domingo, 19 de setembro de 2010

CERIMÓNIAS MILITARES: UM ANACRONISMO POLÍTICO, SOCIAL E HISTÓRICO?

15/08/2010

“Sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da fantasia”
Eça de Queiroz

Confesso que gosto de assistir a cerimónias militares. Sempre que posso e me convidam, faço por estar presente. Sou uma espécie de abencerragem… Desta feita fui assistir ao dia da Infantaria, que coincide com o dia da batalha de Aljubarrota de que este ano se comemorou o 625º (!) aniversário. Esse magnífico fim de tarde de uma aurora luminosa, feito de armas ímpar, inspirador perpétuo dos brios nacionais.

Como é timbre das coisas militares a cerimónia decorreu simples, digna e escorreita. Tempo para observar e reflectir. Eis o resultado.

Se pensarmos bem, todas as cerimónias militares em geral, e algumas em particular (como esta última), representam um anacronismo político. Porquê? Simples, porque tudo o que nela se defende, todo o seu ambiente e todo o seu espírito, não têm qualquer correspondência com a postura política, dos políticos contemporâneos.

Reparem: os militares apelam à defesa da Pátria, evocam os heróis nacionais que a defenderam ao longo dos séculos; honram os caídos nos campos de batalha (no campo da honra?!), respeitam-se os símbolos nacionais. No âmbito político entrega-se a soberania a entidades internacionalistas; subordina-se as leis nacionais ao articulado de Bruxelas, quase ignoraram a santificação de D. Nuno, escondem da população os novos equipamentos para as FAs (vidé submarinos...), etc.

Será que alguns destes actos são compatíveis com o juramento de Bandeira? Ou será que um dia destes vão legislar no sentido de colocarem o símbolo da UE, ao lado da bandeira das Quinas, na formatura?

Nas cerimónias militares respira-se ordem, hierarquia, organização, respeito… quanto à parte política os leitores responderão por si.

Os militares evocam as grandes referências da Nação, aqueles que se bateram com risco de vida, enfim os seus chefes ilustres e os patronos. No campo político permite-se que um cidadão desqualificado pelo seu passado anti patriótico, por se ter bandeado com os inimigos que nos emboscaram as tropas, num passado recente, seja candidato a Presidente da República e Comandante Supremo das FA (e alguns militares também apoiam!...)

No âmbito das cerimónias militares apela-se à união, à coesão, à lealdade, à camaradagem; no campo político é tudo centrifugo e desagregador, deixando a luta político-partidária de ser uma confrontação frutuosa de ideias e de uma luta leal pelo exercicio temporal do Poder, para se transformar numa guerra civil permanente que nos amarga o quotidiano e nos compromete o futuro! (vale o facto de ainda não termos entrado em violência política, mas será que não entraremos a breve trecho?).

Por isto, uma cerimónia militar, representa do ponto de vista político, um anacronismo. E estou convicto que a maioria dos políticos, mesmo os de nomeada, acham os militares uns seres anacrónicos, que não entendem, representam uma despesa e são uma maçada.

Por outro lado, uma cerimónia militar é já um anacronismo social. Porquê? Simples, porque as cerimónias militares são a expressão pública de toda a vivência, referências e estrutura que se vive paredes adentro da Instituição Militar (IM) e tal estar nos antípodas, dos hábitos e valores (ou ausência deles), que há umas três décadas a esta parte imperam na sociedade.

O expoente de tudo isto pode ser exemplificado com o fim do Serviço Militar Obrigatório (uma asneira de gabarito!) e a subsequente dificuldade em arranjar recrutas. Além disso, as cerimónias militares não têm público - tirando os familiares nos juramentos de bandeira e cada vez mais têm uma cobertura fugaz na comunicação social.

Ora havendo a existência destes dois anacronismos rapidamente podemos passar para um anacronismo histórico, ou seja, a uma coisa do passado.

Poderá parecer, assim, pela lógica aristotélica, que as cerimónias militares – ou seja a IM – se deveria adaptar às realidades políticas e sociais.

Acontece porém, que aquilo que as FAs e os militares defendem, o modo como se organizam e os valores que os orientam, estão correctos e não podem ser outros. E por isso não são aquelas que têm que se adaptar aos maus exemplos dos políticos e da sociedade. São estes e esta, que devem arrepiar caminho das veredas que levam ao precipício e para onde querem, conscientemente ou não, arrastar uma Instituição quase milenar, que lhes é indispensável.

Uma palavra última para um pequeno anacronismo sobre as cerimónias militares, elas próprias: os discursos são longos e abundantes. Alguns reflectem apenas uma “choca” académica oriunda da “universidade” militar de Pedrouços. Deve-se gastar alguma reflexão nisto.

Em primeiro lugar o público – que já vimos ser escasso – não ouve nada; as forças em parada – por razões que seria ocioso explanar – também não escutam coisa alguma - a estes deve-se falar em ambiente apropriado; os discursos não podem dizer nada de relevante: os assuntos de serviço, devem ser tratados em sede própria; recados para a sociedade ou para o poder político, também.

Quem sair fora deste âmbito ver-se-á demitido, seguramente com a carreira prejudicada. Por outro lado, dizer “generalidades e culatras” ou tecer elogios que cheirem a unto, também não fica bem a ninguém. Passar mensagens, referir exemplos, explicar conceitos, dar referencias, de forma entendível e enxuta, eis o desafio. Enfim, a audiência é a bancada…

Finalmente, os discursos em nada reflectem o que se fala a seguir no almoço, tão pouco ao café…

Os anacronismos, verdadeiros ou falsos criam desintonias e estas têm consequências que, por norma, não são boas.

Realidade que o Eça, tão bem, já identificara.

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