FORÇAS ARMADAS... VALE MAIS TARDE DO QUE NUNCA?
“Não
se pode ter razão antes de tempo”, costuma dizer-se.
E
depois do tempo ter passado também não. Digo eu.
Do abaixo – assinado.
O Governo
não tem razão alguma sobre o que pretende levar a cabo, sobre a projectada
reforma da estrutura superior das Forças Armadas (FA), pelas razões que têm
sido amplamente relatadas (Documento do GREI; Documento do Conselho
Deontológico da AOFA; Documento assinado por 28 ex-chefes de Estado-Maior ainda
vivos; algumas vozes isoladas, de que destaco os generais José Nico, Cabrita e
Carlos Branco).
O Governo
(acolitado pelo PSD) preparou tudo de um modo ínvio; nada transparente e pouco
institucional o que, aliás, é a norma em qualquer governo quando se trata de
assuntos relacionados com as FA. O que bastaria para demonstrar a falta de boa
intenção com que se fazem as coisas.
E tal
ocorre desde que foi decretada a Lei 29/82, Lei da Defesa Nacional e das FA.
Até ao I
Governo do Professor Cavaco Silva - que agora aparece indignado com o que se
pretende fazer, mas cujos governos fizeram muito mal às FA – o Poder Político
não se sentiu com “autoridade” suficiente para tentar interferir com o que
estava legislado e organizado, limitando-se a fazer resistência passiva com
qualquer iniciativa que partisse das chefias militares e a controlar o mais
possível os meios financeiros postos à disposição dos Ramos e EMGFA.
A partir
daquela data tudo mudou e o “assalto” às FA e à Instituição Militar (IM) (que não
é a mesma coisa) cavalgou por décadas, sendo liderado pelo PS e PSD, com a ajuda
do CDS/PP e a aceitação tácita das restantes forças partidárias.
As razões
para que tudo se tenha passado assim são muitas, mas são sempre escamoteadas,
como se vivêssemos num teatro de sombras. Não as vou apontar agora, pois já as
referi inúmeras vezes.
As chefias
militares por razões várias - que, pela mesma razão, também não vou aduzir -
nunca conseguiram ou souberam (algumas vezes foram até coniventes), contrariar.
As Chefias dos Ramos raramente se entenderam e os Conselhos Superiores dos mesmos
muito ficaram a dever à coesão. E raramente se conseguiu antecipar problemas ou
andar à frente dos acontecimentos.
O
descrédito em que a Instituição Militar saiu dos anos conturbados de 1974/5/6,
não ajudou seja o que for a coisa alguma.
Tal nunca
foi digerido, arrumado e assumido.
A actual
iniciativa cuja origem e “timing” ainda não foi publicamente divulgada, tem
seguramente a ver com a recondução do CEMGFA, Almirante Silva Ribeiro - que
estava aparentemente de candeias às avessas com o MDN, desde que tinha dado uma
entrevista a dizer que a situação nas FA era insustentável (e era, mas pelos
vistos deixou de ser); não estaria nos melhores termos com o próprio PR - que o
recebeu na altura - não por discordar da entrevista, mas porque esta não tinha
sido previamente “ajustada” com ele...; o CEMGFA, dizia, outrossim, para quem o
queria ouvir, que não estava agarrado ao cargo e estava já a negociar ir dar
aulas para a Universidade Católica - feita em cima do termo do seu mandato que
ocorreu no pretérito dia 1 de Março.
Não é de
excluir também, que a substituição do Chefe da Casa Militar da Presidência da
República, por um Almirante, tenha a ver com esta projectada mudança de
estrutura.
A única
coisa, porém, mais substantiva que é adiantada pelos defensores da reforma é
que a maioria dos países (leia-se, da União Europeia) já efectuou reformas
semelhantes.
Bom, isto
é no mínimo perigoso e provinciano.
Para já
estamos a falar de uma minoria de países e que são 900 anos diferentes de
nós...
Depois,
porque tenho para mim, que um dos problemas maiores em toda a nossa História
foi justamente o de importarmos modelos estrangeiros que pouco têm a ver
connosco e que de um modo geral, só copiamos o que menos interessa. Falta-nos
sentido crítico e falta de confiança na inteligência nacional, talvez porque
temos uma dificuldade muito grande em nos entendermos e na escolha das
lideranças...
A coisa
começou em força no reinado de D. João III (não vou adiantar porquê) continuou
com o “Absolutismo” e prolongou-se sobretudo no século XIX; Foi travada no “Estado
Novo” e tem sido o delírio após 1974.
Mas se
agora se tem tanta apetência em copiar este modelo alheio porque não se adoptam
outras coisas do mesmo, como sejam a estrutura dos vencimentos; o investimento
em equipamentos, armamento, munições, etc.; a dignidade institucional e muitas
outras coisas que ficaram de fora? Ou só se quer implementar o que interessa,
pontual ou circunstancialmente?
A
actuação política de todos os governos com a conivência de todos os
Partidos, com alguma excepção do PCP, que é o único que sabe o que anda a fazer
(e merece uma análise à parte), tem sido de tal modo desbragada e nefasta,
relativamente às FA, que nos últimos 30 anos não há uma única coisa que se
possa considerar verdadeiramente positiva, chegando-se à situação de hoje, em
que as Forças Militares estão reduzidas à ínfima espécie (e como há cem anos
atrás, no quase zero naval, zero terrestre e zero aéreo), perfeitamente asfixiadas
em termos financeiros, administrativos e em pessoal e desconsideradas.
Contam
menos no País do que qualquer Direcção - Geral de um Ministério menor. Estão
até, à “esquerda” de qualquer grupo ecologista ou outro defensor dos direitos
dos “gay” (não é por acaso que o “nosso primeiro”, conhecido na gíria por “Tó
Caril” resolveu, ele próprio, hastear a bandeira dos invertidos, ao lado da
Bandeira Nacional na sua residência oficial, atitude que nem me atrevo a
qualificar publicamente).
É
seguramente por termos chegado à situação descrita que, numa atitude inédita,
todos os generais de quatro estrelas vivos e fora do serviço activo, à excepção
de um - o General Valença Pinto que presta assessoria ao MDN e ainda não se
manifestou publicamente sobre as suas razões - vieram manifestar o seu incómodo
e repulsa, perante mais esta investida que nada tem a ver com qualquer melhoria
seja em que campo for, relativamente às força militares (num ministério que gasta
cerca de 0,8% do PIB, mas por norma aldraba os números arredondando para 1% ou
1,2%, pedindo emprestado os custos da GNR...). Uma quantia irrisória.
Mas aqui
chegados cabe perguntar se parte, ou grande parte, da responsabilidade da
situação diria, penosa, agonizante e de vexame em que as FA e a IM se encontram,
também não lhes pertencerá.
É que
vislumbro várias páginas A4 cheias de “itens” importantes, sobre os quais se
deviam, em devido tempo, atravessado e não o fizeram!
Vou dar
apenas alguns exemplos.
A
verdadeira ofensiva contra as FA começou quando, em 1995, se mudou, de uma
forma gravosa, o modo de escolher, politicamente, as chefias militares.
Estariam distraídos na altura?
Que dizer
das sucessivas leis que reintegraram nas FA, a esmo e a eito, os militares que
tinham sido “saneados”, à esquerda, à direita, ao centro, etc., ou que por
qualquer motivo abandonaram as fileiras, durante o período que se seguiu ao 25
de Abril de 74? Um processo altamente vergonhoso e lesivo para a imagem,
justiça relativa e funcionamento das FA, onde as promoções iam até Coronel e
Sargento-Chefe, muitas vezes com direito a retroactivos?
Como
classificar a aceitação, quase sem um pio de protesto, da ridícula e
inacreditável diminuição do Serviço Militar Obrigatório para quatro meses e
posterior alteração da Constituição da República para colocar um ponto final no
mesmo (em tempo de paz), que se pode considerar quase como um crime de lesa - Pátria?
Será que
estavam distraídos, também, quando os Tribunais Militares foram extintos e as
razões que a tal levaram?
Ou quando
nos “roubaram” o IASFA e assucataram a ADM (assistência na doença aos
militares)?
Nunca se
envergonharam de como lhes foi sendo retirada autoridade e competências, ao
ponto de hoje um Chefe de Estado-Maior não poder promover um soldado?
Nunca se
interrogaram porque se deixou esfrangalhar os Sistemas de Saúde Militar e
respectivo apoio sanitário de retaguarda, extensivo às famílias? Que, aliás,
nunca tiveram coragem de tentar reformar a tempo e horas?
O facto
de os governos terem sempre andado a brincar às Leis de Programação Militar,
nunca permitindo que nenhuma fosse cumprida na sua plenitude (fora as
“trapalhadas dos concursos públicos para a aquisição de armamento, munições e
equipamentos); não haver um sistema de mobilização ou reservas de guerra seja
do que fôr e da única munição que se produz no país serem cartuchos de caça (e
não são todos), por exemplo, nunca ter sido considerado como factor de
preocupação e de protesto veemente?
As
constantes desconsiderações públicas; a humilhação de vários chefes militares;
rebaixamentos protocolares; interferências de “boys e girls” ineptos; criação
indiscriminada de grupos de trabalho paralelos, etc. (querem que dê exemplos?),
nunca foi de molde a causar algum rubor facial e concomitante reacção? E que
dizer da falta de solidariedade dos pares?
Por acaso
nunca se deram conta que a última revisão do RDM - documento dos mais bem
concebidos desde as Ordenações Afonsinas - lhe retirou substancialmente a
eficácia e feriu gravemente a doutrina que o enformava?
E a questão
do aproveitamento da “troika” se passear no Terreiro do Paço, como o Duque de
Olivares, jamais se atreveu, para o governo ter congelado as promoções e passar
a fazê-las a conta-gotas e quando entende, não afectou o equilíbrio
psicossomático de ninguém?
Acaso tal
atitude não foi, e é, cem vezes mais gravosa do que o Decreto-lei 373/73, que
espoletou o Golpe de Estado, em 25 de Abril de 1974?
Finalmente,
estes últimos despachos ministeriais da Defesa, inqualificáveis num giro de
360º, sobre a igualdade de género; a insistência no recrutamento feminino; o
incentivo à delação sobre eventuais assédios sexuais; a tentativa de impor
linguagem estereotipada nos antípodas da tradição e costumes nacionais e
castrenses, tudo isto e sabe-se lá que mais, não lhes suscitou, porventura,
requebros de nojo e vómito? Pois deviam.
Mas
enfim, vale mais tarde do que nunca e um bom cristão pode arrepender-se até à
hora da morte.
Mas lá
que é tarde é, e ou me engano muito, ou o Parlamento e a maioria das diferentes
forças políticas vão tentar humilhar, mais uma vez, os militares (e
infelizmente só pararão quando embaterem num qualquer muro...).
De resto
“os militares” já disseram que, no fim, obedecerão ao que for decidido pelo
Parlamento.
Parlamento
que vai iniciar as comemorações do 25 de Abril, três anos antes do jubileu,
pois essa foi a única data em que os militares tiveram (à posteriori)
autorização (e cravos) para se revoltarem.
E não
deixa de ser curioso notar (para não irmos mais atrás), que a República foi
implantada por cabos e sargentos (que a Carbonária tinha cooptado); o 28 de
Maio foi sustentado sobretudo por tenentes (por acaso maltratados numa incursão
“democrática” na então “Escola Militar”, em 1915), tendo, finalmente, os
capitães deitado o regime abaixo (com a ajuda do Professor Marcello, amigo do
actual Professor Marcelo, que se rendeu), por irem receber uma machadada brutal
nas suas eventuais promoções e carreira (bom, e a alguns já não lhes apetecer
muito irem combater).
Parece
que os generais, nomeadamente os mais graduados, estiveram ausentes disto tudo.
Pelos
vistos nunca se aperceberam de nada.
João José
Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador (Ref.)