segunda-feira, 27 de junho de 2011

A DESPEDIDA DO MINISTRO DA DEFESA

Ex MDN, Santos Silva, do PS
Mais um de má memória. Um desastre este consulado!

Cortes em cima de cortes; desconsideração permanente; piadas e informalidades de mau gosto; infeliz despedida do anterior Cemgfa; chuva de demagogia bem articulada; enfim, uma desgraça completa.

Brindou-nos com o “granel” na saúde militar; a vergonha dos congelamentos nas promoções e a inenarrável e achincalhante, inspecção das Finanças, aos Ramos.

Finou-se com a degradação da categoria do Comando da NATO, em Oeiras, para uma função inexpressiva – uma derrota inquestionável do Estado Português.

Saiu, assim, de sendeiro depois de ter dado umas quantas facadas na Instituição Militar (IM). Um “práfrentex” que se prazia de tratar generais por tu (e eles deixavam), e de tecer alegorias de gosto duvidoso. Passamos a vida a aturar políticos absolutamente impreparados para os cargos que lhes são atribuídos, vá-se lá saber porque bulas, e ninguém lhes assenta as costuras.

O homem saiu em beleza:

Chamou os quatro chefes militares, na véspera de ir pregar para outra freguesia (o chefe do Exército não estava tendo enviado o chefe de gabinete) e, depois de mais uma tentativa alegórica (será que ele lê a bíblia?), entre chefes militares e instrumentistas de uma orquestra sinfónica, abriu uma gaveta donde retirou quatro medalhas de ouro de serviços distintos (vá lá que foi sem palma, mas ele também não saberia a diferença), e entregou-as a cada um dos quatro estrelados, cujo “fácies” gostaria de ter visionado, na altura. E eles aceitaram…

A menina que ele escolheu para chefe de gabinete, em vez do major general que sempre assessorou o MDN, certamente não estará por dentro dos meandros do Regulamento da Medalha Militar, nem das regras da instituição, para poder alertar a “malhadora personagem” de que não se distribuem condecorações, nas FAs, como beijos e abraços nas campanhas eleitorais. A ignorância sempre foi atrevida, mas deve haver limites para a imbecilidade.

Mais grave, porém, é a herança que vai deixar para o próximo ministro (é curioso que ambos foram escolhidos para irem à reunião do Grupo de Bildeberg, em 1996) – já aí está outro que não fez recruta e a quem vai ser preciso ensinar tudo – a questão da devolução de dinheiro, que o Ministério das Finanças - mancomunado com o seu colega da Defesa - quer que se faça, referente a promoções ocorridas em 2010, e que consideram ilegais.

As promoções fazem-se, há décadas, segundo regras fixadas em leis e regulamentos e a competência para as fazer também está devidamente legislada – e parece ser isto que está verdadeiramente em causa…

As FAs limitaram-se a cumprir o estatuído do anterior e que se explica em termos simples:

Quando um militar sai do respectivo Ramo para ir prestar serviço fora do mesmo – e há muitas situações destas – dá vaga a qual é preenchida por quem está imediatamente à sua esquerda na lista de antiguidade. O sistema é equilibrado quando os referidos militares voltam ao Ramo e quando não existe vaga, ficam supranumerários, ocupando a vaga logo que esta ocorra. O sistema é bom, está testado pelo tempo e é adequado à expedita gestão de pessoal, os quais estão condicionados pelas imposições da condição militar – não tem paralelo em nenhuma outra profissão.

Ora tudo isto foi posto em causa por um qualquer adiantado mental das Finanças que deve julgar que pode gerir a IM do mesmo modo que os partidos políticos. Ainda por cima querendo passar para a opinião pública o ónus da desconfiança, incompetência e irresponsabilidade. O que representa mais uma agressão gratuita a juntar à desconsideração e desvalorização das FAs consubstanciada na outorga medalhistica ministerial.

Já assisti a um golpe de estado e à queda de um regime politico, por muito menos do que isto.
Repito, por muito menos do que isto.

sábado, 25 de junho de 2011

PORTUGAL PRECISA DE FORÇAS ARMADAS?

Navio Escola Sagres, ex-libris da Marinha Portuguesa
Com este título publicou o Coronel David Martelo um extenso e bem articulado artigo, onde analisa a importância das Forças Armadas (FAs) e o modo como são vistas pela Nação, em contraste com a falta de defesa institucional por parte dos órgãos de soberania e demais forças políticas e os maus tratos que, de um modo geral, recebe de comentadores e jornalistas que pontificam nos “média”.

Escusado seria dizer que o Coronel Martelo tem toda a razão nas explanações que fez. Falta porém perceber e apontar as razões que levaram e levam, a esta inacreditável e irresponsável falta de sintonia entre responsáveis políticos – que se repercute para a opinião pública – e a Instituição Militar (IM) que, aliás, está acima dos políticos e para além dos políticos, pois é, ela própria, uma emanação da Nação. Os políticos passam, vão e vêm, a IM está e fica.

É sobre estes pontos que nos iremos debruçar, certamente com menor elegância do que o meu camarada Cor. Martelo, neste escrito. Sem embargo, com alguma acutilância.

Clique no título abaixo para abrir o documento

PEQUENOS COMENTÁRIOS AO NOVO GOVERNO

Novo Governo: “novo ciclo”, esperanças fundadas ou infundadas; novos reordenamentos políticos e sociais; dança de cadeiras; “estado de graça”, etc.

Mais do mesmo? Tememos que sim.

A esperança é pouca, o entusiasmo nulo.

As razões são fundadas: muitas promessas furadas; muita incompetência e malandrice acumuladas; fartura de mentiras incomensurável; cansaço da retórica partidária e do folclore eleitoral; injustiça relativa a rodos!

Apenas uns poucos comentários sobre o momento actual.

Apesar da conjuntura parecer favorável (maioria parlamentar com possibilidade de ser estável, apoio do PR e emergência financeira, social e económica já perceptível  e incontornável), a situação do governo vai ser crítica.

A premência das medidas impostas de fora – e de que só temos de nos culpar a nós próprios – não vai dar azo a “estado de graça”, e a urgência é para “ontem”…  A oposição apesar de algo esfrangalhada   o BE está em coma, o PS baralhado e ferido, mas o PC está igual a ele próprio – vai rapidamente começar a afazer oposição na rua, no Parlamento e nos “media”. E é possível que o aperto das medidas vá espoletar violência, pois isto “de manifs pacíficas não leva a nada….” Além disto os juros não baixam.

O PR vítima de um sistema político que não é carne nem peixe, isto é, não é presidencialista nem parlamentarista, pouco pode fazer; e o que pode fazer é-lhe retirado pela sua personalidade de estar sempre “firme e hirto, e voltado para a frente” – agora também sorridente – que o leva a dar um murro verbal em discursos escolhidos a dedo e cujos intervalos são preenchidos por frases do tipo “a situação é muito difícil”; “os portugueses têm que se entender”ou “ agora não é apropriado”.

Para além disto o PR passou a falar como se não tivesse passado, como no encorajamento a Portugal ter que se voltar para o mar e para a agricultura, como se ele não tivesse responsabilidade alguma no descalabro a que chegámos. É claro que vale mais tarde do que nunca, mas não ficava nada mal, ao menos, um “desculpem lá que me enganei”. Para quem não tinha dúvidas e não se enganava…

Temos, pois, as mais sérias dúvidas que o executivo não entre a ter comportamentos que o possam liquidar em pouco tempo.

A primeira questão é, obviamente, a de conseguir manter a coesão. Não há memória de coligações que batam certo. É da natureza das coisas e dos homens, e vai haver muitos factores endógenos e exógenos que vão potenciar a “zanga”.

A seguir poderão ter a tentação de, em vez de conseguirem governar com uma agenda política própria, se deixarem cair para uma agenda mediática. É fatal como o destino. E, com esta, vem a tentação de falarem pelos cotovelos, justamente o contrário do que devem fazer. Quanto menos falarem menos disparates dizem. E quanto aos jornalistas as notícias devem surgir quando as houver, não quando eles querem.

A seguir, em vez de se concentrarem no essencial e escalonarem as acções no tempo, vão querer atacar muitos problemas ao mesmo tempo. Outro erro que é potenciado pelo calendário apertado da troika, o qual muito dificilmente cumprirão: não há saber, autoridade nem espaço temporal!

Esperamos enganar-nos, mas vai ser muito difícil não ceder ao impulso de arranjar problemas onde não é necessário, como sejam as Forças de Segurança e as FAs. Estas últimas vão ser mais uma vez espremidas e sacrificadas sem dó nem piedade. E há-de haver também, muita tentação para “ajustar contas” nos mais variados campos da sociedade. A “vingança é má conselheira.

Como a classe política se entretém, há mais de 30 anos, a destruir toda e qualquer forma de autoridade, agora quando surge um problema, a primeira reacção é a de ceder e entregar os pontos. Ora este governo se não conseguir ultrapassar exemplar e rapidamente, os primeiros obstáculos com que for confrontado, está arrumado.

O chumbo na eleição de Nobre para a segunda figura do Estado – uma péssima aposta desde o princípio – foi uma entrada com o pé esquerdo. Viajar em económica um bom sintoma. Muitos mais têm que se seguir.

Por tudo isto não é sensato estar optimista, sendo preferível o recato da realidade.

É preciso muita persistência, saber, humildade e tempo, que é uma coisa que os ciclos eleitorais e a lógica partidária não permitem.

A adequação do sistema político e a qualidade dos homens continuam a ser o fulcro da questão.

É preciso dar o exemplo, coisa de que estamos muito arredados. Sem exemplo ninguém colabora.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

A SOLUÇÃO PARA A GUERRA ERA POLÍTICA E NÃO MILITAR...

Volto a este assunto por haver inúmeros concidadãos com ideias diferentes. Não vou entrar em polémica com nenhum deles, mas terei todo o gosto em participar num debate numa qualquer data/local em que tal se proporcione. Limito-me pois, a expressar as minhas ideias que creio claras facilmente entendiveis e sem ambiguidades.

«Se não ganhássemos o de além, poderíamos perder o de aquém”
Gomes Eanes de Zurara (Crónica da Conquista da Guiné)


     À semelhança de muitas outras atitudes, discussões e comportamentos, também passou a ser “normalmente” aceite ou, se quiserem, politicamente correcto e tranquilizador do espírito, afirmar que a solução da guerra contra subversiva, que travávamos em África (1961-1974), era «política» e não «militar», e que as Forças Armadas (FAs), pela sua acção, garantiram o tempo suficiente para que essa solução fosse encontrada.
     A frase foi primeiramente proferida em Lisboa, durante a leitura do primeiro comunicado ao país da Junta de Salvação Nacional, em 26 de Abril de 1974. A partir daqui, a confusão de conceitos e de ideias instalou-se, porém, nada de substantivo veio a público. A questão já tinha sido abordada no livro "Portugal e o Futuro", escrito pelo então General Spínola (ou por quem o ajudou nesse intento), mas sem especificar o que queria dizer exactamente com isso.   
    Todavia, não deixa de ser curioso (apesar de se ter revelado dramático), que o então famoso general se tenha esquecido do antigo princípio clausewitiano de que a «guerra é a continuação da política por outros meios», querendo passar a fazer da política a continuação da guerra. Ignoramos se alguém que o rodeava lhe terá chamado alguma vez a atenção para isto.
     Além de mito a frase, como tem sido usada, é uma falácia. Vejamos porquê. A decisão para acabar com uma guerra - mesmo em caso de desaire militar - é política, assim como também a decisão de a travar é, acima de tudo, política. Se dúvidas houver, lembra-se que as decisões políticas devem reflectir os interesses nacionais, neste caso dos portugueses, e não dos seus inimigos. Ora, tendo o governo português e os portugueses, reagido em legítima defesa contra agressões violentas, vindas do exterior e apoiadas por potências estrangeiras, a territórios e populações que eram legitimamente nossas, por direito e por devoção, e como essa defesa obrigava a desencadear e manter operações militares, caberia naturalmente às FAs ocuparem-se dessa missão. É essa a razão da sua existência.
   Iniciadas as hostilidades, estudado o inimigo e apreciadas as ameaças, ficou estabelecido como objectivo político, a defesa intransigente da soberania portuguesa em todos os seus territórios, a defesa do território e a protecção das suas populações, bem como a salvaguarda do património cultural e espiritual da nação. Além disso, instituiu-se um conceito estratégico que nas palavras do Ministro da Marinha, o Almirante Pereira Crespo, se pode enunciar da seguinte maneira: [1]
 - Mostrar uma vontade firme de resistir e de vencer (o inimigo teria de acreditar que a luta em que estávamos empenhados era para nós vital e de que nunca desistiríamos, fosse por fadiga, fosse por traição);
- Acelerar o desenvolvimento económico e social dos territórios ultramarinos, aumentando a participação dos portugueses de raça negra na administração dos negócios públicos. (O inimigo teria de optar entre os sacrifícios de uma luta de guerrilha e a sua integração numa sociedade em pleno desenvolvimento, na qual poderia participar);
 - Receber, como irmãos e sem qualquer preconceito, aqueles que, tendo lutado contra nós, desistissem de tal luta.
     Esta estratégia obrigava a uma guerra de desgaste, cuja duração dependia, essencialmente, da resistência do inimigo. Parece-nos evidente que a estratégia dos inimigos, neste ponto, era idêntica à nossa, embora de sinal contrário, isto é, pretendia impor-nos uma guerra de longa duração, que se arrastaria o tempo que fosse necessário, até nos levar ao cansaço e ao desgaste, o que por sua vez criaria tensões internas que enfraqueceriam a nossa vontade de lutar e obrigariam eventualmente o governo português a mudar de política.
     Todavia, ao contrário de Portugal (que ainda assim tentou substituir a liderança política na Guiné - Conacri por uma que lhe fosse favorável, através da operação «Mar Verde»), os movimentos subversivos dispunham do apoio de vários países e de «quintas colunas» portuguesas, para, por meio de um golpe de Estado, substituir o governo de Lisboa por outro ideologicamente mais próximo das teses independentistas (ou por compromissos assumidos) e negociar, assim, a capitulação.
     Os defensores da «solução política» versus «solução militar» costumam cair ainda noutro paradoxo: esquecem-se que uma solução política, num contexto complexo de relações internacionais e de guerra total, apoia-se não só na força militar, mas também no âmbito estratégico, económico, financeiro, social, diplomático e psicológico. Em todos eles estavam a ser desenvolvidos vários esforços e era necessário, para tal, de mais tempo. E assim sendo, as Forças Armadas não seriam as únicas a determinar as condições que deveriam estar na base das decisões políticas, nem o "timing" em que estas deveriam acontecer. Quando se diz que a guerra durava há demasiado tempo, o que é que isso quer dizer concretamente? Alguém se pode atrever a definir um prazo para o tempo que uma guerra deve durar?
     No plano das contendas internacionais, é possível isolar quatro grandes formas de coação: políticas, económicas, diplomáticas e militares.
     O conflito que estamos a analisar, não fugiu à regra. Em termos militares, costuma-se ouvir dizer que uma guerra de guerrilha é impossível de vencer militarmente. Não é verdade, como o provam as vitórias inglesas na guerra da Malásia (1946-1957), e no Quénia (1952-1960), bem como as várias tentativas de subversão falhadas que os cubamos, após a vitória de Fidel Castro, tentaram fazer em vários países da América do Sul (por exemplo, na Venezuela, na Guatemala, no Peru, na Colômbia e na Bolívia).
     No entanto, uma vitória militar como essas, aparentemente, não era aplicável ao nosso caso, mesmo quando se sabia que em 1973, o inimigo tinha praticamente desistido de lutar em Angola. As tácticas utilizadas pela guerrilha permitiam atacar em pequenos grupos e escolher a altura e o local para o fazer, já que podiam atravessar as fronteiras quando lhes aprouvesse (relembre-se que nas ilhas africanas que pertenciam ao território português nunca se verificou qualquer tipo de subversão). Podiam, portanto, prolongar a luta indefinidamente.
    Para os aniquilarmos teríamos de os perseguir sistematicamente nos territórios onde se refugiavam, porém, uma decisão dessas conduziria, quase de certeza, a uma guerra clássica ou, então, criaria problemas militares e diplomáticos de muito difícil previsão.
     Por outro lado, a guerrilha não tinha qualquer hipótese de bater as Forças Armadas Portuguesas, que estavam muito bem estruturadas, eram numerosas (em termos relativos) e actuavam no seu próprio território. O inimigo teria de subir a parada e constituir forças de exército regular que conseguissem suplantar o nosso potencial, como aconteceu, por exemplo, na Indochina contra os franceses e americanos. Ora, na altura não se conseguia vislumbrar qualquer hipótese do inimigo, mesmo contando com o apoio dos exércitos regulares de alguns países limítrofes, conseguir atingir esse objectivo.
    Além disso, tanto a Rússia como a China mostravam muita relutância em fornecer tanto meios militares mais sofisticados como pessoal para realizar operações desse género. Assim, tudo indicava que a solução para a guerra não passava pelo campo militar.
    No âmbito diplomático, o impasse era idêntico, não havendo perspectivas de que fosse possível encontrar uma solução para qualquer dos lados. Os sucessivos ataques desferidos pelos inimigos de Portugal, na ONU, OUA, etc., nunca tiveram quaisquer resultados práticos e a sua repetição e ineficácia acabou por cair numa indiferença generalizada. Por outras palavras, tornaram-se irrelevantes.
     Do nosso lado, era inviável «obrigar» a URSS e seus satélites ou aliados a mudar a sua política de apoio à guerrilha, afinal, estavam a defender os seus interesses. De igual modo, estava fora de questão conseguir convencer os dirigentes dos países que tinham fronteiras com as nossas províncias ultramarinas a desistir de conceder apoio ao inimigo. Mesmo que o quisessem (e alguns, como o Senegal e o Malawi, até queriam), não o poderiam dizer publicamente, tendo em conta a política seguida por praticamente todos os países de maioria negra e árabe do continente africano.
     No âmbito económico, era igualmente impossível obter uma solução para o conflito. Uma acção da nossa parte teria de ser feita, não contra o PAIGC, a Frelimo, a FNLA ou o MPLA, mas sim contra as potências que os apoiavam, pois eram estas que forneciam toda a logística que permitia à guerrilha sobreviver. Ora, tal estava completamente fora das nossas possibilidades. A pressão que eventualmente poderíamos exercer sobre o Zaire e a Zâmbia, no que tocava à importação e exportação de mercadorias através dos nossos portos e caminhos-de-ferro, estava reservada para situações críticas, sendo preferível, por enquanto, mostrar boa vontade e garantir uma boa vizinhança.
    O inimigo também não tinha força para prejudicar a economia de Angola e Moçambique e só muito dificilmente o fazia na Guiné o que, no contexto geral, era irrelevante. E se no campo internacional era possível que nos conseguissem causar sérios problemas económicos ou até impedir de realizar trocas comerciais no nosso espaço ultramarino, através da interdição das linhas de comunicação marítima, por exemplo, isso iria levantar problemas geopolíticos delicados no equilíbrio mundial, pelo que nunca foram tentados.
    A única solução para ambos os lados da contenda era, pois, obter a vitória pela via política. Ora o objectivo do inimigo passava por fazer com que Portugal entregasse os territórios ultramarinos. De que forma? Esse “pormenor”parecia irrelevante. Para as potências comunistas, nomeadamente a URSS, o mais importante era conseguir que o poder fosse entregue a movimentos marxistas e não a outros, que teriam de ser excluídos ou eliminados. O resultado final da estratégia era a substituição de soberanias, não a autodeterminação dos povos.
    Após a independência, os movimentos, reféns da ajuda recebida, teriam o apoio dos países que a forneceram e poderiam quebrar quaisquer compromissos que tivessem feito. A potência «colonizadora», neste caso Portugal, ficaria de pés e mãos atados e a mais pequena objecção seria imediatamente qualificada de «tentativa de ingerência» ou tique neocolonialista.
    Já vimos que a estratégia para se alcançar esse objectivo político implicava o desgaste do nosso exército através de operações de guerrilha ou então precipitar a substituição do governo de Lisboa por outro favorável à retirada portuguesa dos territórios africanos. Note-se que a primeira via ajudava e conduzia à segunda. E se as actividades de guerrilha podiam ser deixadas aos movimentos que lutavam contra nós, já para subverter a Metrópole era preciso contar com o apoio tanto de algumas grandes potências, como de alguns portugueses pouco dignos desse nome e que se prestassem à infâmia. E foi isso precisamente que aconteceu.
     A subversão foi dirigida preferencialmente aos meios estudantis, donde sairiam os oficiais e os sargentos milicianos que iriam dirigir as tropas portuguesas, ao mesmo tempo que procurava explorar todos os sinais de descontentamento que pudessem existir entre os militares do quadro permanente.
     A primeira movimentação deu-se logo em princípios de 1969, quando os sargentos fizeram saber do seu descontentamento (e com razão) relativamente a uma actualização geral de vencimentos, que vinha piorar a sua já difícil situação económica. O problema foi corrigido, não se tendo verificado uma politização desse movimento, como chegou a ser tentado.[2]  Em simultâneo, algumas organizações clandestinas levaram a cabo actos de sabotagem na Metrópole.
No entanto, o inimigo insistiu principalmente na solução política, não descurando, porém, a acção militar e diplomática. Foi para fazer face a esta estratégia do inimigo que também o governo português se viu obrigado a definir uma solução política, nomeadamente através de acções de contra-guerrilha, durante o tempo que fosse necessário, de modo a causar desgaste no inimigo que, inevitavelmente, dariam origem a divisões internas e criariam um ambiente de desmoralização generalizada, ao ponto de fazer com que deixassem de acreditar na vitória e perdessem assim a vontade de lutar. No fundo, pretendia-se que os guerrilheiros chegassem à conclusão que era mais vantajoso permanecerem portugueses, ou seja, plenamente integrados no todo nacional. Para tal, era importante não descurar nenhum âmbito de actuação.
    Por isso é que não cabia aos militares dar tempo aos políticos para eles encontrarem uma solução política; cabia sim aos políticos dar aos militares (e aos diplomatas, empresários, investidores, etc.), as condições necessárias para que eles pudessem cumprir a sua parte no esforço comum, a fim de que fossem atingidos os objectivos políticos definidos! O que, à excepção do caso da Índia, não se pode dizer que não tivesse sido feito. [3]
    Resta agora especular sobre outras possíveis soluções políticas que Portugal poderia ter aplicado. A primeira, defendida por alguns, mesmo dentro do regime, era mudar a estrutura política nacional, quer através de outras alternativas de autonomia ultramarina, confederação ou federação (tese defendida pelo general Spínola no livro Portugal e o Futuro), quer transformando o regime numa democracia do tipo ocidental, como pretendia a oposição «democrática» e «liberal». Do nosso ponto de vista, esta discussão não fazia qualquer sentido tendo em conta o problema que se tinha entre mãos, já que as forças inimigas não iriam mudar a sua política ou as suas exigências, qualquer que fosse o tipo de regime ou de organização político/administrativa que os portugueses decidissem adoptar.
    Por outro lado, a forma como nós estávamos a conduzir a guerra não tinha de ser alterada, fosse qual fosse a natureza das instituições a estabelecer. Além disso, a organização política do Estado Português era um assunto interno nacional e o que se viesse a decidir em Lisboa não poderia ir à revelia do sentimento dominante em cada um dos territórios, sobretudo em Angola e Moçambique, pois eram aqueles que maior peso relativo viriam a deter.
    Outra hipótese que chegou a ser equacionada passava por fazer um referendo ou um plebiscito, perguntando às populações ultramarinas qual o destino que pretendiam para as suas terras. A vivência, os testemunhos e a informação existentes na altura, não admitem qualquer dúvida: os resultados seriam esmagadoramente favoráveis à manutenção de uma pátria portuguesa pluricontinental e multirracial. Dito de outro modo, se tivesse sido essa a solução escolhida, os interesses portugueses não seriam afectados.
    Ainda assim, e deixando de parte a discussão sobre a legitimidade de se referendar a soberania, seria uma ingenuidade acreditar que o inimigo aceitaria um resultado que lhe fosse desfavorável; ou que quisesse até sujeitar-se a esta prova, dadas as suas conhecidas debilidades e faltas de apoio interno. Além disso, e na hipótese de concordar com essa solução, faltava saber se ele estaria disposto a colaborar honestamente na sua realização e a acatar as decisões maioritárias. De outro modo, os resultados jamais seriam aceites pela comunidade internacional.
    Mesmo que um ou outro grupo de guerrilha aceitasse participar, provavelmente com o objectivo de colher alguns dividendos, era pouco provável que desmantelassem as suas organizações clandestinas ou que depusessem incondicionalmente as armas, para assim poderem reiniciar a luta quando lhes aprouvesse. Acreditar que os países comunistas, que apoiavam a subversão à distância e ansiavam por se instalar nos nossos territórios, iriam desistir dos seus intentos por causa de um referendo, usando métodos tidos como democráticos, seria uma ingenuidade ainda maior.
     Políticos e simples cidadãos, nacionais e estrangeiros, e até diferentes comentadores e "adivinhos", tanto na década de 60 do século XX, como já no período pós revolucionário, relativamente às desgraças ocorridas na fase das independências (a que, por decoro, não chamamos pelo nome de descolonização), defenderam que se deveria já ter concedido a independência aos territórios de além-mar, nomeadamente a Angola e Moçambique [4], de modo a que se pudessem criar "novos Brasis" e constituir, dessa forma, uma comunidade de países de expressão lusíada, ou seja, com uma matriz portuguesa a uni-los. Todavia, esta solução seria outra ingenuidade, impossível de realizar, que além disso traria graves consequências.
    Com efeito, dificilmente essa solução seria realizável enquanto esses movimentos inimigos não fossem vencidos. Mas se isso acontecesse, os grupos armados da guerrilha não teriam qualquer hipótese de vir a participar no poder, já que não possuíam apoio nem estrutura para tal. Depois, uma comunidade de países de inspiração portuguesa iria impossibilitar que esses países caíssem na órbita comunista. Além disso, a permanência de uma larga comunidade branca seria igualmente um entrave a esses desígnios e, por isso, seria duramente combatida.
    Ficar ligado a Portugal significava continuar na área de influência ocidental, exactamente o contrário daquilo que o bloco marxista pretendia. É importante não esquecer que estávamos no «último pico» da Guerra Fria. Ou seja, caso Angola e Moçambique se tornassem independentes em circunstâncias que fossem favoráveis tanto para os portugueses como para esses novos países, o mais certo era que a guerra de guerrilha continuasse, apoiada nas organizações já existentes, que não seriam desmanteladas. Ora, sem a presença dos meios metropolitanos, Angola e Moçambique não teriam qualquer capacidade para se defender, além de que a vulnerabilidade das suas fronteiras (incluindo a aérea e marítima) aumentaria desmesuradamente. E, nessa altura, Portugal não poderia ajudar militarmente os novos Estados. Infelizmente, muitos dos pseudo - eruditos que viviam naqueles territórios não foram capazes de perceber estas evidências.
    Finalmente - a não ser que alguém consiga apontar mais alguma - restava como solução política a tão apregoada via das negociações com o inimigo. Deve começar por dizer-se que as negociações em tempo de guerra não são um fim, mas um meio. Um meio para um dos contendores alcançar a vitória ou então tentar evitar a derrota. Ora, como Portugal não estava a perder a guerra, não fazia qualquer sentido entabular negociações com o objectivo de evitar uma catástrofe maior. E, no primeiro caso, só fazia sentido negociar partindo de uma posição de força e com objectivos claros que pudessem fazer balancear decisivamente a contenda em favor dos nossos interesses.
    Em casos mais raros, um dos contendores, pelas posições que conseguiu conquistar, pode julgar-se vencedor à partida e, como tal, tentar impor uma solução ao inimigo, fazendo com que este capitule sem mais luta - caso, por exemplo, de Hitler em relação à Inglaterra, após ter conquistado a França. De qualquer forma, uma negociação faz-se sempre Estado a Estado, o que não era, manifestamente, o caso.
     No contexto do conflito que travávamos, seria muito difícil, diríamos mesmo impossível, negociar qualquer solução de compromisso, pois tal implicava que não houvesse um vencedor declarado; além disso, era preciso ter em conta que não estaríamos a negociar apenas com os grupos guerrilheiros, mas também com as potências, sobretudo as comunistas, que os apoiavam (a UNITA ilustra bem o que acabámos de afirmar, já que foi possível chegar a um entendimento com esse movimento - não marxista - que não só o neutralizou face aos nossos interesses como ainda por cima começou a combater os movimentos rivais). De facto, tanto o MPLA em Angola, como a Frelimo em Moçambique, nunca aceitaram negociar coisa alguma a não ser a independência, quaisquer que fossem as circunstâncias em que esta viesse a ser obtida. Perante isso, o governo português ia negociar o quê?
    A excepção a estes casos foi a Guiné e teve como intermediário o Presidente Senghor, do Senegal, a quem repugnava a influência que a Guiné - Conacri poderia vir a ter sobre a Guiné portuguesa. Os contactos começaram em 1971, através dos bons ofícios de um terceiro governo. Senghor defendia que a Guiné deveria ser independente no âmbito de uma comunidade luso-afro-brasileira extensiva, naturalmente, às restantes províncias e estava disposto a discutir essa questão com o governo português [5]. Lisboa reagiu bem a esta iniciativa e enviou um alto representante a Dacar propor diligências preparatórias [6]. Por razões que só o então presidente senegalês saberia explicar, esta iniciativa não teve continuação. Em meados de 1972, Senghor fez saber ao Governador da Guiné, que gostaria de falar com ele. Autorizado pelo governo, Spínola encontrou-se com Senghor em Cap Skiring, na fronteira norte da Guiné, mas em território senegalês. Dessa conversa resultou uma proposta de encontro entre Spínola e Amílcar Cabral, onde seria negociado um cessar-fogo, após o que se acordaria que o PAIGC seria integrado nas estruturas portuguesas e passaria a colaborar no governo do território. Daí se evoluiria para uma consulta às populações sobre o seu destino futuro.
    As propostas foram analisadas em Lisboa com profundidade, tanto a nível do governo, como a nível do Conselho Superior de Defesa Nacional, e ainda por diversas personalidades. Ficou decidido - e bem - não prosseguir as negociações. Em primeiro lugar, porque ao sentar Spínola e Amílcar Cabral à mesma mesa, o governo de Lisboa estava a reconhecer, implicitamente, que o PAIGC era uma força beligerante respeitável, algo que seria aproveitado, como é lógico, pelos outros movimentos. Tal facto teria amplas repercussões (como tudo o resto) na imprensa internacional. O PAIGC não se limitaria, naturalmente a fazer reivindicações apenas sobre a Guiné, procuraria englobar Cabo Verde, onde nunca se tinha disparado um tiro; a partir do momento em que aceitássemos um cessar-fogo, ficaríamos com as mãos amarradas para fazer fosse o que fosse, ao passo que o PAIGC conservaria toda a liberdade para fazer o que bem entendesse. E havia a hipótese de nos serem preparadas várias armadilhas.
     De resto, não se percebia ainda muito bem como seriam as relações entre a tropa portuguesa e os guerrilheiros. Independentemente do que acontecesse, o início das negociações seria sempre visto como uma vitória para o inimigo e teria uma acção moralizadora nas suas hostes. Mesmo na suposição de que tudo corresse bem, seria impensável que Sekou Touré e a URSS aceitassem tal acordo. Amílcar Cabral seria facilmente denunciado como revisionista, ou como traidor e a luta prosseguiria apoiada em grupos ainda mais pequenos. Ora o efeito de tudo isto sobre o moral das tropas portuguesas poderia ser catastrófico, a confusão ficaria rapidamente instalada e sobreviria depois uma desmobilização psicológica, pois a mensagem que se estaria a transmitir era que a guerra tinha chegado ao fim e que, portanto, o regresso a casa estava próximo. Para além de tudo isso, nenhuma decisão deveria ser tomada em relação à Guiné que não tivesse em conta o seu impacto nas restantes parcelas de Portugal, nomeadamente Angola e Moçambique.
     Spínola foi informado de que as soluções tinham de ser pensadas tendo em conta o contexto global do conflito, ou seja, não podiam ser vistas apenas pela fresta de Bissau. Nesse sentido, o general foi convidado a ir conhecer a realidade dos outros teatros de operações o que aceitou. Foi nesta entrevista com o chefe do governo que este último proferiu a célebre frase que apontava para a possibilidade de uma derrota militar na Guiné, o que muito escandalizou o general, que pelos vistos nunca aceitou nem digeriu a argumentação apresentada, tendo regressado a Bissau visivelmente transtornado. A partir de então, espalhou-se a ideia de que a solução era «política» e não militar; que os militares deram tempo e até encontraram soluções para a guerra, que os políticos em Lisboa é que não queriam, ainda por cima não se importando com uma derrota militar (o que trouxe ao de cima o espectro da Índia). Daí para a frente, as coisas só pioraram. O «acto» seguinte foi a elaboração do livro "Portugal e o Futuro".
*****
   Eis pois o que entendemos equacionar sobre a tão propalada "teoria" de que a solução para as últimas campanhas ultramarinas - apelidadas em certos meios como "guerra colonial" -era política e não militar. Expressão que tem sido proferida por respeitáveis figuras do mundo civil e militar, com ar sério e cândido, porém sem lhes acrescentar qualquer substância ou enquadramento especifico.
    Politica e socialmente tem sido correcto q.b.
    Na realidade, porém, não passa de uma frase oca que apenas serve para tranquilizar (más) consciências – ou pior ainda, servia objectivamente, os intentos do inimigo.
    Em qualquer caso longe de um nexo politico/estratégico que fosse ao encontro da matriz dos interesses portugueses e do futuro dos territórios em causa.
     Parece que, passados 37 anos, só não vê quem não quer.



[1] Manuel Pereira Crespo, “Porque Perdemos a Guerra”, ed. Abril, Centro do Livro Brasileiro, 1977, p.53.
[2] Manuel Pereira Crespo, ob. cit., p. 51
[3] É evidente, também, que cabia ao poder politico envidar todos os esforços para acabar com o conflito no mais curto espaço de tempo, procurando todas as soluções possíveis consentâneas com o interesse nacional. E ter o cuidado de envolver, na justa medida, todos os sectores da população e sem deixar transparecer a ideia de que se estava a lutar para “empatar” e não para ganhar.
[4] Embora sem nunca terem definido uma data…
[5] A páginas 189 do seu livro “depoimento”, o então chefe de governo português faz esta afirmação: “Ao governo português nunca repugnou esta ideia”. O que se estranha face à politica prosseguida e às afirmações propaladas. Mas revela, mais uma vez, a ambiguidade em que navegava a determinação de Marcello Caetano.
[6] O Dr. Alexandre Ribeiro da Cunha, Director do Gabinete dos Negócios Políticos do Ministério do Ultramar.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

AS FESTAS E OS SANTOS POPULARES

Mês de Junho em Lisboa, mês de festa na cidade, cujo marco maior são as comemorações relativamente aos três santos populares: Santo António, São João e São Pedro. Dos três aquele que tem maior devoção é, sem dúvida, Fernando de Bulhões, nascido na capital (1190? – 1231), um dos mais notáveis portugueses de todos os tempos e o segundo canonizado em toda a Igreja cujo processo levou menos tempo: onze meses e meio.

As festas realizam-se nos bairros mais antigos de Lisboa, com destaque para o Castelo e Alfama, e têm uma parte lúdica e uma parte religiosa.

A parte lúdica é constituída por decorações típicas nas ruas, fogueiras (hoje raras) e bailaricos, música popular portuguesa, marchas e fado, tudo acompanhado com bastos petiscos de que se destacam a bela da febra e da sardinha assada. Obviamente com amplo consumo de sumo de uva destilado (agora também, muita cerveja e, até, caipirinhas!).
Além disto, o notável artista que foi Leitão de Barros, deu o actual figurino às famosas marchas de Lisboa, em 1934 (tinham tido inicio dois anos antes, embora haja tradições desde o século XVIII), que deram origem a um despique bairrista, e hoje descem a Av. da Liberdade, na véspera do dia da morte do santo que, constantemente, os italianos se querem apropriar e que é, também, Tenente-coronel do Exército Português, com direito a soldo.
Completa o quadro os casamentos populares – o santo tem fama de casamenteiro – que tiveram inicio em 1958 e após interrupção de alguns anos, voltaram a realizar-se, celebrando-se o evento na imponente Sé velha, testemunha em pedra de 800 anos de História.
As cerimónias religiosas repartem-se por missas, actos de devoção e uma enorme procissão que percorre as ruas de Alfama e as suas cinco igrejas, terminando na Sé. Infelizmente com muito poucas colchas nas janelas, como é da tradição.
É sempre um gosto participar na animação.
As festas dos santos populares devem ser encaradas como uma espécie de “ex-líbris” de Lisboa (como as festividades do S. João, no Porto), pois além de representarem um conjunto de tradições antigas e que se devem preservar, passaram a ser um cartaz turístico da cidade.
Daí a necessidade de as manter castiças e autênticas. É como se houvesse aqui uma região demarcada de vinhos de que fosse mister garantir a qualidade e especificidade.
A que vem isto a propósito?
Pois a algumas adulterações que temos por lamentáveis e que devem ser rapidamente corrigidas. Por exemplo, não faz o menor sentido deixar-se montar bancas com bebidas brasileiras que nada ligam com o evento; muito menos ouvir música brasileira nas ruas – já basta a tomada de assalto de modas brasileiras no carnaval português, que não têm nada a ver com a nossa tradição. Até jazz ouvimos nas ruas de Alfama! Mas fado não ouvimos…
Gostaria ainda que me explicassem o que faz um grupo de danças e cantares marroquino no desfile das marchas? 
Já noutro âmbito é muito importante manter a higiene das ruas o mais impecável possível.
As autoridades devem ser as primeiras a tentar preservar o genuíno e a impor regras nesse sentido. A algum dos leitores passará pela cabeça enviar os “Pauliteiros de Miranda” irem desfilar no carnaval de Veneza? E alguém acredita que tal pudesse ser autorizado pela câmara italiana? A nossa Marisa, por ex., tem algumas hipóteses de ir cantar o fado no meio do corso do Rio?
E se as nossas autoridades não cumprem com o seu papel, os cidadãos tem o dever de chamar a atenção para isso, não devem aceitar tudo o que lhe colocam no prato, acriticamente.
As festas da cidade são como que um hall de entrada para a nossa casa. Creio que todos gostamos de ter o hall bem arranjado.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

PORTUGAL E A CONFERÊNCIA DE BERLIM

Junto o texto da conferência (alargada), que proferi no passado dia 9 de Junho, na Gulbenkian, em Lisboa.

PORTUGAL E A CONFERÊNCIA DE BERLIM

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segunda-feira, 13 de junho de 2011

O 10 DE JUNHO E OS COMBATENTES

“Uma mentira repetida mil vezes, passa a ser verdade”
Lenine

A Comissão Promotora do Encontro Nacional dos Combatentes, organiza uma “romagem” anual de homenagem aos Combatentes do Ultramar, junto ao respectivo monumento, em Belém, no dia de Portugal. Este ano promoveu, também, uma conferência sob o tema “A Presença de Portugal em África”, ao longo dos séculos, que teve lugar na véspera, na Fundação Gulbenkian.

Destas duas iniciativas quase não houve eco na comunicação social. Compreende-se: tratava-se de um debate elevado sobre um tema relevante; no dia seguinte lidámos com uma cerimónia eminentemente patriótica, oriunda da sociedade civil, de amor a Portugal  e recordando todos aqueles que disseram “presente” quando foi necessário defender pelas armas os nossos territórios e populações, e não virou a cara aos perigos e canseiras. Sobretudo homenageando quem, no cumprimento dessa nobre missão, perdeu a vida ou ficou ferido na carne ou no espírito. Tratava-se, por isso, de uma coisa menor… Não se jogou futebol ou se fez chicana política; não se cortou a linha de caminho de ferro; não houve ameaças de greve ou quaisquer reivindicações; nem se proferiram ofensas a ninguém, tal não mobiliza, obviamente, os auto-apelidados “quarto poder”, que até hoje ninguém elegeu ou outorgou.

Correu tudo bem, Deus seja louvado! E louvados devem ser também – pois é de justiça – as equipas que organizaram os eventos capitaneados, respectivamente, pelos generais Jesus Bispo e Vizela Cardoso.

Relativamente à conferência, que foi presidida pelo Professor Adriano Moreira, gostaríamos de prolongar o debate, tendo em conta algumas ideias nela expandidas.

Lá ouvimos atacar, mais uma vez, o nosso Rei D. Sebastião, que de “Desejado”, como ficou para a História, passou a ser considerado por muitos como o símbolo do erro e da leviandade. O que nos parece ser…  uma leviandade.

Sobre a subversão e a guerrilha com que nos defrontámos em África, entre 1961 e 1974/5, lá se ouviram as mesmas frases recorrentes, na esteira do ensinamento leninista. Estas ideias, além de constituírem mitos, funcionam como uma espécie de auto justificação psicológica e tranquilizadora de consciências, para quem contribuiu, não se opôs ou se acomodou, à vergonhosa retirada de “pé descalço”, com que terminou a nossa centenária permanência naquele continente (e em Timor).

Vamos analisar quatro frases feitas.

“Uma guerra subversiva não pode ser ganha”; é mentira, os ingleses ganharam na Malásia e no Quénia; as guerrilhas lançadas por Castro e Guevara, nas Américas Central e Sul, foram quase todas derrotadas; até os EUA teriam ganho a guerra do Vietname se tivessem tido a coragem e o discernimento de impor a censura nos “média”. Nós já tínhamos subjugado a guerrilha em Angola e estávamos muito longe de a perder na Guiné e Moçambique.
“Não entendemos/reagimos aos “ventos da História”; os ditos ventos são sempre soprados por quem tem poder em cada época e fartaram-se de soprar contra nós, durante séculos. O ataque, em 1961, foi apenas mais um. Temos, de facto, que estar sempre atentos a tais ventos e responder em função dos nossos interesses, não dos outros. E isso quer dizer agir e lutar dentro das nossas possibilidades e em todos os tabuleiros. Para isso necessitamos ter Poder. A alternativa a isto é sermos escravos e bananas.
“Os militares garantiram ao poder político o tempo necessário para estes encontrarem uma solução para o conflito”. Este argumento afigura-se-me tosco e tem uma lógica invertida.
Juro que não entendo como isto se faz: os chefes militares (quando? todos ou alguns?), vão ter com o governo e dão-lhe um prazo? E como se calcula o tempo considerado suficiente? Dois anos? Cinco anos?; Treze anos de guerra em África é muito mas os 80 anos que durou a guerra com os holandeses, são aceitáveis? A Guerra da Restauração durou 28 anos, o que teria acontecido se nos tivéssemos cansado ao fim de treze? Isto tem alguma lógica ou aceitabilidade? Quando vão tropas, hoje para o Afeganistão, ou outro lugar qualquer, o CEMGFA tem uma conversa prévia com o MDN e dá-lhe um prazo?
Vejamos outro ponto: uma guerra implica um esforço global que é decomposto em económico, financeiro, diplomático, psicológico, etc., e militar. Todas estas áreas são importantes não é só a militar. Sendo assim, quer dizer que não seriam só os militares a dar “tempo”aos políticos, seriam todos os outros também. Bela salganhada…
Ou não será antes correcto que seja o poder político, definidos os objectivos, a proporcionar os meios necessários ou possíveis, a todas as áreas, para que todas possam, entrosadamente, cumprir as suas missões e tarefas em prol da vitória?
Uma guerra é, sobretudo, uma luta de vontades; o tempo é apenas um recurso, como muitos outros.
A um oficial ou sargento do quadro permanente, não ficará muito mal, estar a “queixar-se” do tempo que dura um conflito? Ele escolheu a profissão e pode ter que combater desde que se forma até que se reforma!
Finalmente, a cereja em cima do bolo: “a solução para a guerra era política e não militar”. Confesso que entendo este argumento como o mais mirabolante de todos.
Vejamos se entendi bem: sendo a guerra, na máxima clausewitiana, a continuação da política por outros meios, pretenderiam os autores da frase a continuação da guerra através da política?
O mais curioso de tudo é que a maioria dos autores deste portento, di-lo com o ar mais sério do mundo e, a seguir, cala-se, como que aliviado depois de ter proferido uma sentença absoluta! Mas, no fundo, o que querem dizer? Que propostas apresentam? E como equacioná-las?
Pois é, afirmar que a solução é política e não militar que dizer tudo e não quer dizer nada…
Por definição entrar-se numa guerra ou colocar-lhe um fim, é essencialmente uma decisão política – e, neste particular, anunciar que a decisão da guerra é política e não militar, transforma-se num pleonasmo…
Como não temos espaço para abordar o problema em todas a s suas vertentes, vamos apenas chamar a atenção para que a decisão política sobre um conflito deve ser feita tendo em conta os nossos interesses, não os do inimigo; e que, sendo comum aceitar-se ser a guerra uma coisa má, existe uma pior, que é, justamente, perdê-la.
Disse ainda o Prof. A. Moreira (e tem-no repetido amiúde), que os portugueses, desde Afonso Henriques, funcionaram sempre “em cadeia de comando” e isso explica que o povo fosse sempre cumprindo os desígnios nacionais. Eu julgo entender o que o ilustre professor quer dizer (embora nunca o explicite), mas penso que não é a verdade toda. A verdade toda é que essa cadeia de comando foi interrompida, em 1820,para só voltar a ser reposta em 1926 (melhor dizendo, em 1932), tendo-se perdido, novamente, em 1974.
E agora, volta-se à cadeia de comando ou…. a quê?

terça-feira, 7 de junho de 2011

FUZILEIROS, “PRAXES” E OUTRAS COISAS

            O Partido Comunista, afins e outros companheiros de luta, quando intentaram a subversão do Estado, antes de 1974 – e também o que restava das matrizes antigas nacionais - elegeram como campo prioritário, as Universidades.

            A subversão das Universidades, sobretudo a de Coimbra, que era a mais importante, teve como aríete principal o ataque ao Fado, ao futebol e à praxe.

            Percebe-se a estratégia: aquelas actividades eram, na altura, o fulcro de toda a actividade estudantil fora das aulas.

            Eram, por assim dizer, uma imagem de marca da Universidade.

            O Fado foi sendo substituído pela “canção de intervenção”; o futebol foi denunciado como alienante e preterido a favor de reuniões de esclarecimento político, e a praxe tinha que ser banida.

            Completava o quadro as farpas contra a religião e o seu conservadorismo, passando apenas a ser aceitável o “catolicismo progressista”, fosse lá o que isso fosse.

            Porque é que a praxe tinha que ser banida? Simples, porque a praxe pressupunha uma organização académica, com a sua hierarquia e as suas regras. Criava uma “ordem” e uma “coesão” o que, naturalmente, contrariava ou dificultava a acção dos citados grupos. Sendo que, aos comunistas, era impensável qualquer ordem que não a sua; aos restantes repugnava qualquer ordem.

            Perguntar-se-á o que é que isto tem a ver com um recente caso de hipotéticas agressões a um fuzileiro, na Escola onde são formados. Pois tem tudo, embora com novas roupagens. E cada vez que se passa uma cena qualquer de “violência” ou considerada de “praxe” logo se levanta certo sururú nos “média”. É recorrente.

            Há décadas que a autoridade foi posta em causa; a hierarquia horizontalizada e palavras como ordem, disciplina, nação, etc., quase desapareceram do vocabulário comum. Vive-se um individualismo feroz como se quisesse imperar um “status quo” em que cada um pudesse fazer o que lhe desse na realíssima gana. Estranhamente ou não, aparecem, por outro lado, organismos, que ninguém conhece, que tentam uniformizar e regular todos os pormenores da vida pessoal e em sociedade. Agora parece que querem controlar e padronizar as sementes que são lançadas à terra…

            Quem tem sofrido mais com todo este estado de coisas, que necessitam de livros grossos para retratar, são as Instituições tradicionais que se constituíram durante séculos pilares do Estado e da sociedade. Entre estas as duas mais duramente contestadas e atacadas têm sido a Igreja e as FAs.

            É aqui que voltamos ao incidente dos fuzileiros como nos poderíamos reportar a dezenas de outros que têm ocorrido nas últimas três décadas.

            O que mantém as instituições de pé são os seus princípios, e doutrinas, os seus líderes que viram referência; os seus feitos e todo o acervo moral e material que resulta da sua acção ao longo dos tempos. Deste acervo fazem parte as tradições onde se podem incluir o que é conhecido por “praxes”.

            E não foi por acaso que o combate às “praxes” foi uma bandeira das diferentes juventudes partidárias, quando se encarniçavam contra o serviço militar obrigatório.

            A Instituição Militar é aquela entre todas as existentes cuja missão primária é a defesa da Pátria (outra palavra banida e, entretanto, repescada por gente suspeita…), o que implica, quando iniciadas as hostilidades, matar e morrer. E estar preparado para isso. A profissão que mais perto está deste estádio são as forças de segurança, mas o grau de conflitualidade, empenhamento e letalidade está num patamar muito inferior a este.

            Estar preparado para matar e morrer, leva tempo – se é que é uma meta atingível, e fazer cumprir as missões em termos éticos, exige uma exigência deontológica e uma dureza na instrução sem paralelo noutro âmbito.

            As praxes sempre existiram e são de todos os tempos. Oficialmente não existem, mas eram sempre “supervisionadas”, embora não seja possível controlar tudo. A existência da praxe – quando bem-feita – exige regras, cujos infractores serão punidos. A praxe tem funções importantes: ambienta o indivíduo, enquadra-o, induz-lhe o comportamento, cria camaradagem e coesão, desemburra os mais toscos, melhora o conhecimento e a preparação física. A praxe diverte e fomenta o conhecimento mútuo. Todavia é forçoso salvaguardar duas coisas: a não existência de práticas violentas ou perigosas e a dignidade da pessoa humana.

            Ora o que se passou nos fuzileiros, estranhamente divulgado na antevéspera, da Escola da Fuzileiros comemorar os 50 anos, nem sequer configura um acto de praxe.

            Ao que julgamos saber, a cena ocorreu entre os membros do mesmo pelotão de um curso de formação de fuzileiros, em Agosto de 2010, (há quase um ano!), porque os membros dessa sub unidade tinham sido sucessivamente castigados, por causa do comportamento do visado, cuja prestação durante o curso tinha deixado muito a desejar, a ponto de alguns dos seus camaradas não estarem nada satisfeitos por ele também ir receber a boina azul ferrete, símbolo da especialidade, Por isso decidiram dar-lhe um “aquecimento”. O vídeo não mostra qualquer agressão, nem a “vítima” sofreu qualquer contusão ou nódoa negra. Tão pouco apresentou queixa.

            E tudo teria ficado assim se, em Novembro de 2010, a ocorrência não tivesse chegado, fortuitamente, ao conhecimento do Comando da Escola, que mandou levantar um auto de averiguações, onde ouviu inúmeras testemunhas.

            Deste auto resultou uma pequena punição para meia dúzia de praças. Aqui a cena descambou: como há anos andam a destruir a disciplina militar – sem ninguém se opor, acrescente-se – agora, por dá cá aquela palha, qualquer militar pode chamar um advogado para recorrer de uma simples pena disciplinar. Assim aconteceu, e a suspeita que existe é a de que alguém relacionado com o caso – e que não terá saído da Marinha de boas relações com ela – terá enviado o vídeo entretanto facultado por quem o fez, para os “média”, levantando um problema que não vale um caracol furado, mas que visa objectivamente prejudicar a imagem da Armada.

            E uma outra coisa grave ocorreu: as insinuações acintosas de que o Ministério Público iria investigar o caso – porquê se o comando já tinha tratado da questão?

            Pois é a triste realidade a que chegámos, depois de terem destruído a Justiça Militar e acabado com os tribunais militares – mais uma vez sem um protesto – quando tudo funcionava razoavelmente bem, com celeridade que a vida militar impõe e com conhecimento de causa das especificidades da Instituição que escapam, naturalmente, ao comum dos cidadãos, mesmo sendo advogados, juízes ou procuradores.

            Não se entende, porém, é que a nível institucional militar, nada se faça em defesa das FAs e dos militares, não se explique nem se assuma as coisas mais básicas e se ande curvado perante políticos – sejam eles quais forem, muito menos os medíocres – e sem se atinar como lidar com os jornalistas.

            E uma das coisas que se torna urgente dizer e denunciar em voz alta é que a generalidade dos jovens portugueses – e isto já tem muitos anos – não está minimamente preparada para a vida. E mal se lhes aplica um quarto de volta de torque de aperto, eles desistem, fogem, deitam-se, voltam as costas, etc. Não são todos obviamente, mas são demasiados. E as FAs têm relatórios que podem provar tudo isto. Há anos que deviam ser presentes a Conselho de Ministros.

            Infelizmente, parece, e parece muito, que a hierarquia militar soçobrou, no meio do que é política e socialmente correcto.

            Sei que muitos não gostarão de ler isto. Mas, sejam francos, que é que vos hei-de dizer?