domingo, 27 de novembro de 2011

TERÃO OS FRANCESES SIDO EXPULSOS DE PORTUGAL, EM 1811?

Conferência que proferi na Comissão Portuguesa de História Militar, no passado dia 18 de Novembro de 2011.

“A teus pés, fundador da monarquia vai ser a Lusa gente desarmada! Hoje cede à traição a forte espada que jamais se rendeu à valentia!”
(Inicio do soneto declamado pelo autor Capitão de Cavalaria Luís Paulino de Oliveira Pinto da França, junto ao túmulo de D. Afonso Henriques, na Igreja de Santa Cruz de Coimbra, em 1807, após a 1ª Invasão Francesa)


INTRODUÇÃO
O tema deste escrito trata da expulsão dos franceses de Portugal na sequência da que é tida como terceira invasão francesa, concretamente após o combate do Sabugal, em 3 de Abril de 1811. Depois de o que foram sendo perseguidos até Toulouse onde se renderam, em 10 de Abril de 1814.

Perseguidos eles foram, de facto – e só é pena não terem sido mais, dado o rasto de destruição e morte que provocaram em Portugal, numa escala nunca vista (da qual, hoje em dia, não temos a menor ideia, em termos de memória colectiva…).

Mas será que foram realmente expulsos ou derrotados?

A mim parece-me que não foram!

E aos próprios também não, basta ir ao Arco do Triunfo, em Paris, e verificar que eles, aqui, só somaram vitórias… Esse, de facto, algum dano lhes infligimos, estes serviram mais aos ingleses do que a nós e foram sol de pouca dura já que, passados poucos anos, nos bloqueavam a barra do Tejo e ajudavam a impor-nos, “manu militari”, com ingleses e espanhóis, a Convenção de Gramido, de 1847.

Não sei se os leitores sentem como eu, mas quero confessar-lhes que me causa especial incómodo que “alguém” nos venha fechar a barra do Tejo!...

Mas comecemos pelo princípio:
PORQUE NÃO FORAM EXPULSOS?

“Todos os homens dos 15 aos 60 anos se armem; cidades, vilas e povoações que se fortifiquem; quem o não fizer incorre em pena de morte e as vilas que franquearem as suas portas serão arrasadas”
(Real Decreto de 11/12/1808, incitando os portugueses a resistiram aos franceses)

“À memória de Jacinto Correia, fuzilado a 25/11/1808”
“Se todos os portugueses fossem como eu, não restaria um só invasor…”
(placa existente no jardim fronteiro à Porta d’Armas da Escola Prática de Infantaria, em Mafra)

A historiografia oficial portuguesa ensina-nos que existem três invasões das tropas napoleónicas: a 1ª comandada por Junot, em 1807; a 2ª, em 1809 e que teve à cabeça Soult e a 3ª, em 1810 – a maior de todas – comandada por um marechal de França, que gozava da fama de nunca ter perdido uma batalha: Massena (é claro que mais uns anos na União Europeia e estas invasões serão promovidas a “encontros de culturas”, se é que me faço entender….).

Olvida-se, por norma, a 4ª invasão, em 3 de Abril de 1812, talvez por só ter durado 20 dias. E esquece-se uma outra, que deveria ser considerada como a primeira invasão, que foi a Guerra da Laranjas, em 1801. Isto porque os espanhóis invadiram-nos em concertação política com os franceses, o que se prolongou até o Junot ter ficado a “ver navios no alto de Santa Catarina”.

E esquece-se, outrossim, de relacionar tudo o que se passou com a participação da esquadra portuguesa, ao lado de Nelson, entre 1798 e 1800, o que enfureceu Napoleão ao ponto de ditar para a História que “lá virá o tempo em que a Nação Portuguesa chorará lágrimas de sangue pela ofensa que agora faz à República Francesa”. Disse e cumpriu.

Na infeliz e mal conduzida “Guerra das Laranjas” perdemos a muito portuguesa vila de Olivença, cujo capitão se rendeu, lamentavelmente, sem disparar um tiro. Digo lamentavelmente, pois nenhuma força militar, seja em que circunstância for, se deve render sem disparar um tiro sob pena de não servir para nada!

Até hoje ainda não recuperámos a nossa Olivença: está cativa de estranhos, onde os franceses, primeiro foram coniventes e, depois, lavaram daí as mãos. Como, aliás, têm feito a maioria dos governos portugueses desde então.

Esta é a primeira razão que nos leva a dizer que os franceses ainda não foram expulsos.

Porém, a razão principal porque assim o afirmamos, tem a ver com o facto de os Gauleses terem saído fisicamente do nosso território – com muito do que pilharam – mas deixaram cá as suas ideias. As ideias de Revolução Francesa e a célebre trilogia da “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” (que, na sua essência, é uma grande mentira).

Ora tudo isto representava uma ideologia, baseada em doutrinas veiculadas pelos “Iluministas” e “Racionalistas” do século XVIII. Numa palavra, eram-nos estranhas.

A principal organização que veio a defender e veicular este ideário, foi a Maçonaria, cujo ramo especulativo viu a luz do dia (pelo que é tido oficialmente), em 1717, em Inglaterra, com a formação da grande loja de Londres, após o célebre encontro na “Apple Tree Tavern”, em Covent Garden.

Por isso não é de estranhar que uma delegação da Maçonaria Portuguesa (que já existia desde 1734), fosse esperar Junot, a Sacavém, para o receber como…. “libertador”.

Com a saída do Exército francês as lojas maçónicas multiplicaram-se e não só por via das ideias afrancesadas, mas também por via de inspiração inglesa. E se os militares franceses saíram, os militares ingleses ficaram e continuaram a mandar no Exército Português.

Com a Corte no Rio de Janeiro havia um vazio de poder em Lisboa. Esse vazio foi ocupado por Beresford.

A Corte tinha feito uma retirada estratégica para o Brasil, que só não foi brilhante pela precipitação final do embarque; a autorização para que todo o filho d’algo a acompanhasse; não se ter dado ordem ao Exército para oferecer resistência, nem que fosse simbólica, e por não se ter acautelado melhor a abertura dos portos brasileiros ao governo inglês. Esta retirada ainda hoje é tida por muitos historiadores e políticos encartados, como uma “fuga”, o que representa um erro de análise profundo.

Mas erro, também, foi o facto do Rei estando no “bom bom” brasileiro, nunca mais se dispor a regressar a Lisboa, mesmo depois do perigo napoleónico ter definitivamente desaparecido, após a batalha de Waterloo, em 1815.

Aqui começaram os problemas políticos e político-militares, que têm desgraçado a Nação dos portugueses, até hoje.

Com os militares ingleses a mandarem na Metrópole o General Gomes Freire de Andrade, afrancesado, segundo no comando da Legião Portuguesa que tinha combatido ao lado das águias de Napoleão e Grão-Mestre da Maçonaria, intentou um golpe de estado, em 1817, a fim de depor Beresford e obrigar a Corte a regressar. Tal representa a 1ª intervenção dos militares na Política, em Portugal.

No mesmo ano houve uma revolta “republicana”em Pernambuco. Ambas as revoltas falharam e os seus principais responsáveis foram enforcados. Os de Lisboa foram-no num local que veio a tomar o nome de “Campo dos Mártires da Pátria”. Gomes Freire foi também enforcado (em S. Julião da Barra), como um simples ladrão, sem terem a decência de lhe darem o direito ao fuzilamento.

Infâmias estas, que se pagam caro pelos anos fora e que a inauguração do respectivo busto, em 18/10/2003, na rua com o seu nome, em Lisboa, provavelmente saldará. Cerimónia a que o Exército, distraidamente, emprestou um pelotão de cadetes.

A 30 de Março de 1818, D. João VI, publicou um Alvará em que proibia as sociedades secretas (visando a Maçonaria), a quem se atribuía a origem das duas revoltas referidas. O Monarca foi, ainda, surpreendido com a existência de uma loja maçónica na própria Corte, no Rio de Janeiro, que mandou extinguir de imediato, alegando “que conspiravam contra o seu governo”. O que não deixava de ser verdade…

Porém, a próxima conspiração teve êxito. Aproveitando a ausência de Beresford, que tinha ido visitar a Corte ao Rio de Janeiro, uma loja da mesma agremiação, de seu nome “O Sinédrio” – por sinal o nome do tribunal que tinha condenado Cristo à morte – revoltou tropas e civis no Porto, em 1820. O protagonista do grupo era o jurista Fernandes Tomás, que morreu pobre e goza, até hoje, fama de pessoa íntegra.

Foi a vitória do “Liberalismo”, que veio a ser consubstanciada na Constituição de 1822, documento que passou a ser visto como a “salvação da Pátria”!...

Desta vez o Rei foi mesmo obrigado a regressar, o que fez em 1821.

Já vimos que a Maçonaria também actuava no Brasil e com a saída de D. João VI, passou a influenciar o primogénito que lá tinha ficado como Regente, o Infante D. Pedro. Este Príncipe veio a revelar-se valente no campo de batalha; voluntarioso e impulsivo, mas pouco dado ao estudo e muito mais à estroinice e às mulheres (veio a ter 18 filhos de oito mulheres diferentes). Algo mais apreciado naqueles tempos no que os de hoje….

O cérebro por detrás da Independência brasileira, José Bonifácio de Andrade e Silva, atraiu-o para a organização dos “Pedreiros-Livres” e iniciou-o, em 2 de Agosto de 1822, na loja Comércio e Arte. O neófito adoptou o nome de “irmão Guatinozin – o último imperador dos Aztecas.

A inaptidão das Cortes e do Governo em Lisboa, fizeram o resto: o próximo e fugaz imperador do Brasil começou por dizer o célebre “Fico!” e, a seguir, deu o “Grito do Ipiranga”. O mundo português de então, desmoronava-se.

Para além das razões ideológicas interessava à França e à Inglaterra a manutenção do regime liberal, por razões económicas. Assim o fizeram sentir e, por várias vezes, a “Santa Aliança” – uma espécie de “Troika” da altura – não se coibiu de tal nos recordar.

A Revolução Vintista é, sobretudo, uma revolução da burguesia. Ora os burgueses são bons a intrigar, mas maus a combater. Depois dividiram-se, originando um século de guerras civis constantes e cruentas, que só terminaram – e não completamente – em 1933.

Esta coisa de nos dividirmos em facções e não termos apenas a facção portuguesa, só tem dado maus resultados…

Muito resumidamente foi assim:
A ala afrancesada veio a confluir em Manuel Inácio Martins Pamplona Corte Real, 1º Conde de Subserra (Angra, 1760 - Elvas, 16/10/1832), grande militar e político, também ele maçom ilustre e cuja vida dava um filme e, seguramente, várias “conferências”; e na ala inglesada veio a pontificar D. Pedro de Sousa Holstein (Turim, 8/5/1781 – Lisboa, 12/10/1850), 1º Duque do Faial e 1º Duque de Palmela, herói das guerras liberais e diplomata (igualmente digno de figurar na 7ª Arte e em múltiplas palestras). Este cidadão tendo-se distinguido em vida, quis também distinguir-se na morte, estando sepultado no cemitério dos Prazeres, num mausoléu particular (que é o maior da Europa!), e cujo espaço exterior recria a simbólica de um templo maçónico. Parece que depois de mortos já não se importam que nós saibamos quem foram.

Do anterior já tinha havido António de Araújo e Azevedo, 1º Conde da Barca, pelos franceses e D. Rodrigo de Sousa Coutinho, 1º Conde de Linhares, pelos ingleses.

Estes homens deixaram, por assim dizer, dinastias de simpatizantes e descendentes, que se foram alternando no Poder até à Segunda República.

Compreenderão que em tão curta missiva, não possa dilucidar todo esse período.

CONCLUSÃO
“O Constitucionalismo nunca se casou com a Nacionalidade Portuguesa, porque foi sempre estrangeiro. Toda a obra que um povo realizar, fora do seu espírito, não vinga, é estéril e condenada a uma morte próxima”
Teixeira de Pascoais
(in “Saudade e o Saudosismo”)

As barbaridades que os franceses das hostes imperialistas napoleónicas fizeram no território nacional foram tais que, em circunstâncias normais, nós hoje ainda os odiaríamos. Lembro que vítimas das invasões pereceram um número estimado entre 200 a 300.000 pessoas; o conflito causou mais destruição do que as 18 invasões que sofremos das outras nações peninsulares; a repressão sobre a população civil deixou um rasto de latrocínios, roubos, estrupos e violência avulsa, como nunca tínhamos experimentado e que só foram ultrapassados pelo genocídio terrorista da UPA, no Norte de Angola, em 1961, fez em Março 50 anos, etc.

E, no entanto, há muito tempo, mesmo muito, que a população portuguesa perdeu a memória colectiva desta tragédia inaudita. É mais lembrado o Terramoto de 1755 do que isto. Esta é a última razão pela qual afirmo que os franceses não foram expulsos de Portugal: a política e a historiografia liberal tentaram apagar a “nódoa” francesa e, em pouco tempo, a cultura francesa, o exemplo francês, a moda de Paris, ofuscava as elites nacionais.

Ao menos os franceses têm esta vantagem sobre os ingleses: nunca foram nossos aliados, batem-nos sempre de frente e à bruta; ao passo que a Inglaterra fez a mais antiga aliança, que existe no mundo, connosco e, sempre que pode e lhe convém, atraiçoa-nos. Sempre pragmáticos, os ingleses optaram por dominar a economia portuguesa. Ambos, porém, sempre tentaram dominar-nos através de empréstimos financeiros, que a nossa fraqueza potenciava, o que durou até 1928. Aí a coisa mudou pois a dignidade nacional, que restava, ainda foi suficiente para recusar as condições leoninas que a Sociedade das Nações (outra “troika” daquele tempo), nos quis impor. Tal só foi possível por, entre outras coisas, haver vergonha na cara.

Com muito sacrifício o Professor Salazar conseguiu descolonizar-nos – é o termo – culturalmente dos franceses, aportuguesando a escola e a sociedade; ao passo que nos descolonizava economicamente dos ingleses, tanto na Metrópole como no Ultramar, restringindo-lhes direitos quase majestáticos, acabando com privilégios, não renovando concessões e comprando de volta as empresas. E passou a falar com eles de igual para igual.

Todos lhe ficámos devedores desse grande serviço.

Julgo não estar enganado ao dizer que hoje tudo se faz exactamente ao contrário…

Ainda hoje existe uma comissão, não sei se permanente, entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o “Quai d’Orsay”, a fim de tratar reclamações pendentes ou que surjam, relativamente a objectos roubados pelos franceses, no período considerado. Creio ser já tempo de, pura e simplesmente, ser pedida a devolução de tudo o que for identificado, terem-nos roubado.

Do mesmo modo já há muito seria suposto que a situação da retrocessão de Olivença, fosse colocada e cima da mesa de uma das reuniões semestrais dos governos português e espanhol (e não ibéricas, como teimam em chamá-las!).

Para finalizar gostaria de lembrar que, em Portugal, não devemos continuar a ter partidos “franceses”, “ingleses”, ”alemães”, “russos”, ou quaisquer outros. Só devemos ter um “partido” que é o português.

Este partido tem um programa simples, claro e que não precisa de gastar milhões em propaganda: trata-se de defender a soberania e independência de Portugal, aumentar o poder da Nação e o bem - estar da população, baseado na nossa matriz histórico/cultural e num pensamento português, que vise a perenidade da Pátria. Apenas isto.

Caros compatriotas, Portugal continua a valer a pena.

Não está é nada fácil de o colocar no bom caminho.

7 comentários:

  1. Tive a ousadia de subtrair para o facebook, creio que nao se importara!

    Um excelente artigo, que todos os portugueses deviam ler. Parabens e um abraco monarquico.

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  2. Mais um brilhante artigo de um verdadeiro PORTUGUES.
    Uma vez mais, os meus parabéns. Medina da Silva.

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  3. Como sabe bem ouvir "falar PORTUGUÊS", neste mar de gente sem rumo nem Pátria.
    Viva Portugal!

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  4. ESTÁ TUDO DITO. NAO PRECISA COMENTARIOS

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  5. Uma última nota a propósito do seu texto.
    Esse estrangeirado Gomes Freire de Andrade acabou pendurado pelo pescoço na ponta de uma corda.

    A Revolução Liberal nada teve de nacional, aliás foi um acto anti-português. Basta ver que a política "portuguesa"ao tempo era dominada por dois partidos maçónicos, o partido inglês, e o partido francês.
    Finda a Guerra Civil resultante das Invasões Francesas, era tal o ódio que entre as populações martirizadas que ambos foram apedrejados: D. Miguel quando embarcou num barco inglês que o levou para o mesmo buraco de onde saíra, e D. Pedro, à saída do Teatro de São Carlos. Não admira, pois a Monarquia caiu porque já não havia nos reis de Portugal um pingo de sangue português.

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  6. Brilhante artigo! Estava a pesquisar sobre a transferência da Família Real para o Brasil, face a invasão napoleônica de Portugal, e deparei-me com sua análise incomum e dificilmente encontrada nos livros sobre esse período.

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  7. Este artigo é simplesmente genial.
    Bem Haja e muito obrigado
    AFmata

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