terça-feira, 4 de janeiro de 2011

PRIORIDADES NACIONAIS

Publicado no jornal "O Público" de 11 de Janeiro de 2011

O Presidente da República promulgou, a 30 de Dezembro último, o Orçamento do Estado para 2011. Foi um orçamento que teve um parto difícil, de difícil discussão e aprovação, havendo ainda que ultrapassar negociações complicadas entre os dois principais partidos com assento parlamentar, que mais se assemelharam a um “teatro de sombras”.

Tal foi originado pela agudíssima crise económico/financeira que atravessamos (derivada da falta de valores e relativização dos mesmos) e na composição minoritária do governo.

A dramatização das coisas foi consequência das pressões internacionais (leia-se UE e FMI) para se tomarem medidas de austeridade e da constante “chantagem” dos mercados financeiros (leia-se Wallstreet), sobre o “rating” do país e as taxas de juro a aplicar a empréstimos (sabendo-se que as agências de rating não são de confiança).

Daqui resultou que, desde a maioria da classe política, com excepção do PC e BE, da esmagadora maioria da opinião publicada, comentadores, empresários e financeiros, todos juntos, se passou a ouvir um clamor em que era necessário aprovar o orçamento (leia-se, qualquer orçamento), a fim de “acalmar” os credores e os nossos parceiros comunitários (leia-se a Sr.ª Merkel e nórdicos). Não o fazer seria mesmo um crime de lesa – Pátria – e como este último termo os incomoda, substituíram-no por “bater com a cara na parede”…

Do mesmo modo choveram os debates nos “media” e em muitas instituições do País sobre os problemas existentes, desde a educação à saúde; da segurança social, à segurança interna, e até se passou a discutir o Mar, esquecido que estava dos adiantados mentais que nos têm governado nos últimos 30 e picos anos, os quais entretidos que andaram a correr para Bruxelas, aferiam apenas a sua importância pela temperatura da água quando iam à praia molhar os pés. Todos os sectores, dizíamos, menos a Defesa, que como se sabe não existe, a não ser para criticar a compra dos submarinos, inventando-se, até, uma nova medida financeira padrão: o submarino! Por ex., aquela empresa tem um deficit equivalente a dois submarinos…

Em tudo, porém, pairou sempre a sombra da economia e, sobretudo das finanças.

Assistimos a vários destes debates e deles restou-nos a ideia geral da falta de noção do conjunto, a inexistência de uma Ideia de Portugal, o primado do sectorial, muita ignorância de coisas básicas, alguns preconceitos e, sobretudo, uma ampla carência da noção da hierarquia das prioridades. Talvez porque o termo “hierarquia” e o que ele comporta, fosse um dos vários termos que foram banidos do léxico político e cultural português e que muita falta nos fazem.

E é, justamente, esta questão da hierarquia das prioridades que, mais uma vez, faz com que me encontre em discordância com a generalidade das ideias vindas a público, ou seja da necessidade de acordo sobre o orçamento e sobre a indesejabilidade de uma crise política. Expliquemo-nos.

Nós não temos uma crise económica, financeira e social, nós temos uma crise política. Isto é, nós temos crises em todos aqueles sectores, mas todas elas derivam de uma crise política grave e sem se resolver esta, não se resolverá mais nenhum outro problema a jusante. Aliás, nós vivemos em crise política e de valores há muito; foram, aliás a ganância, a corrupção, a falta de ética e de escrúpulos e, por outro lado, a falta de carácter, de coragem, de liderança, etc., que originaram a “crise” (já foram ver o filme “Inside Job”?).

Por isso, caros compatriotas, aprovar o orçamento, prolongar artificialmente o “status quo” político é continuar a viver uma realidade virtual e a adiar por mais tempo o que necessita ser feito, o que apenas vai piorar a situação e agravar os custos. E quanto mais nos quisermos enganar mais iremos sofrer.

Aparentemente não queremos, individual e colectivamente, encarar a realidade o que se trata de uma aberração da natureza que a Psicologia explica.

Concluindo, torna-se imperioso resolver o problema político que, por sinal, é bem mais profundo do que aparenta ou do que nos querem fazer crer. Tem três vertentes: o sistema em si mesmo, que deve ser revisto de alto a baixo; o modo como se aplicam as regras do sistema e a escolha/formação dos cidadãos que o tornam operativo.

Por estranho que pareça ninguém quer ou está preocupado em discutir tudo isto. Muitos dos responsáveis do que se passa hoje em dia, eram muito críticos em relação aos detentores do Poder anteriormente a 1974, por estes afirmarem amiúde que “a Pátria não se discute”, o que me parece, até, um conceito sensato.

O que dizer então de não se querer discutir um simples sistema político que, por definição, carece de actualização permanente e que está (ou será que não está?), sem sombra de dúvida muito abaixo da Pátria?

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