segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A CARTA UNIVERSAL DOS “DEVERES” DO HOMEM

“No Dever está a limitação do Direito”
V.Balaguer

            A Carta Universal dos Deveres do Homem não existe.

            Não existe porque a natureza humana é, de um modo geral, relapsa a “deveres”, os “filósofos sociais” tendem a ter das coisas uma visão mais optimista do que realista e a esmagadora maioria dos políticos não resiste à demagogia.

            Deste modo as sociedades – falamos, obviamente, das ocidentais e das que são influenciadas por estas - têm posto o acento tónico nos “direitos”, sobretudo nos últimos 50 anos. Aliás, só se fala de “direitos”, como se isso fosse possível…

            Durante séculos ou até milénios predominaram os “deveres” – em muitos casos nem havia direito ao que quer que fosse – sendo que agora é ao contrário.

            Durante todo este tempo só as religiões morigeravam os costumes e mesmo assim só depois de mencionarem pesados castigos para a vida eterna. Mas o laicismo aparenta estar a ganhar às religiões…

            Isto de andarmos a passar dos oito para o oitenta nunca foi saudável e, estamos em crer, que o predomínio dos direitos – ou melhor dizendo, a ausência de deveres – é uma das causas que está a levar à decadência da chamada civilização ocidental.

            A visão mais equilibrada das coisas ainda reside no Cristianismo, mas é público e notório como a palavra de Cristo tem sido atacada e deixou de “fazer fé” em quase todos os areópagos nacionais e internacionais.

            A defesa dos “Direitos Humanos” tomou forma por todo o século XVIII – o século das “luzes” – e ganhou foros de cidadania após a Revolução Francesa através da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de Agosto de 1789.

            A sua universalidade, porém, só veio a ser estabelecida após a adopção pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de Dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. [1] Hoje a totalidade das Nações adoptou esta declaração mas a maioria delas está longe de as cumprir.

            Numa tentativa de globalização destes direitos tem-se tentado alargá-los a todo o globo com oposição explícita dos países que professam o comunismo e da maioria dos países muçulmanos, por exemplo.

            Dos seus 30 artigos, na sua globalidade, não se pode dizer que não representem um avanço significativo na dignidade da pessoa humana, apesar de não se saber muito bem – nem tal vir prescrito – como se obtêm os meios financeiros, genéticos e estruturais para se garantirem tantos direitos…E de obrigar a que tudo se passe em sociedades democráticas – o que indicia desde logo uma ditadura – não tendo em conta as múltiplas peculiaridades e diferentes estádios de desenvolvimento dos numerosos povos que habitam o planeta Terra. Por outro lado não se define o que se entende por “sociedade democrática”, como aludido no número 2 do seu artigo 29.

            Sem embargo, passou a existir uma espécie de “bíblia” para os direitos universais do Homem, mas é preciso fazer notar que em todo o articulado da Declaração, só por duas vezes se fala em deveres: no artigo 1 “todos os seres humanos …devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”; e no seu número 1 do artigo 29, “o indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade”.

            A questão está, sem sombra de dúvida, desequilibrada e mais desequilibrada ficou com a deriva de exigências incontidas – também apenas nas sociedades “ocidentais” – que se verificaram a partir dos anos 60 do século XX, em que o Maio de 68, em França, constitui marco importante.

            Nós não estamos contra as referências que norteiam a defesa dos Direitos Humanos, sobretudo quando se constituem marcos de elevação Moral. Entendemos apenas que os direitos devem andar equilibrados com os deveres e que estes, sobretudo os de âmbito cívico, social e profissional, devem ser conformes às capacidades evidenciadas. E que muitos deveres devem ter precedência sobre alguns direitos dando corpo à filosofia existente nas Forças Armadas Portuguesas, que ainda conheci, de que os direitos adquirem-se…

            Dito de outra maneira os cidadãos não deveriam poder usufruir de alguns direitos caso não tivessem os seus deveres em dia.

            Em Portugal embebedámo-nos de direitos aí por alturas de 1974/75 (como de resto em 1820, 1834 e 1910 – com os resultados conhecidos) e ainda estamos ébrios. A ressaca arrisca-se a ser muito dolorosa. Aliás, já está a ser dolorosa.

           Tudo começa na Constituição da República (CR).

            De facto a CR tem um extenso título II – “Direitos, Liberdades e Garantias” e ainda o título III, “Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais”.

            Ora não vivendo nós num mundo ideal, com seres humanos perfeitos, parecia de bom senso que ao lado (isto é antes, ou depois) do título II existisse um outro dedicado aos “Deveres, Obrigações e Responsabilidades”; só existe no nº 5 do art. 36, a alusão a que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.

            Mesmo o título III que tem no seu título a palavra “deveres económicos...”, em todo o seu articulado não prescreve deveres para ninguém em nenhum âmbito!

            Apenas o título X referente à Defesa Nacional (bem pequeno, por sinal), no nº 1 do art. 276 prescreve “A defesa da Pátria é direito e dever fundamental de todos os portugueses”. Por curiosidade não resistimos a apontar a aparente desintonia entre este ponto e o articulado do nº 1 do art. 275 “Às Forças Armadas incumbe a defesa militar da República”. Será que se pode concluir, que apesar de as FAs serem constituídas por portugueses (e apenas estes – por enquanto), não lhes cabe defender a Pátria, enquanto que aos portugueses em geral não se lhes outorga a defesa da República?

            Mas falávamos de deveres e vamos ilustrar o que queremos salientar.

            Os políticos, por exemplo, deviam ter como dever à cabeça, ser patriotas e não ocuparem funções para as quais não estivessem preparados; os profissionais dos diferentes ramos de actividade deveriam ter a acompanhá-los um código ético de conduta; a juventude não deve ter só o direito ao ensino, tem que assumir o dever de estudar e deixar os outros estudar; os pais não têm só o dever de respeitar os filhos, têm também o direito ao respeito deles; o direito ao trabalho (ou ao emprego?) deve pressupor o dever de trabalhar; o direito à greve não se deve sobrepor aos direitos de quem possa ser prejudicado e aos deveres de quem a faz; o dever de defender a Pátria não implica o direito de desertar desse serviço – quantos escreveram a actual CR que incorreram neste caso?! – a comunicação social não pode ter só o direito à liberdade de expressão, tem o dever de ser objectiva, isenta e proba; os políticos têm o dever de servir o povo e não apenas o direito de lhe extorquir impostos; os banqueiros não devem ter só direito ao lucro, devem colocar os meios financeiros ao serviço da economia nacional; às empresas é curial e desejável a obtenção de lucros, mas não deviam estar isentas de preocupações sociais; os emigrantes devem ser bem tratados, mas devem respeitar as leis, os usos e costumes do país a que se acolheram. Os exemplos podiam multiplicar-se.

            Em síntese, os deveres e os direitos devem estar entrelaçados na justa medida das coisas. Encontrar a justa medida é um problema de todos os tempos. Não se deve ainda decretar “direitos” que não sejam exequíveis, ou outros que sejam iníquos. Os direitos devem ainda ser proporcionais ao desenvolvimento - não se pode tirar de onde não há – e mesmo os direitos de ordem intangível ou absoluta, sendo aspirações utópicas têm necessariamente aplicação relativa.

            Repito: quer-me parecer que os pratos da balança estão muito desequilibrados e muitas questões que neles pesam, mal equacionadas.

           Os direitos resultam dos deveres cumpridos.

            Do mesmo modo que a paz sem justiça é opressão, os direitos sem deveres associados, geram injustiça. Na injustiça os direitos e o Direito, não subsistem.


[1] Assinada por 48 dos 56 estados que na altura tomavam assento naquele Organismo.

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