para este ano, tal iria prejudicar
muitíssimo os compromissos assumidos pelo Governo. É verdade, mas não foi isso
que se lhes perguntou, nem vai evitar que o prejuízo não tenha que ser
colmatado mais tarde.
E tudo não deixa
de representar uma incongruência e uma trapalhada, justamente num processo em
que, o que se pretendia era clareza, transparência e racionalidade.
Existe aqui,
também, um problema de “timing”. O PR deveria ter exercido o poder que lhe é
concedido pela CR e pedido a apreciação preventiva de constitucionalidade.
Acresce, ainda, que os Senhores Juízes do TC deveriam habituar-se a ser mais
expeditos na lavra dos seus acórdãos.
Averiguem, por
ex., junto dos oficiais do Estado-Maior que preparou a última hipotética
intervenção militar na Guiné, quantas horas é que dormiram a menos, durante
largos dias…
Finalmente dois
pontos devem, ainda, ser ponderados. Se verificarmos que o articulado da CR
(partindo do princípio que ela é necessária), já não está ajustado às
realidades actuais, a mesma deve ser revista.
Porém, os
mecanismos que regulam a revisão da CR, se bem que tenham a sua lógica, tornam
quase impossível revê-la (muito menos com celeridade) nos aspectos que envolvam
controvérsia política.
Ou seja, a CR tem
um ferrolho a guardá-la (a excepção dá-se quando existe um acordo, digamos que
“por baixo da mesa”, dos partidos do “centrão” político, para adoptarem uma
determinada imposição. Caso da dignidade e hierarquia concedidas às normativas
oriundas de Bruxelas, que vigoram directamente na ordem interna portuguesa e
que surgiu na última revisão ao modificar o artigo 8. Aspecto da maior
gravidade que devia ter sido objecto de amplo debate e consenso e que só um
referendo poderia legitimar.
O segundo ponto
tem a ver com a excepcionalidade da situação existente, causada pela “crise
financeira e económica” (que nos limita fortemente a soberania), reclamada em
coro, por todos os actores políticos, sociais e económicos.
Bom, se a situação
é de excepção (creio, até, que é muito mais grave do que isso), então porque
não se toma medidas verdadeiramente de excepção, como seriam a declaração do
estado de emergência ou de sítio?
Estaríamos, ainda,
no campo constitucional e o PR (enfim, teria que ser outro), ficaria com a
legitimidade para tomar as medidas que se imponham, sem um conjunto enorme de
condicionantes, que estão a arrastar o país para o abismo.
Porém, nem estas
me parecem que se possam aplicar, já que:
O estado de
emergência, só pode ser declarado “quando se verifiquem situações de maior
gravidade, nomeadamente quando se verifiquem ou ameacem verificar-se casos de
calamidade pública”; e o estado de sítio é “declarado quando se verifiquem ou
estejam eminentes actos de forças ou insurreição que ponham em causa a
soberania, a independência, a integridade territorial ou a ordem constitucional
democrática e não possam ser eliminados pelos meios normais previstos na
Constituição e na Lei”.
Porque, de facto,
nós estamos a fazer muito pouco para sair da “crise”, apenas nos limitamos a
tomar medidas para adiar a queda no precipício…
Uma pergunta para terminar:
será inteligente cogitar/acreditar, que os elementos da actual classe política
e seus métodos, que nos guiaram ao presente desastre, podem ser os mesmos que
nos poderão fazer emergir dele?
[1]
E parece que também se terá enganado, ao considerar o corte do 14º mês só para
o ano que vem, já que o subsídio de férias é referente ao ano anterior… Apenas
o abono do 13º mês diz respeito ao ano em curso.
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