GUIÃO PARA UM
FILME DE FICÇÃO CIENTÍFICA NO ÂMBITO MILITAR
11/05/2018
“O principal problema da
Democracia é a qualidade da Sociedade. Essa qualidade começa na Família.
Naturalmente quem aleita é quem educa.”
Autor desconhecido
(Mas lá que dá para pensar, dá…)
Quartel-General
das Forças de Estabilização da ONU na colónia, conhecida desde a Antiguidade,
como Lua.
“Oceanus Procellarum” – Oceano das
Tormentas.
Ordem
de Serviço 666, em 11/5/2118. [1]
TROPAS!
Como
sabeis após o meu antecessor ter resolvido saltar em pára-quedas para fora do
nosso querido e bem-amado Exército – esse infeliz que não teve estômago para
acatar as tão sábias directrizes muito para a “frentex”, do nosso guia
espiritual, o Azedo L., que devemos equiparar a Cipião, “o Africano”, depois da
batalha de Zama – e que mesmo depois da oferta generosa de Belém, em
reconsiderar, retorquiu que a força da gravidade (mais não fosse por isso) o
impedia de voltar para dentro do avião de onde saltara…
Deste
modo eu assumi a ingrata, mas honrosa tarefa de vos dirigir (isso de “comandar”
é areia demais para a minha camioneta) isto é, ao que resta de vós, da hoste
que seguiu o grande Afonso, depois de ter batido na mãe, tendo vindo por aí
abaixo levando tudo à frente, mesmo sem autorização de Bruxelas ou da Merkel
(que por acaso se chama Kastner…). Bons tempos, ai, ai...
E
que belo caminho temos feito juntos desde então!
Lembram-se
de quando mesmo antes de estar nomeado, me passou uma coisa má pela cabeça e
decidi, num ímpeto viril, despachar o vice, aquele cujo nome faz lembrar um
célebre ciclista tuga, que pedalava como ó caraças?
Ele
à primeira ainda hesitou, mas à segunda lá foi com Deus, as almas santas e uns
trovões da minha padroeira Bárbara!
Depois
foi preciso pôr ordem no Militar Colégio, agora que aquele Instituto freirático,
cheio de mofo e de discriminação de género intolerável e fascista, sito ali
para os lados de Odivelas, ter ficado devoluto e abandonado à espera de um
qualquer negócio imobiliário que apareça!
Resta
apenas fazer desaparecer sem deixar rasto o túmulo do D. Dinis (que devia era
ter ficado em Castela quando foi visitar o avô, Afonso X, o Sábio), que
resolveu mandar plantar o pinhal de Leiria para agora virem umas mãos
criminosas deitarem-lhe fogo (eu disse, criminosas? Desculpem, pois foi
certamente um descuido inocente, ou então uma acção de alguém alienado, vítima
desta sociedade machista, capitalista, racista, xenófoba, homofóbica e preconceituosa!).[2]
Mas
é bem feito! O colonialista do Dinis não tinha nada que mandar vir almirantes
de Génova e fundar a Armada que agora diz que é antiga como ó carbono e desfila
no Terreiro do Paço a soprar 700 velas!
Agora
estão tramados pois já não vão ter madeira nem para barcoletas a remos!
Ocorre-me
à memória, porém, ó tropas, que vou ter que reconverter parte de vós -senão a
totalidade - em bombeiros (voluntários, é claro), o que não deixa de ser uma
velha aspiração dos nossos maiores, pois não é muito melhor sermos os soldados
da paz em vez de sermos os soldados da guerra?
Eu
já dei o exemplo e já peguei na foice e no martelo, perdão na maquineta
roçadeira e andei a capinar, mesmo chegadinho àquele que se orgulha de ser o
primeiro - ministro descendente de indianos da União Europeia. E eu a julgar
que ele era descendente de portugueses?!
Até ia dando uma cambalhota à
retaguarda, coisa até, que já não me lembrava de fazer desde os meus tempos infráticos
(eu disse infráticos? Que as juventudes partidárias me desculpem, pois nunca
concordei com tais práticas, abrenúncio).
Mas,
ó tropas, empolguei-me e já me esquecia que estava no Militar Colégio, que eu
consegui meter na ordem, essa cáfila elitista que eu, a custo, tolero.
Aquilo
foi tudo raso: internato; comando; oficiais reguilas; ameaças de boiada, etc.,
e ainda espero acabar com a avaliação para democratizar tudo devidamente, agora
que acabei com a discriminação sexual intolerável como muito bem apontou o farol
da nossa existência - o Azedo L. - que Napoleão se fosse vivo não desdenharia
escolher para Marechal de França (ele até que se desenrasca bem no francês e
tudo!).
Prometo-vos que não descansarei
enquanto não conseguir uniformizar a coberta das camas de todos os quartéis e
camaratas, nas cores do arco-íris!
*****
E
aquela táctica utilizada num memorável Conselho Superior Militar - só
equiparada à importância do uso de armas de tiro tenso na conquista de pontos
de cota mais elevada!?
Estava
uma lista feita para promoções já devidamente escorada e sedimentada, quando os
nossos amigos na Administração Interna, na GNR e outros, sempre vigilantes,
alertaram para os perigos que tal ordenação implicava na justiça do mérito
relativo (obviamente) e tal nos levou no mais acertado “flick flack” à
retaguarda (esta da retaguarda, hoje anda-me a perseguir!) e mandei alterar
aquilo tudo.
Deu
um foguetório, só suplantado pelo do fim do ano na Madeira, que meteu o general
- maior, transferências mágicas de oficiais generais, alteração de ordens de
serviço, pressões de bastidores, etc., mas rematei a coisa com um pedido de
parecer (ajuda...), para a PGR - numa atitude que eu próprio não sei
classificar, mas que foi no mínimo brilhante, que até ofusca - e a coisa acabou
por morrer.
Foi
tudo um processo que faria corar o Maquiavel onde acabei com a carreira a pelo
menos, dois camaradas, mas que é isso comparado com a largura do meu ego medido
em milímetros?
*****
Andava
eu nesta gloriosa cruzada – que deixo aqui claro, nada ter a ver com aquelas
levadas a cabo no obscurantismo medievo – quando alguns dos meus dilectos
camaradas generais me abandonaram, deixando-me meses praticamente sozinho à
testa deste “galho”, outrora Ramo altaneiro e pujante! Os ingratos!
E
digo praticamente, pois fui salvo “in extremis”, pelo último dos moicanos – a
quem apesar de tudo, pouco ligo – que a pedido de muitas famílias e condoído da
queda livre em que a coisa estava (isto de surripiar os pára-quedistas para o
Exército não foi nada boa ideia, mesmo nadinha, mas eu na altura ainda usava
fraldas e não me apercebi), lá continuou a carregar a cruz e ficou!
E
que dizer dos generais antigos como o biscoito das caravelas, que
sistematicamente faltam às festas e cerimónias para que os convido, pois não
querem encarar o meu “fácies enconátus”, tão pouco cumprimentar-me?
Já
sei, são uns invejosos, pois não se equiparam ao ilustre ocupante de S. Julião
da Barra, o Azedo L, que corajosamente – e com toda a sua pilosidade firme e
hirta e voltada para a frente - enfrenta o fantasma do infortunado Gomes Freire
cujas cinzas foram, por ali perto, deitados aleivosamente ao mar!
Todavia,
a minha coroa de glória estava para vir!
Estava
eu (sempre eu!) quase a resolver o problema dos paióis sitos no “Mar de
Tancorum”, já tendo obtido as necessárias verbas, conseguidas pelo maior
estratega da defesa, o Azedo L. - que reduz Tucídides e a sua “Guerra do
Peloponeso”, a um cisco - dizia, uma ronda do meu glorioso Exército
voluntaríssimo, que nem munições reais pode usar, descobriu um buraco na
vedação (qual linha Maginot, qual quê!) e após apurada investigação alguém deu
conta que um paiol tinha sido profanado.
Foi como se a virgindade do
Exército tivesse sido corrompida (a Honra, essa, tinha sido perdida nos idos da
“Descolonização” e ainda não foi reposta…), sem uma gota de sangue ser vertida!
Sabe-se
lá como e porquê, a notícia chegou aos jornais tendo caído o Carmo e a Trindade
(enfim já estavam caídos, desde o terramoto de 1755…).
Mas,
ó tropas, eu, o vosso Director, reagi como um leão e fui-me a eles como
Santiago aos mouros – sem ofensa é claro, para os dilectos seguidores de Allah,
o “Misericordioso”.
O que eu fiz, meu Deus: dei entrevistas, disse
uma coisa e o seu contrário, aquilo meteu luta e até o meu querido superior
hierárquico (não me estou a referir agora à luz que me orienta (o Azedo L.) que
soube já ter o futuro garantido, pois foi-lhe oferecido um lugar de consultor
no Pentágono para as relações com o futuro Exército Europeu), mas sim ao meu
camarada infantaroco que até levou um murro no estomago durante a contenda.
(Era para isso, aliás, que o saudoso Xico da Mouraria nos preparava nas aulas
de boxe)
E
vejam como ficou tudo esclarecido, tim tim por tim tim (só não entendo é por
que o Senhor Comandante Supremo, continua com aquelas diatribes sobre querer
saber mais coisas) e no fim poupei uma palete de massa ao contribuinte, dizendo
que já não queria nada com aqueles paióis (ficam para o pessoal do “Barrote ao
Alto” fazerem exercícios de demolição por implosão) e fui-me para a Santa (Margaridorum)
e quando por obra e graça do Espírito Santo, o material desaparecido (será que
desapareceu mesmo?) deu à costa numa mata da Chamusca, eu até recuperei uma
caixa a mais!
A SIC, por exemplo, ficou tão
contente que até apresentou várias vezes, imagens todas catitas da minha
pessoa!
E para que a minha autoridade não
fosse posta em causa (nem chamuscada a imagem do nosso inspirador, o Azedo L.,
que – vejam só - se confessou emocionado, após ter lido o antigo Regulamento
Geral de Serviço de Campanha, de quando Portugal tinha Exército, e se sentia
agora capaz de avançar contra o inimigo “dando gritos selvagens, tais como Viva
a Pátria”, dizia, num atrevimento legislativo inaudito, decidi exonerar
temporariamente, os comandantes das unidades da área de Tancorum, à falta de
perceber quem é que mandava naquele aborto organizacional todo!
E
depois de tudo esclarecido – como se viu – lá os reconduzi nas funções, a bem
da paz e da concórdia (e também da falta de vergonha na cara).
E
eles, coitados, lá aceitaram tudo, até porque não tinham tempo sequer, para
passar à reserva…
Isto
é o que se chama triunfar em toda a linha, ó tropas!
*****
Mas
nem com todos estes exemplos de liderança que irão marcar o ensino nas
Academias Militares (perdão nos “campus da defesa”) futuros, consegui sossegar
alguns de vós.
Refiro-me
a esses “brutos” que acampam ali para os lados da depressão lunar da “Carregueirorum”
e que contra todas as regras da camuflagem têm o estranho hábito de usar uma
peça de tecido redondo na cabeça, de cor vermelha!
Já
sei, vou despachá-los para Marte, o planeta da mesma cor, aí já ninguém os vê,
além de que é quente!
Mas
enquanto isso não acontece vou mudar o nome deles para “centro de escuteiros,
bem comportados”, para ver se deixam de andar a querer brincar aos soldados a
sério, e correrem o risco de morrerem no caminho…
E
depois ter essa procissão toda de procuradores e jornalistas do mais fino
recorte e cheios de boas intenções justiceiras, à perna?
Uma
maçada!
Por
isso, ó tropas, estou a pensar fazer deles além de escuteiros, uma reserva
táctica debaixo das ordens da Protecção Civil, essa extraordinária organização
babilónia, que está prestes a constituir-se como a quinta-essência desta
(apodrecida) III República!
E
vão ver, ó tropas, como ainda vereis um Presidente dessa Protecção Civil arvorado
em Marechal, com oito estrelas douradas e dois bastões. Um para cada mão.
Como
eu vejo à frente!
Mas
com tudo isto em mente não consegui domar aqueles que ajudaram a impedir aquela
cáfila toda da comunagem e tarados a esmo, de tomar o Poder nos idos de 1975.
Os
gajos tiram-me do sério!
Tive
o azar de lá colocar um tipo assim a modos que avantajado e não é que o ímpio
começou a falar grosso?
Ah,
mas eu mandei vir da cratera da Santa, uma bataria autopropulsionada de 15,5,
regulei a alça e pulverizei-o!
O
impertinente teve o despautério de não seguir as minhas sugestões, quando lhe
pedi o último discurso para revisão gramatical (o que nada tem a ver com o que
faziam os meus camaradas serôdios, munidos de lápis azul do antigamente)!
E
eu, cheio de boas intenções, ainda o deixei falar e não é que o desobediente
disse o que a sua cabeça pensava e a sua consciência ditava? Que
estranho Carácter!
Aí
fiquei furibundo e só não lhe fui aos fagotes, pois o tipo parece uma parede e
ri-se pouco, mas invectivei-o como um (mau) mestre-escola faz aos gaiatos.
Isto
passando-se apesar de haver várias pessoas presentes a ouvirem, as quais se
afastaram pudicamente (fiquei até a pensar, muito mais tarde, se não seria por
coisas destas que os generais de outros tempos se afastam dos locais onde me
desloco).
E
como quem mas faz, paga-mas – segundo, aliás, uma velha prédica desse farol, o
PS, que nos ilumina, como se tem visto – guardei a vingança para mim e não
disse a ninguém – ou não será a surpresa, um dos princípios da guerra? – e na
primeira oportunidade despedi-o, acusando-o de andar a dizer a verdade aos
quatro ventos!
Onde já se viu uma coisa assim?
E
que melhor ocasião para o fazer do que no fim de um almoço em dia festivo,
mesmo saltando por cima da cadeia hierárquica?
Ou não será almoçar fora, ao
contrário do futebol, o verdadeiro desporto nacional?! (Aqui para nós que
ninguém nos ouve até já pensei contratar o trineto de um tipo que se chamava
Bruno de Carvalho, para meu assessor…).
Sem embargo, consultei uns oráculos
(de Delfos) e já não vou despachar o dito cujo no dia 12, fica para depois de
29 do corrente, mas com a condição (!) de não haver mais discursos, ou a coisa
sair inócua…
Estou
pois, ó tropas, ufano de mim mesmo e não queria deixar passar em claro este
momento de felicidade e de alto exemplo castrense e épico, sem o partilhar
convosco e assim aumentar o vosso Moral.
Que
eu já sabia que era alto, mas assim, fica melhor.
Quartel
(isto é, campus da defesa), em Mar das Tormentas, 11 de Maio de 2118.
(Assinatura
ilegível)
Chaparro, o deslumbradinho.
(Segue-se salva de 17 tiros de pólvora – seca)
*****
O guião deste filme foi enviado
para a Academia de Hollywood.
A
resposta foi rápida e o filme foi chumbado.
O
argumento começou por ser passado do departamento de filmes de ficção
científica, para o departamento dos filmes de terror.
Ali
foi rejeitado por ser demasiado téctrico e impróprio para menores de 65 anos (o
que não configurava qualquer lucro na bilheteira), sequer para passar na “Casa dos
Segredos”.
Como
nota adicional e “post-scriptum”, afirmaram que o argumento era mau demais para
ser verdade, mesmo em filme.
A resposta foi remetida para o Campus da Defesa,
para o Campus de S. Bento, para o Campus de Belém e para o campus dos comentadores.
Por
uma vez, não se conhecem reacções.
João
José Brandão Ferreira
Oficial Piloto Aviador