quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

O AEROPORTO “MONO”, DE BEJA E A NATUREZA HUMANA

4/12/2010

Ao fim de cerca de 12 anos a aerogare civil da Base Aérea Nº 11, sita em Beja, está praticamente construída. Falta certificá-la e… dar-lhe uso.

Contas feitas, 35 milhões de passivo e outros tantos para tornar tudo operacional. Mas resta a pergunta, para operar o quê, como e quando? Parece que ninguém sabe responder a isto, vários governos, grupos de trabalho e vicissitudes, depois.

Existe uma questão central em tudo isto e que é esta: qual o objectivo e qual a viabilidade económica desse objectivo? É aqui que o nevoeiro é imenso. O objectivo geral parece discernível, trata-se de trazer mais valias económicas/financeiras/sociais, a uma das zonas mais pobres e deprimidas do país, o Baixo Alentejo. Os objectivos parcelares que consubstanciariam o objectivo geral é que são mais difíceis de distinguir.

Senão vejamos: para que serve um aeroporto? Pois para transportar “de”, “para” e volta, passageiros e mercadorias/correio. Mas o que poderemos transportar de lá, ou para lá? O Baixo Alentejo tem um turismo incipiente (mesmo contando com um desenvolvimento muito acelerado do Alqueva); não existem eventos internacionais significativos (a não ser que se queira englobar a “Ovibeja” em tal categoria); tão pouco desportivos. 

Baixo Alentejo tem pouquíssima população e muito poucos destes habitantes tem meios para viajar de avião; a agricultura está a morrer; não tem indústria (o pólo de indústria aeronáutica que poderia servir os intuitos deste âmbito, foram colocados em Évora…), nem serviços, logo não há reuniões de negócios… Uma criteriosa agricultura de estufas, sobretudo no sudoeste alentejano podia produzir uma quantidade de produtos hortícolas e florícolas de qualidade – poderia, friso – a que se teria que conseguir mercados para exportação, mas isso justificaria voos regulares a partir de Beja? E feitos por quem? Que incentivos se poderão elencar para atrair investidores?

Pode-se pensar que o Porto de Sines poderá servir de porta de entrada e saída para produtos. Mas que produtos? Que produtos poderão chegar a Beja de avião para seguirem de navio a partir de Sines? E que produtos poderão desembarcar em Sines, para seguirem de avião? Pois apenas produtos perecíveis ou de alta tecnologia e baixo volume/peso. Quais?

Vamos supor, com optimismo, que países do Oriente, nomeadamente a China, veriam Sines como uma boa porta de entrada dos seus produtos na Europa, a aposta não recairia no caminho-de-ferro?

Temos ainda a considerar a concorrência que poderá vir a existir do terminal que os espanhóis acabaram de construir em Talavera da Real (Badajoz), e não devemos esquecer que os aeroportos de Lisboa e Faro estão a cerca de 120 km de Beja.

Ora estamos em crer que os estudos de viabilidade económica não foram feitos com a necessária profundidade e, ou, seriedade. Mas a conta calada para o contribuinte, essa, já está a facturar…

Como chegámos a este ponto? Basicamente por via da natureza humana. Expliquemo-nos.

As forças vivas do distrito anseiam por desenvolvimento, os protagonistas, sobretudo se conseguirem mais valias, terão dividendos políticos, além de previsíveis negócios.

Disso se apercebem as forças políticas no seu conjunto, primeiro a nível regional, depois no âmbito nacional. O ponto de partida seria a já existente infra-estrutura aeronáutica militar, muito disputada para utilização civil (de norte a sul do país) – esquecendo muito convenientemente os custos e implicações que acarreta. Julgam ou fingem julgar, que é só chegar lá e utilizar, tipo “tiro e queda”.

Depois de alguns relatórios e muitos almoços e jantares, lá se consegue uma luz verde, sobretudo se estivermos perto de um período eleitoral. Nomeia-se então uma comissão/grupo de trabalho/órgão, que começa por ter que se instalar. O processo é algo moroso: é necessário arranjar instalações “condignas”, viaturas, secretária(s) e parafernália vária; tratar da parte legal e, claro, conseguir cabimentação de verbas para tudo funcionar.

Começa-se então (finalmente) a trabalhar, por norma sem objectivos ou especificações precisas. Amiúde os membros nomeados, desentendem-se. Quando muda o governo, é usual haver mudanças na equipa ou no trilho do trabalho efectuado. Por vezes em ambas, quando não existem hiatos por faltar algo, normalmente dinheiro. Os orçamentos em Portugal andam de skate, derrapam sempre…

Ao fim de alguns anos, lá se tem a infra-estrutura construída, o problema seguinte é que ela engrene no País que somos.

Porque é que as coisas se passam assim? É simples, as forças vivas da cidade/região jamais admitirão que a ideia não é boa ou seja útil para o futuro, por isso continuarão a empurrar com a barriga; as estruturas político partidárias obviamente não se opõem, já que isso lhes pode retirar votos. Mesmo os da oposição são cuidadosos e não criticam em demasia, atacam apenas a forma, ou um ou outro personagem; os sucessivos membros dos GT constituídos também não se opõem a nada, e são quando muito, cuidadosos nos alertas que fazem, já que é o seu ganha-pão – mesmo que temporário – que está em causa; os organismos/entidades que podem ser chamados a intervir/colaborar, etc., também só raramente levantam problemas, que não sejam da sua área exclusiva. Afinal não é nada da sua conta e há certamente quem esteja a ver o filme todo…

Finalmente, o governo, por norma, não intervém a não ser quando o desastre é já extenso, ou o Tribunal de Contas – que na prática não tem poder nenhum – publica um relatório pouco abonatório. Percebe-se: o governo tem mais que fazer e além disso não convém desagradar às estruturas locais do partido nem às populações da área; e, com um bocado de sorte, até haveria mais um bocado de cimento para inaugurarem (para já não falar nas eventuais generosas contribuições que aqui e ali, pingam para os cofres partidários).

Em termos gerais, toda esta minha gente, passa a ter, com o decorrer do tempo, a maior dificuldade em assumir que algo está errado, mesmo que, já se sabe, tudo tenha sido feito com a melhor das intenções.

Esta é a prática generalizada no país chamado Portugal, nas últimas décadas. Nunca existem responsáveis.

Parece que agora se descobriu que além de não haver dinheiro para se manter a economia, as estruturas do Estado e o “estado social”, a funcionarem, estamos todos endividados até ao tutano.

Gostaria muito que a aerogare civil de Beja servisse para tudo aquilo que os bem intencionados desejavam. Mas tenho as mais sérias dúvidas.

Lá se deu cabo de mais uns quantos hectares de sobreiros, pasto e para plantio de cereais. E estes fazem-nos muita falta.

1 comentário:

  1. Uma vez mais os meus parabéns pelo artigo.
    Medina da Silva

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