O “Abuso” do
Direito à Greve
26/02/19
“Metade dos
funcionários públicos ou está de baixa, ou está em greve, ou a fazer ponte…”
Da linguagem popular
(a caminho de ser um “ditado popular”!)
Da linguagem popular
(a caminho de ser um “ditado popular”!)
O
abuso do direito à greve é, em primeiro e último lugar, um problema político e
em derradeira análise, uma questão de guerra subversiva.
O
que iremos escrever tem como pano de fundo o que se passa actualmente em
Portugal.
E
a palavra “abuso”, que só recentemente foi usada, está entre aspas, pois é
muito contraditório que um “direito” possa ser adjectivado de “abuso”.
Não
é possível nem é essa a intenção do artigo, fazer um historial da greve e do
seu direito, ou a contestação a esse direito, mas convém ao entendimento do que
segue, deixar uns tópicos.
Os
movimentos grevistas nasceram na sequência da primeira revolução industrial,
quando se dão grandes migrações internas, do campo para a cidade, em função das
centenas e depois milhares de empregos que a concentração de fábricas, oferecia
e requeria.
As
miseráveis condições de trabalho, mesmo tendo em conta a situação da época, e a
natural tendência da natureza humana para a asneira, neste caso a ganância do
lucro a qualquer custo, levaram a condições ainda mais abusivas em termos salariais
e de injusta exploração.
Ora
isto, ao contrário de muito palavreado por aí dito, não tem a ver com “Capitalismo”,
“Socialismo”, ou outros “ismos”, mas com a natureza humana, que dá para o Bem e
para o Mal…
Por
isso os movimentos sindicais emergiram um pouco por todos os países que
começaram a ter desenvolvimento industrial, ganhando maior expressividade na
Grã-Bretanha e nos EUA, país onde, por ironia do destino, viria a originar que
o dia 1 de Maio passasse a ser comemorado como o “Dia do Trabalhador”!
Tal facto remonta a 1886, quando
uma greve foi iniciada na cidade de Chicago, com o objectivo principal de
reduzir a jornada de trabalho (que chegava às 17horas/dia) para oito horas. No
calendário Litúrgico o 1º de Maio celebra o dia de S. José Operário, o santo
padroeiro dos trabalhadores.[1]
A “greve” é a cessação colectiva
e voluntária do trabalho, realizado por trabalhadores, com o propósito de obter
direitos ou benefícios. Ou evitar a sua perda. Tem, como contrapartida, não se
receber o vencimento relativo aos dias em que dure a greve.
A palavra greve tem a sua origem
no francês e provém da “Place de Grève, em Paris, ma margem do Sena, onde se
reuniam os desempregados e operários insatisfeitos com as condições do seu
trabalho. O vocábulo é utilizado pela primeira vez no século XVIII e
populariza-se no século seguinte.
A praça citada era também local
onde os empregadores recrutavam braços para a ornada de trabalho; daí a
associação da palavra com o “estar parado sem trabalhar”.[2]
A associação de trabalhadores
assalariados deu origem ao “Sindicalismo”, que tem a sua origem remota nas
Corporações Medievais e que é entendido por muitos como uma doutrina política,
segundo a qual os trabalhadores devem ter uma participação activa na condução
da sociedade, através dos sindicatos.
Com
o alastramento das ideias socialistas e, mais tarde, com as suas filhas
comunistas e anarquistas, o movimento sindical passou a ser utilizado e
manipulado, como arma política e subversiva para a conquista do Poder.
Daí,
se estão recordados, a grande divisão entre PS, PSD e CDS e comunistas, durante
o “PREC”, ter sido justamente, a questão da liberdade ou unicidade sindical…
Em
contraponto ao direito à greve, surgiram reacções por parte dos empresários, ou
“donos” das empresas (não é a mesma coisa…), em arrogarem-se o direito de
fechar as fábricas (ou seja negar o acesso aos instrumentos de trabalho) em
contraponto à recusa de trabalho nas mesmas.
E
nem sempre os empresários são desonestos e os trabalhadores isentos de
críticas.
Tem
a ver com a tal natureza humana já aludida…
Se
bem que – e não quero furtar-me à questão – eu pense que a maior
responsabilidade da harmonia no trabalho, caiba mais aos empresários do que aos
trabalhadores. Por uma questão de hierarquia, responsabilidade e, supostamente,
melhor preparação técnico/cultural.
O
problema político, porém, desvirtua tudo isto. Já lá iremos.
Por
via disto houve até regimes políticos que vieram a proibir as greves e, ou, os
“lockouts”, pela perturbação que traziam à vida na sociedade. Os próprios
regimes comunistas foram os primeiros a fazê-lo: em primeiro lugar porque já
não havia empresários, o Estado era “o empresário”; depois porque eram os trabalhadores,
através das suas organizações de classe que estavam no Poder. Diziam eles.
O
melhor regime que tratou esta matéria, por estranho que possa parecer aos contemporâneos,
foi o “Estado Novo” Português, mediante a instituição de legislação laboral
equilibrada, criação de instituições sociais capazes e ajustadas; princípios
corporativos e tudo inspirado na doutrina social da Igreja, de Leão XIII.
Não
foi perfeita (nem há nada perfeito porque tudo depende da tal natureza humana)
mas foi o que esteve lá mais perto. E teve uma coisa extraordinária a sustentá-la:
uma recta intenção.
O
que disse Salazar numa entrevista aos jornalistas do Fígaro, Serge e Grussard,
em 1957, é assaz elucidativo: “ Somos excessivamente pobres para nos
permitirmos a esse luxo. Tanto mais que quando se reconhece o direito à greve admite-se
que há uma incompatibilidade absoluta entre o interesse patronal e o interesse
dos trabalhadores, e que a questão não poderá ser resolvida senão pelo recurso
à força. É evidente que ganhará o mais forte, o que não significa que triunfe a
justiça. Tanto que se rejeita o direito à greve deve admitir-se que os
interesses patronais e os interesses dos trabalhadores são, no fim de contas,
concordantes e não contraditórios; que deve ser também considerado um terceiro
interesse que é o interesse social; e que uma organização deve ser erigida para
permitir aos interesses divergentes definirem-se e conciliarem-se,
reconhecendo-se o Estado como árbitro supremo. Nestas condições, o direito à
greve pode, sem riscos, e com vantagens, deixar de ser reconhecido”. No termo
da entrevista concluiu: “Não governamos anjos no espaço, mas os homens sobre a
terra, que são como são e não como alguns quereriam que fossem”.
Mas
veio o ano da graça de 1974 e eis que um golpe de estado desastrado – feito por
uma maioria de capitães revoltados (apesar da razão que lhes assistia, o que se
passou não lhes dá grandes créditos) e impreparados para a aventura em que se meteram,
foram rapidamente ultrapassados pela única organização existente, o PCP, apesar
de minúscula. A própria Maçonaria estava inoperante e a Igreja estava a dormir,
apenas com os “peixinhos vermelhos em pia de água benta” a nadar.
O PCP, apesar de derrotado, conseguiu
após uma manobra de retirada magistralmente efectuada, em 25 de Novembro de 75,
reter grande parte do seu Poder. Com o que contou com numerosas e conhecidas,
conivências.
O
principal Poder que lhes restou (mas não se esgota nisso) está consubstanciado
na Constituição da República aprovada em 1976.
E
que apesar de já ter sido revista sete vezes, mantém no essencial o que era em
1976.
Daí
se vê a força do “PêCê”…
Ora
a principal das ferramentas que permite a força do PCP – uma estrutura, errada,
antidemocrática, com uma ideologia contra natura, anti - nacional,
economicamente desastrosa, e socialmente funesta, e que há muito devia
representar em Portugal e no Mundo, apenas uma desgraçada memória histórica
passada – é, justamente, o que lá vem contemplado, relativamente ao direito à
greve e tudo o que com ela está relacionado.
Vem
tudo tratado no Capítulo III, “Direitos, Liberdades e Garantias dos
Trabalhadores”, nomeadamente nos seus artigos 55, 56 e
57.
O
artigo 53, que os antecede, está correcto ao afirmar “É garantida aos trabalhadores
a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por
motivos políticos ou ideológicos”; mas o mesmo devia ser garantido aos
empresários e à sua actividade.
Já
o artigo 54, relativo às comissões de trabalhadores é, todo ele, uma imposição
de uma visão marxista do funcionamento das empresas.
O
artigo 55, sobre “liberdade sindical”, melhor se chamaria “libertinagem
sindical”, no seu número 4, pura e simplesmente não é cumprido e o seu número 5
devia ser riscado por inadmissível ao princípio nacional.
Finalmente
o artigo 56 é todo ele uma exorbitância. Era como se no Exército os diferentes
postos participassem nas decisões de funcionamento de toda a organização…
Finalmente
o artigo 57, no seu número 2, transforma os trabalhadores numa espécie de
ditadores e, muito democraticamente, o seu número 4, proíbe o lockout.
E
vai-se por aí fora com os “direitos” dos trabalhadores, etc.
Enfim,
um país só de Direitos! À excepção do dever de pagar impostos, o qual pela
intensidade com que é exercido – esse sim um verdadeiro abuso – acaba
por impedir a maioria dos “Direitos” consagrados….
Resta
apenas saber quem e como, se vai criar a riqueza que sustente tal parafernália.
Esta
Constituição é, na sua essência, um absurdo adocicado!
Voltemos
à terra e ao que se passa na prática, para finalizar.
Em
resumo, devia-se caminhar progressivamente para a inexistência de greves e
“lockout”, dados os incómodos e prejuízos que causam – e não vale a pena haver
para aí uns tolos bem pensantes que tal é inimaginável, ou “eles têm direito”,
etc., uma greve para ter efeito, tem que causar danos, senão não serve para
nada.
Dado
que a natureza humana é o que é, termos ficado, pelos vistos, ricos (e o
professor Salazar já cá não estar) o direito à greve pode ser mantido, para
defesa dos abusos ou correcção de injustiças, mas deve restringir-se ao âmbito
das relações do trabalho.
Dito
por outras palavras, as estruturas sindicais devem servir apenas para tratar da
resolução de problemas laborais e não serem usadas para fins de natureza
político/partidária.
E
a chamada “arma” da greve deve ser utlizada em último recurso, depois de se
esgotar todas as formas de negociação.
A
Lei devia convir na existência de um órgão arbitral, que pudesse regular os termos
em que tudo isto se passaria.
As
organizações sindicais devem ser organizações de trabalhadores livres,
orientadas para a resolução de conflitos laborais e não estarem condicionadas
por questões políticas, ideológicas, de raça, religião, etc.
Muito
menos serem “correntes de transmissão” de Partidos Políticos.
As
relações de trabalho devem visar a harmonia social e não a “luta de classes” ou
qualquer outra.
O
“Capital” é complementar ao “Trabalho” e vice-versa e as fronteiras do Estado e
o que é privado devem estar perfeitamente definidas.
As
empresas devem ter preocupações sociais e o Estado, a da justiça equitativa, através
do sistema fiscal e do estabelecimento de vencimentos de referência mediante o
valor social das profissões e qualificações, por exemplo. Os empresários devem
ser responsáveis pela gestão; procurar a participação ajustada dos diferentes
níveis da estrutura existente e cumprir a legislação existente e procurar uma
distribuição justa de dividendos. E não andarem a descapitalizar as empresas a
fim de comprarem “Ferraris” e outras “comodities”. Mas também têm de estar
defendidos de calaceiros e incompetentes.
O
que se tem passado em Portugal em todos este âmbito assemelha-se a uma guerra
civil permanente (sem uso de armas de fogo) com intuitos políticos sempre
presentes; greves às vezes meticulosamente organizadas, como se de uma operação
militar se tratasse, sempre numa lógica de fuga para a frente; sem qualquer
intuito de justiça relativa, antes com a obsessão de berrar mais alto e obter
mais-valias, onde as áreas mais fustigadas são o funcionalismo público e as
empresas intervencionadas e com a opinião pública perfeitamente narcotizada e
imbecilizada, sem saber o que há - de fazer ou pensar.
O número e razão das greves em
Portugal passa das marcas e não tem qualificação. Em seis meses no ano passado
registaram-se cerca de 600 greves! E há para todos os gostos, desde a greve dos
juízes (que são um órgão de soberania!), às greves dos estivadores capazes de
prejudicarem gravemente a Economia. Aliás a lógica das greves é provocar danos,
sob pena de não valer a pena fazê-las…[3]
Imaginam as tropas que estão no
Afeganistão a fazer greve?
E que tal haver 16 sindicatos só
na PSP? Que por estatuto próprio (que devia ser extensível a mais grupos
profissionais) não podem fazer greves mas fazem outras coisas parecidas?
Agora
atingiu-se um pico de greves que anda pelo escabroso, com a questão da saúde a
mexer com a população.
E
com alguma crítica publicada pelo simples facto da greve dos sindicatos dos
enfermeiros não estar a ser controlada pelos do costume!
Mas
independentemente de tudo o que já disse, enquanto continuar impante o
descalabro da situação bancária/financeira em Portugal, onde nas últimas duas
décadas o Estado já injetou no sistema bancário cerca de 50.000 milhões de
euros, do dinheiro dos contribuintes, enquanto continuar – eu nem lhe vou
chamar roubalheira e pouca vergonha – esta incompetência manifesta nos
gestores da banca, e nada acontecer (enfim foi agora um para a cadeia) é
difícil condenar moralmente seja quem for, por fazer greve em prol de melhores
condições de vida.
Mas
isso já é outra discussão.
Que
tal repensar tudo?
João
José Brandão Ferreira
Oficial
Piloto-Aviador (Ref.)
[1]
Até hoje o Governo Americano nega-se a reconhecer o 1º de Maio como Dia do
Trabalhador. As oito horas de trabalho apenas foram reconhecidas pelo Congresso,
em 1890.
[2]
A Place de Grève” mudou mais tarde, o nome para “Place Hotel de Ville”. Também
se defende que “greve” era o nome de um arbusto, em França.
[3]
Lembro, porém, que durante o tal “PREC” tivemos um Governo que se declarou em
greve…