Gostaria que soubessem que lamento ter escrito este texto e cada vez sinto mais vergonha do estado em que as FAs foram colocadas e se deixaram colocar.
Publicado no jornal "O Diabo" de 17 de Janeiro de 2012
General CEMGFA
(noticia da Lusa, de 31/12/11)
A Força Aérea vai começar o ano a perder cerca de 260 oficiais e sargentos, que pediram para abandonar o serviço activo, ou por terem atingido o limite de idade.
É uma perda brutal.
Não conhecemos ainda os números da Armada e do Exército, mas estes servem para ilustrar o ponto.
Estes números vieram a público por causa da saída inesperada do 2º Comandante do Comando Aéreo (CA). Esta saída deve-se a um “desaguisado” interno que não é relevante para o grande público.
Esta saída tem, todavia, origem na decisão do anterior comandante do CA, há cerca de dois meses, em retirar-se da vida militar e para o substituir ter sido indigitado um Major General (duas estrelas), quando o cargo vence um Tenente General (três estrelas).
Cabe aqui referir, que as saídas previstas de generais e o inconcebível congelamento das promoções em vigor, faz com que a FA tenha, neste momento, quatro generais: o chefe, o vice-chefe e o Comandante do Pessoal. O quarto está fora do Ramo e há pouco tempo na função.
Ora por alturas do Natal S. Exª o Ministro da Defesa fez saber ao Chefe de Estado Maior que pretendia um general de três estrelas no CA, restando saber as razões do senhor ministro ou, o que é mais curial, quem tal lhe foi sussurrar ao ouvido e porquê.
Daqui decorreu a indigitação de um general de três estrelas...
Para o lugar agora vago pelo número dois do CA, marchou o Major General que o senhor ministro (ou alguém por ele) não tinha querido como nº um. Já regressaremos a isto.
Especulou-se, entretanto, porque é que tanta gente quer abandonar as fileiras e aventaram-se umas poucas de hipóteses que podemos sintetizar na seguinte frase: já ninguém consegue aturar o que se passa!
E o que se passa dava para encher páginas, que vamos reduzir a meia dúzia de ideias, nenhuma delas aduzida, aliás, na citada notícia da Lusa, baseada numa entrevista ao CEMGFA.
Em primeiro lugar já não se consegue suportar a continuada má relação político-militar de décadas e o enfado, a acrimónia, a deslealdade e as ilegalidades com que os políticos, em geral, têm tratado as FAs e os militares; depois o continuado ataque à condição militar em todas as suas vertentes, que intentam destruir, por não lhes convir, não entenderem, ou não acharem necessária; em seguida, porque os militares não têm, há muito, hierarquia que os defenda; finalmente por não haver aviões para voar, navios para navegar e homens para comandar!
Hoje em dia, só quem não sabe ou gosta de fazer mais nada; não arranja emprego, ou ainda julga que pode desviar o eixo da terra a fazer flexões de braços, é que permanece na Instituição Militar. Quem tem condições pira-se (é o termo), num fósforo!
As intenções governamentais – e nisto o PSD/CDS têm-se revelado mais perniciosos e perigosos para a IM, porque são mais metódicos e cínicos a fazer as coisas, ao contrário dos socialistas que são desastrados a lidarem com fardas – devem ser, para já, como segue:
Meter o Exército inteiro, a três batalhões (menos), em Santa Margarida; a Marinha fica circunscrita ao Alfeite (onde já está), com alguns pontos de atracagem espalhados pela costa, ficando à espera que os navios encostem todos, à excepção de dois patrulhas para a busca e salvamento; e reduzirem a FA a duas bases, provavelmente Monte Real (que diabo a Nato até gastou lá uma palete de massa), e Beja, digo Montijo, já que não dá jeito andar para a frente e para trás com o Falcon. E, claro, fazendo migrar o comando da Defesa Aérea para Madrid…
Isto numa primeira fase; imaginem o que será a segunda.
Voltemos agora ao CA para analisarmos o facto – de gravidade inaudita – do MDN ter interferido directamente nas atribuições de um chefe militar, neste caso, nas de gestão do seu pessoal.
Não está em causa se a decisão de nomear um determinado oficial para uma função, foi boa ou má – a função em causa obriga, até, que a nomeação seja ratificada pelo Conselho Superior de Defesa Nacional, o que ultrapassa o próprio ministro – mas sim a ingerência em âmbito que não lhe compete. Ainda por cima com o desaforo das implicações que a não autorização de promoções acarreta.
Tudo isto representou uma desautorização do CEMFA e sobre isto mais não digo.
O passo lógico seguinte, a ser dado pelo senhor ministro, será o de passar a colocar todos os comandantes de unidades e por aí abaixo. Não, não corro o risco de ser acusado de lhes estar a dar ideias, já há muito que estão mortinhos por fazer isso e só não põem um “boy”, ou uma “girl” lá deles, a comandar o Regimento de Infantaria de Viseu (em tempo de paz, claro), porque é manifestamente difícil – embora não impossível. Mas lá que gostavam…
Não contentes em terem transformado os chefes militares, na prática, em figuras decorativas – por terem vindo, paulatinamente, a esvaziá-los de todas as competências - ainda os querem transformar em “quartos secretários” do Presidente da Comissão Liquidatária (da tropa). E sabem que mais? Tenho esperanças de que se hão-de mostrar contentes com isso.
A iniquidade miserável do último despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Defesa, de 30/12 (que faz regredir os militares à tabela salarial de 31/12/09), só encontra paralelo na patética reacção (ou falta dela), da alta hierarquia militar, perfeitamente incompatível com aquilo que se ensina aos cadetes, na escola!
Fomos todos postos de castigo, voltados para a parede e com orelhas de burro.
Sem querer tirar a frase citada, do CEMGFA, do contexto em que foi dita, mas extrapolando-a, pode-se entendê-la como a síntese quase perfeita da atitude da generalidade da hierarquia militar, desde 1982[1] (depois de se terem zangado no dia 26 de Abril de 1974): “havemos de nos acomodar às situações que existam”.
Nem imagina o senhor general o alcance da verdade que agora lhe escapou.
Resta apenas saber o que acontecerá quando houver alguém que não se queira “acomodar”.
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[1] Data da promulgação da Lei 29/82, Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Se fossem só os politicos a encarar de forma positiva a extinção das Forças Armadas, a situação não seria tão trágica como é. O pior é que não são só os politicos, grande parte (a maioria?) da população portuguesa partilha com eles o desinteresse total pelas FA e encararia com bom olhos a supressão dessa "despesa", parece-me a mim.
ResponderEliminarJá há muito que suspeitava que a crise de capital humano é bem mais grave do que a financeira. O espirito de missão nunca morre, mas defender a dignidade parece uma tarefa dificil. Cpts meu TCor.
ResponderEliminarAntónio Rita
Como sempre, bom artigo! Pois é: as coisas já não são como dantes... Um abraço do Dias
ResponderEliminarO TCOR Brandão teve sempre o condão de dizer, leia-se, escrever, aquilo que tem sido o sentimento dos militares. Longe vai o tempo em que nos revíamos na figura do chefe. Pelo menos comigo isso acontecia e confesso que os tive e de excelência. O COR Otelo recentemente disse algo que atrapalhou os nossos políticos, isto porque não souberam interpretar os sinais que se avizinham. Por muito narcisista que tenha sido teve o mérito de ser um estratega...pena é que estejamos todos a dormir!
ResponderEliminarCaríssimos, muito me agrada que existam pessoas que mantém a verticalidade. O sr. TCoronel Brandão Ferreira tem demonstrado ao longos destes anos uma capacidade crítica construtiva invejável àqueles que, em virtude das posições de comando, não a possuem.
ResponderEliminarÉ incrível a passividade cruel por parte das chefias sobre tudo aquilo que se está a passar. A verdade seja dita, mais fundo julgo não ser possível,mas cá estamos para ver, como diz o cego!!
Fico triste pois não foram estas as Forças Armadas que Jurei servir, mesmo com a própria vida! Sim, está é a verdadeira e matriz diferença entre todos aqueles que servem as Forças Armadas dos demais mortais.
É verdade que devido à incompetência de alguns o País mergulhou no que se classifica na maior crise financeira alguma vez reportada na História.
Mas sendo verdade que houve incompetência, compadrio, ou o que queiram chamar, deve o poder Judicial, se é que ele existe, julgar aqueles que, direta ou indiretamente, são culpados.
Infelizmente, tal como diz a sabedoria dos nossos avós, "a corda quando parte, parte pelo lado mais fraco", que é como quem diz, pelo lado daqueles que não podem, por lei, reclamar!!
E o pior é que nem as chefias os fazem! Vai-se lá saber porquê!!
Desejo a todos muita paciência e que o sr. TCoronel Brandão Ferreira continue com estes artigos acutilantes e verdadeiros.
Eu por mim agradeço.
Um bem haja a todos
Mário Cavaco